Com aval de prefeitura, dezenas furam fila da vacina em São José dos Pinhais

Caso veio à tona depois que publicitário de hospital privado postou fotos recebendo o imunizante

Em meio a um cenário de escassez da vacina contra a Covid-19 em todo o país – o que tem levado Estados e Municípios a estabelecer novos filtros dentro dos conjuntos já pré-definidos –, dezenas de pessoas que não estão entre o grupo prioritário inicial vêm sendo imunizadas em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

Entraram na lista, por exemplo, funcionários de instituições de saúde que atuam em setores administrativos e de comunicação. Com o aval da Prefeitura, eles foram vacinados antes mesmo de milhares de profissionais da saúde do Município.

O caso veio à tona na última quarta-feira (28), depois que o filho do ex-vereador de Curitiba e ex-deputado estadual Rui Hara compartilhou imagens nas redes sociais, nas quais aparece recebendo o imunizante. As fotos foram tiradas dentro do Hospital Novaclínica, fundado pelo ex-político e outros médicos, e onde Marlus Hara, que postou o registro, trabalha como publicitário. Depois da repercussão, as fotos chegaram a ficar fora do ar por um tempo.

Procurado, o Novaclínica, que atende majoritariamente clientes particulares e beneficiários de planos de saúde, confirmou que não só o publicitário, mas todos os seus funcionários foram incluídos já nesta etapa restrita de imunização, organizada pela Prefeitura. São 352 pessoas, no total. Dessas, 30 prestam serviços administrativos – e, pela urgência da cobertura, deveriam ter ficado de fora desta margem inicial da campanha, voltada exclusivamente para idosos em abrigos, indígenas e profissionais de saúde.

O hospital negou quebra de regras e disse que seguiu o esquema elaborado pelo Município. A Prefeitura, por sua vez, assumiu as responsabilidades.  

Em nota, a gestão da prefeita Nina Singer (Cidadania) justificou que toda a equipe de linha de frente de combate à pandemia foi vacinada com as doses do primeiro lote. Com a chegada da segunda remessa, um estudo constatou “condições de vacinar todos os trabalhadores da saúde dos hospitais e serviços de urgência e emergência”.

Isso significa que  o número total de vacinados antes do tempo na cidade deve ser bem maior do que apenas os 30 do Novaclínica. Contudo, até o fechamento da reportagem, a Prefeitura não respondeu quantos trabalhadores não específicos da área da saúde foram incluídos nesta etapa mais urgente da campanha.

“Esclarecemos ainda que em nenhum momento houve irregularidade na ordem de vacinação. O que aconteceu é que, graças ao planejamento da gestão, conseguimos atender todos os profissionais de saúde do Hospital Nova Clinica, assim como fizemos na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Afonso Pena, Unidade Avançada Rui Barbosa, Clínica de Oncologia, Clínica de Doenças Renais, Samu, Siate e no Hospital e Maternidade São José dos Pinhais”, rebateu a gestão.

A administração, porém, não apresentou o Plano de Vacinação de São José dos Pinhais na íntegra, conforme solicitou a reportagem. Na página da Prefeitura na internet, as informações sobre o esquema são limitadas. No entanto, o texto é claro ao pontuar que constam como prioridade “profissionais da saúde, idosos acima de 60 anos institucionalizados e população indígena”.

Neste ponto, o Plano Estadual de Vacinação contra a Covid-19 elaborado pelo Governo do Paraná mostra que o número total de profissionais de saúde de São José dos Pinhais é mais do que o dobro do número das doses já recebidas pelo Município.

O documento estadual lista 7.891 profissionais da área cadastrados para 3.478 doses recebidas pelo Município até agora, conforme quantitativo da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). Mesmo se todas as doses tivessem ido apenas para estes trabalhadores específicos, nem 45% deles teriam recebido a vacina.

Foi o que aconteceu no outro hospital privado da Cidade, o Nossa Saúde, onde apenas os profissionais da linha de frente do combate ao coronavírus receberam a vacina nesta sexta-feira (29). Segundo a instituição, foram somente 30 imunizados até agora, entre médicos, enfermagem, recepcionistas e pessoal da limpeza. Funcionários da administração e quem não tem contato com pacientes ficaram de fora. O Nossa Saúde conta com 94 funcionários no local, ou seja, não vacinou nem metade de seus colaboradores.

“É revoltante saber que um hospital privado recebeu o dobro de doses necessárias e que pessoas que nem são da área da Saúde tomaram a vacina enquanto muitos colegas estão aí se expondo ao vírus para salvar vidas. Talvez porque o dono de lá seja parceiro da Prefeitura e amigo dos secretários. Mas isso não é justo. Não era pra ter um plano e uma ordem a ser seguida?, questiona um profissional de saúde, que prefere não se identificar. “Essa cidade parece uma província, uma colônia sem lei. É muito desrespeito com as regras e com o próximo. O Ministério Público precisa intervir.”

Prioridade dentro de prioridade

O Hospital Novaclínica defendeu que o publicitário questionado por tomar vacina presta serviço como autônomo na área de Comunicação e Marketing e “exerce trabalho diário na instituição, embora sem horário fixo”, motivo pelo qual o hospital entende que ele faz parte do grupo prioritário.

“Como um trabalhador que atua diariamente ‘in loco’ no estabelecimento, também é um profissional que está contemplado no Plano Nacional de vacinação contra a Covid-19 como ‘trabalhador na área da saúde’, diz nota assinada pelo diretor-técnico da instituição, Brasílio Vicente de Castro Filho.

De fato, está contemplado nesta primeira etapa do Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19 o grupo geral de trabalhadores de instituições de saúde – expressão que engloba não só profissionais como médicos, enfermeiros e técnicos, mas todos os ligados à rotina do estabelecimento. Mas por causa de um descompasso global entre demanda e produção, a aplicação das doses que já tiveram o uso emergencial aprovado no Brasil vem seguindo ordem específica e restrita.

A orientação do Governo Federal, assim como do Paraná, é que sejam priorizados, neste primeiro momento, idosos que vivem em asilos, indígenas em aldeias e, nos estabelecimentos de saúde, profissionais de saúde, principalmente os que atuam na linha de frente contra o coronavírus.

Recentemente, a Sesa informou a imunização completa da população indígena e de idosos que moram em asilos em todo o Estado. Mas dos demais grupos, não.

Poucas doses

O Paraná, assim como todos os Estados do país, não está com margem de folga para a distribuição generalizada dos imunizantes. Até agora, das 4,8 milhões de doses necessárias para completar o grupo de prioridade desta primeira fase, o Estado recebeu apenas 391,7 mil, divididas em lotes da Coronavac e da Oxford-AstraZeneca.

O número é irrisório para o quadro de aproximadamente 4 milhões de pessoas que o governo Ratinho Jr. pretende atingir até maio. Por isso, a Sesa tem reforçado a prioridade setorizada.

“Insistimos com os Municípios para que priorizem essas pessoas que precisamos vacinar logo. Temos de fazer com que todas as doses cheguem aos profissionais envolvidos. Gente que trabalha em hospitais, no Siate e no Samu e estão diretamente no atendimento da doença. Essas doses de agora vão ajudar a fazer andar um pouco mais essa fila”, apelou o secretário Beto Preto na última segunda-feira (25).

Em reposta ao Plural, a secretaria reiterou, nesta sexta-feira (29), que a primeira etapa da vacinação é para profissionais de saúde que atuam na linha de frente na pandemia da Covid-19 e que os quantitativos enviados a cada cidade “foram desenhados, conforme previsão dos dados do Paraná, de forma proporcional”.

“Compete aos Municípios a administração e aplicação das doses, seguindo o grupo e as faixas prioritárias. O Estado não vacina. Quem faz a vacinação é o Município, na sua Unidade Básica de Saúde”, diz o texto.

Ainda conforme a Sesa, o procedimento “que esteja em desacordo com esta estratégia, deve ser informado aos órgãos de controle e fiscalização”, pois as “as etapas devem ser seguidas estritamente e rigorosamente nos quantitativos e grupos prioritários”.

Antes do fechamento desta reportagem, o Plural voltou a solicitar novos esclarecimentos à secretária de Saúde de São José dos Pinhais, Janaína Ferreira Teixeira, mas não obteve retorno.

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13 comentários em “Com aval de prefeitura, dezenas furam fila da vacina em São José dos Pinhais”

  1. Por isso é que não há nenhuma informação nova sobre o plano de vacinação em São José. Aquele Whatsapp que criaram pra tirar dúvidas é uma piada e na Secretaria de Saúde só tem idiota desinformado. Resumindo, São José é uma esculhambação só. Essa prefeita é uma imbecil que fala, fala e não diz nada. Vergonha! O MP tem que ser acionado e a prefeita e os fura-fila, responsabilizados.

  2. Nilza Bezerra de Lima

    Tem que comunicar o povo para cobrar esta situação do MINISTÉRIO PÚBLICO DA SAÚDE , ATRAVES DO TELEFONE DE N° 3556-0757 .
    CADÊ A PRESENÇA DO MINISTÉRIO PUBLICO DA SAÚDE?
    É UM ASSUNTO QUE DIZ RESPEITO AO MINISTÉRIO PUBLICO , O POVO NÃO PODE FICAR A MERCÊS ,ENQUANTO UM HOSPITAL PRIVADO TIRA PROVEITO DESTA SITUAÇÃO.
    O Ministério Público Da Saúde, fica localizado na Rua Isabel Redendora, BÉM Proximo da farmacia NISSEI 24 HORAS , é aquele predio de vidro fumê na frente Eles estão no 8° andar .
    Cadê os vereadores da oposição que NÃO VÊ ISTO ?
    ISTO É CASO DE UMA AÇÃO JUDICIAL PIPULAR .
    NÃO PIDEMOS NOS CALAR .

  3. Eeee São José, cidade tão bela de gente trabalhadora, mas que só elege politicos sem compromisso, que cuida apenas dos seus e abandona o povo a mingua.
    Setins, Toninhos e Chicos se perpetuam da mesma forma.

  4. Roque Rogério Hoffer

    Essa cidade é uma província onde a tal prefeita figura como mandante de uma corja de puxa saco que para se manterem no cargo são capazes de tudo. Cadê o Ministério Público???

  5. Mas onde está a responsabilidade dos gestores da saúde municipal??? Em um País sério isso seria motivo de prisão!!!! Os cidadãos de bem esperam uma atitude, das autoridades em suas esferas!!!

  6. Era de se imaginar que isso poderia acontecer, quando a chapa dessa prefeita foi toda feita de figurinhas já conhecidas. O povo que é muito burro em votar nesses candidatos vitrines…
    A desculpa usada pela prefeitura nessa matéria não faz sentido algum.

  7. Delson Luis Ferreira

    Uma pouca vergonha… Duvido q os parentes próximos não tomaram essa vacina já… Acredito q a prefeitura foi até na casa de cada parente tomar o imunizante… Estamos a mercê, igual o filme Titanic… Só entra no barco quem tem poder e dinheiro. Enquanto os pobres e dependentes do governo fica no aguardo… Porque se for pedir, com certeza iram mandar aguardar a vacina. E a resposta seria…primeiros os prioritários mas é mentira… Como a reportagem descobriu. Tinha q pedir p repassarem dados dos q já tomaram e quantas vacinas ainda tem…

  8. Detalhe tem que ver se esse rapaz tem contrato com o hospital e emite nota para comprovar o vinculo. Porque esse papo de profissional autônomo que não tem horário fixo esta estranho. E se mesmo assim trabalhar, mas não tem contrato nem nota nem registro ja configura crime de sonegação fiscal entre outras infrações trabalhistas.

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