Araucária dribla regras para voltar com raio-x de UPA parado há um ano e meio

Mesmo por um longo período sem a oferta do raio-x na UPA da cidade, prefeitura não corrigiu falhas apontadas pela Vigilância Sanitária

A prefeitura de Araucária passou por cima de normas legais para retomar a operação do raio-x da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade. O serviço estava parado há um ano e meio por causa de inconsistências catalogadas pela Vigilância Sanitária municipal, muitas das quais ainda estão pendentes. A volta da oferta dos exames foi determinada por ofício pela Secretaria Municipal da Saúde e sem aval das autoridades sanitárias, sob o argumento de excepcionalidade para atender a população em situação de urgência – embora a demanda não tenha surgido somente agora.

O ofício assinado pelo secretário da Saúde Bruno Rodelli Mendes Fontes em 16 de março reconhece a existência de irregularidades, mas cita recomendação favorável da Procuradoria-Geral de Araucária para voltar com a operação. A reportagem pediu uma entrevista para entender o porquê, então, de o raio-x não ter sido retomado antes – uma vez que as irregularidades não seriam corrigidas –, mas o pedido não foi atendido. As perguntas encaminhadas à assessoria de imprensa da prefeitura, como solicitado pelo próprio órgão, também não foram respondidas.

Projeto arquitetônico

O impasse tem a ver com inspeção feita pela Vigilância Sanitária do município em novembro de 2021 que constatou uma série de falhas funcionais e específicas na UPA. Entre elas, incompatibilidade do serviço de raio-x com regras ditadas pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 611 de 2022 da Anvisa, que estabelece as condições sanitárias básicas para o funcionamento de serviços de radiologia diagnóstica nos estabelecimentos públicos e privados do país.

A vistoria encontrou lacunas em vários setores da unidade. No de radiologia, a equipe confirmou ter recebido os resultados favoráveis do laudo radiométrico. O levantamento atestou coerência técnica e descartou risco de fugas de radiação do ambiente, uma importante medida de proteção. No entanto, os agentes atestaram a inexistência de projeto básico de radioproteção e layout da sala de raio-x, que funciona como uma espécie de orientação padronizada para a construção e a disposição de itens da sala onde circula a radiação ionizante para maximizar a segurança de trabalhadores e pacientes.

Todas as desconformidades foram listadas em parecer encaminhado à prefeitura pela Vigilância Sanitária de Araucária, do qual, segundo documento do próprio órgão, derivou-se em 30 de novembro de 2021 um “Termo de Compromisso de não utilização do equipamento até que atenda as exigências sanitárias”, além de encerramento da notificação preliminar sob promessa do poder público de corrigir todas as falhas até dezembro de 2022.

Esgotado o prazo para as readequações, a gestão do prefeito Hissam Hussein Dehaini (Cidadania) não cumpriu as metas acordadas e retomou, mesmo sem todas os requisitos atendidos, o uso do equipamento. Em ofício de resposta à Procuradoria-Geral do Município (PGM), assinado em março deste ano, o Departamento de Vigilância em Saúde de Araucária voltou a afirmar que “a instituição providenciou o levantamento radiométrico de acordo com o exigido pela RDC 611/2022, no entanto, restam os demais requisitos para a aprovação do Projeto Básico Arquitetônico”.

A própria PGM admitiu as irregularidades, mas defendeu a retomada do serviço de raio-x independentemente das regras sanitárias não cumpridas por uma questão de “urgência e necessidade, sendo o serviço de caráter essencial e, tendo em vista a possibilidade de aprovação técnica motivada e justificada pela gestão”.

Excepcionalidade

No ofício em que restabelece os exames de raio-x na UPA de Araucária, a prefeitura afirma ter recebido consentimento da responsável técnica do serviço UPA para o retorno, apesar de profissional não estar identificada como responsável técnica pelo setor no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde (MS).

A administração municipal argumenta ainda sobre a previsão de excepcionalidade no cumprimento das regras sanitárias colocada pelo próprio MS ao tratar dos programas arquitetônicos mínimos para os estabelecimentos de saúde e também sobre a necessidade de atender aos princípios básicos de direito à saúde previstos na Constituição Federal e na legislação brasileira e também sobre. “Baseando-se no Princípio da Razoabilidade, onde mesmo que não haja o cumprimento integral da legislação sanitária vigente, entende-se que o direito da coletividade é obrigação discricionária da autoridade sanitária representada por este Secretário, de modo que alicerçando-se no interesse público e na alta relevância da realização de exames de raio-x para os casos respiratórios, traumatológicos e demais condições agudas”, diz trecho do documento assinado por Fontes.

A justifica não aborda, contudo, as razões pelas quais a prefeitura decidiu não readequar a UPA no período em que o serviço ficou fora de operação.

O Sindicato dos Funcionários e Servidores Públicos do Município de Araucária (Sifar) pediu providências ao Ministério Público do Paraná (MPPR). A entidade alega que, apesar de o laudo radiométrico ter sido expedido de acordo com as normas vigentes, a falta de cumprimento a outras regras da Anvisa pode comprometer a segurança. “Entretanto, diga-se de passagem, que o funcionamento do raio-x sem os devidos cuidados técnicos podem sim causar prejuízos a pacientes e trabalhadores tendo em vista os riscos cancerígenos da radiação radiológica, motivo pelo qual a norma é tão rígida nesses casos”, afirma o sindicato no pedido feito ao MPPR.

Segundo o órgão, as lacunas não supridas no projeto arquitetônico estão relacionadas não apenas às instalações da sala de radiologia, mas indicam possibilidade de interferência do que ocorre no ambiente em demais espaços da UPA.

“A sala em si está segura e há um laudo radiométrico assinado por um físico que diz isso. Mas há outro universo de coisas que a legislação sanitária prevê para garantir a segurança de todo o ambiente.  Muito mais que a sala estar em ordem, a legislação também fala sobre o entorno da sala. Entendemos que a liberação de serviço de radiologia e a liberação da sala são duas coisas diferentes, tanto que ainda não existe uma aval da Vigilância Sanitária”, afirmou ao Plural Jair Zanin, técnico de radiologia da UPA de Araucária e um dos membros do Sifar”.

Valor menor

O Sindicato também quer o Ministério Público busque explicações sobre uma possível incoerência na compra do equipamento de raio-x da UPA de Araucária.

Conforme a entidade, o maquinário adquirido no início de 2021 por R$ 469.719 – outro de mesmo valor foi comprado para o hospital da cidade –  pode ter especificações mais básicas do que as contidas no edital da compra, feita com recursos do órgão do governo estadual Paranacidade e complementada em contrapartida menor pelo município, motivo pelo qual a promotoria específica deverá ser acionada.

A entidade afirma que, por ser de menor qualidade, o equipamento requer mais operações manuais e torna os exames mais demorados, incompatível com a realidades dos serviços de urgência e emergência.

“Foi outra surpresa quando a gente recebeu e viu que era um aparelho limitado para a agilidade do serviço. Ele não está adequado às necessidades dos pacientes. Seria muito bom para um ambulatório, uma clínica pequena, mas não para a UPA”, afirma Zanin.

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