Antes da Amazon, era ele que trazia livros importados para Curitiba

Peter Polewka, dono da Livraria Urania, mandava vir livros e revistas principalmente para a comunidade alemã da cidade

Importar livros até os anos 90, antes da Internet comercial, era um processo mais lento e um tanto mais complicado do que hoje. Ao invés de acessar um site e dar lá meia dúzia de cliques, você precisava ir a alguma casa especializada. Esse era o passo um. O próximo era procurar o livro, algo nem sempre tão simples.

Peter Polewka, dono de uma das várias importadoras de livros que Curitiba teve ao longo do século 20, conheceu vários procedimentos. Mais perto da chegada da Internet, o fax já dava uma mão: era o meio de se comunicar com os fornecedores do outro lado do Oceano. Mas e a lista de livros disponíveis?

Quem chegava à Livraria Urania na Barão do Cerro Azul, no Centro Cívico, dizia o que queria. Depois de algum tempo, lá vinha Peter ou algum funcionário com uma lista de possibilidades, saídas de uma impressora matricial. Não era exatamente o mais prático dos métodos, mas parecia um grande luxo.

A Urania, mais um dos negócios que sumiram com a chegada de gigantes como a Amazon, acabou incorporada a outra empresa e ainda traz algumas revistas e livros da Alemanha. Na entrevista ao Plural, Peter Polewka fala da necessidade que levou os imigrantes alemães a quererem livrarias aqui e de todo o caminho percorrido até o século 21.

De onde surgiu a ideia de fundar a Livraria Urânia?

A ideia surgiu logo após o final da Segunda Guerra. Lembre-se que durante a guerra o idioma alemão foi proibido no Brasil e que, durante anos, foram punidas as pessoas que falavam o alemão em público. Lembre-se também que o Brasil era historicamente um país que abrigava muitos imigrantes alemães. Principalmente nos estados do Sul existiam muitas colônias que contribuíram para o desenvolvimento destas regiões. Nos anos 50 houve um fluxo constante de imigrantes que deixaram a Alemanha em busca de uma vida melhor. Posteriormente – a partir dos anos 1960 – passaram a vir mais técnicos e especialistas para acompanhar a construção e manutenção de novas fábricas de indústrias alemãs como Volkswagen, MAN, Siemens, Bosch, entre outras. Muitos desses profissionais optaram por ficar no Brasil. A partir dos anos 1980 a situação começou a mudar e hoje o fluxo é fundamentalmente de especialistas que vem em caráter temporário para resolver problemas técnicos.

Historicamente existiam, antes da guerra, fortes laços científicos entre as universidades dos dois países. Nesse contexto, é certo que a comunidade alemã e os descendentes em Curitiba sentiram a falta de literatura e de notícias na sua língua no pós-guerra. E exatamente nessa época (1949) a Livraria Urania LTDA. abriu as portas, na rua Carlos Cavalcanti, vendendo material de papelaria, bem como livros e revistas importadas. Para atender melhor o público alemão instalou um serviço de aluguel de revistas chamado LIES MIT que fez muito sucesso em Curitiba até os anos 1970.

Já houve outras livrarias germânicas na cidade. Por que essa tradição?

Nos anos 50 surgiram mais duas livrarias em Curitiba que importavam livros e revistas alemãs: A Livraria Braun e a Livraria Heinrich & Ickert, que posteriormente mudou o nome para Importadora Ickert LTDA. Todas elas atendiam o público alemão existente.

Um fator interessante foi também o aparecimento de cursos de línguas em geral e especialmente do Instituto Cultural Goethe que trabalhava com material didático importado da Alemanha.

Como o Senhor veio parar no Brasil? E por que Curitiba?

Vim para o Brasil em 1960, contratado por uma firma curitibana do ramo fotográfico para trabalhar na importação. A escolha da cidade foi influenciada por um tio, Willi Polewka que já tinha vindo morar aqui há muitos anos.

No ano 1968 entrei como sócio na Importadora Ickert LTDA. Esta sociedade terminou em 1981. A partir de 1982 entrei como titular na Livraria Urania LTDA., com os filhos Gabriele e René como sócios minoritários.

Nos anos 90, quando não havia Amazon, o Sr. era um dos poucos meios de comprar livros importados em Curitiba. Como era esse trabalho de importação?

As encomendas eram feitas quinzenalmente, via correio (!), para uma atacadista na Alemanha. Esse fornecedor dispunha de um estoque grande de livros, de quase todas as editoras alemãs. Na maioria das vezes não valia a pena importar direto das editoras já que, dependendo das quantidades as condições do atacadista era bem melhor. A partir dos anos 80 passamos a usar o fax. Hoje em dia toda a correspondência com os fornecedores é feita através de e-mail.

O transporte, na maioria dos casos, era realizado via correio. Até meados dos anos noventa, praticamente todos os pacotes de até 20 quilos eram despachados via marítima e levavam, em média, 6 a 8 semanas para chegar. Hoje em dia o correio alemão está mandando quase tudo via avião fretado. As remessas chegam em geral em duas semanas nos postos de correio no Rio de Janeiro e de lá vão para a alfandega. Por lei, os livros não pagam imposto de importação e isso facilita a liberação das remessas, que leva em média 2 a 3 semanas. Após a liberação as remessas vão para Curitiba. O prazo normal de entrega é de 4-6 semanas.

Sendo livre de impostos, a importação de livros ou revistas não requer licença prévia e hoje não temos problemas específicos para trazer a mercadoria. Os pagamentos também são facilitados por transferências bancárias, cartões de crédito e débito e outros meios eletrônicos de pagamento.

O início da era digital foi até favorável para nós. O cliente escolhia os seus livros nas plataformas digitais e mandava importar por nosso intermédio. Muita gente preferia esse caminho à importação direta por receio de fazer os pagamentos internacionais via cartão de crédito e por causa dos constantes problemas com o desembaraço de mercadorias na alfândega ou com o serviço dos correios.

Com o aparecimento da Amazon e de outras plataformas de venda online e a expansão do hábito de fazer compras digitais diretas, diminuiu enormemente a procura por livros importados nas livrarias físicas.

Quem era a sua clientela? Isso mudou ao longo do tempo?

A venda de livros alemães diminuiu sensivelmente nos anos 80 e 90 da década passada e, nesse período, duas das três empresas do ramo em Curitiba fecharam. A Urania foi a única que restou.

A clientela de antigamente, que comprava livros espontaneamente do estoque ou por catálogo já tinha, em sua maioria, falecido ou desaparecido. Então, já naquele tempo, não era mais possível viver das vendas apenas para o público Curitibano e nós só sobrevivemos graças à extensão das vendas para todo o Brasil.

Além dos livros germânicos, tinham muitos outros catálogos na Urania. Como o sr. fazia esses contatos?

Um ponto da maior importância e de sobrevivência para nós eram as assinaturas de revistas alemãs. As mulheres das famílias alemãs mantinham o velho hábito de comprar revistas de fofoca famosas como Neue Post, Neue Blatt, Blunte, Stern etc. Até o final dos anos 1990 ainda recebemos semanalmente um contingente de revistas para venda avulsa. Atualmente, fazemos somente assinaturas anuais. Hoje, a maioria das revistas tem uma edição digital, o que levou muita gente a cancelar a edição impressa e essa tendência levou a uma diminuição significativa no volume das assinaturas.

Outro ramo importante era a música. Nós sempre vendemos muito bem discos de vinil e fitas-cassete, depois CDs, e DVDs. Com o surgimento de serviços como “Spotify” etc., essas vendas cessaram quase completamente.

A venda de calendários alemães (de parede, de mesa etc.) era outra parte dos negócios que por muitos anos apresentou excelente resultado, mas com a taxação atual de 60% e a alta do EURO, também está diminuindo significativamente.

Em tempos de gigantes do varejo digital, como a Urania sobrevive?

Diante de uma situação pouco vantajosa comercialmente, a Urania se uniu, em 2009, com a empresa ARTS & CRAFTS (material para trabalhos manuais) e, em 2012, teve sua baixa definitiva registrada na Prefeitura. Mas o serviço de importação de livros e revistas continua e é feito hoje em nome da ARTS & CRAFTS.

Qual o sr. imagina que vai ser o destino das pequenas livrarias?

A tendência ao desaparecimento de pequenas livrarias já persiste há anos (e nem só as de livros alemães – em São Paulo, por exemplo, só mais uma sobrevive). As livrarias que se mantém são as que estão nos grandes Shoppings, mas acredito que também não resistirão por muito tempo.

O que se vê hoje é uma mudança enorme nos hábitos das pessoas devido à digitalização e ao desenvolvimento tecnológico em geral. É muito difícil prever o futuro da comercialização do livro, mas com certeza não voltaremos ao tempo em que entravamos em uma livraria para nos divertir folheando a grande quantidade de títulos disponíveis. Sinal dos tempos.

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