Na sexta-feira passada, um ônibus fretado saía da Reserva Indígena de Mangueirinha, no interior do Paraná. O trajeto seria longo: mais de 1,5 mil quilômetros percorridos em dois dias, incluindo algumas paradas no caminho para pegar os parentes de Nova Laranjeiras e da capital. Na aldeia Kakané Porã, em Curitiba, finalmente esgotaram-se os assentos. Com os 44 lugares ocupados, os indígenas paranaenses seguiram rumo a Brasília. A essa altura, o objetivo era acompanhar de perto a votação do Projeto de Lei 490 e cobrar os poderosos.
“Tirando o desconforto de 30 e poucas horas de viagem, o resto a gente tirou de letra. Viemos dialogando, brincando, pedindo a bênção dos encantados e cantando durante a noite, quando estava mais fresco”, descreve a professora e comunicadora indígena Vanessa Fe Ha Kaingang, que tem 23 anos e vive em Mangueirinha. Segundo ela, é a primeira vez da maioria num ato de grande porte.
O grupo de 44 pessoas é diverso, composto por indígenas de três etnias diferentes: kaingang, guarani e xetá. São, em sua maioria, lideranças, acadêmicos indígenas, mães e seus filhos, moradores das aldeias de Mangueirinha, Rio das Cobras e Kakané Porã.
A verba para financiar a viagem foi arrecadada com antecedência, por meio de rifas. “O ônibus a gente alugou. Também nos organizamos para não passar necessidade. Fizemos uma campanha pesada no Instagram de todos os membros que estão com a gente e conseguimos o dinheiro. A gente nunca nem viu o rosto de grande parte dos doadores. Como as doações vieram por PIX, às vezes a gente só sabia o nome da pessoa”, conta a professora.
Acampamento
O movimento paranaense chegou em Brasília no domingo passado, por volta das 9h da manhã. “Assim que estacionamos, escolhemos um bom lugar, perto das plenárias, e montamos o acampamento. Conseguimos fogão e alimentos não perecíveis, aí vai-se indo ao mercado conforme a necessidade dos acampados”.
Desde então, a rotina é mais ou menos esta: “A gente acorda por volta das 6h e se organiza em escalas: um grupo faz café e outro vai tomar banho ou lavar o que precisa. Depois do café, um grupo desce pras plenárias e outro grupo cuida do acampamento. Aí nós nos revezamos no almoço e à tarde tem mais protesto. Sempre ficam pelo menos três pessoas cuidando das barracas, porque nunca se sabe”.
Comecei a conversar com Vanessa na quinta-feira (26), no começo da tarde. “Esse é um momento histórico pra todos nós, tendo em vista que são aproximadamente seis mil indígenas aqui alojados. Já fizemos dois atos saindo do acampamento e indo até a praça dos três poderes, onde entoamos cantos indígenas, reforçando cada uma das etnias aqui presentes”, ela me disse antes de partir para mais uma manifestação.
Na mesma tarde, após saber que o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou a votação sobre a demarcação de terras indígenas para a próxima quarta-feira, dia 1º, perguntei a Vanessa como o grupo estava se sentindo. “O nosso acampamento infelizmente vai ter que ser erguido porque o ônibus está alugado até o dia 29. Se fosse pra ficar mais, a gente teria que pagar mais, e esse dinheiro a gente não tem. Além disso, preciso trabalhar”, foi a resposta.
Luta
As aldeias paranaenses que se uniram para ir a Brasília têm as terras demarcadas. Também por isso, a escolha de topar 60 horas de uma viagem cansativa, correndo o risco de levar golpes de cassetete e sofrer com as bombas de gás lacrimogêneo, como aconteceu no levante anterior, tem muito a nos ensinar sobre o que é viver em comunidade.
“O indígena não é nada sem a terra dele. Eu tenho o meu território demarcado e mesmo assim tô lutando, não vou ficar de braço cruzado, porque a nossa luta não é individual, é coletiva. O Brasil todo é território indígena. O município do Brasil que for, sempre tem uma área indígena, seja ela demarcada ou não”, defende Vanessa. “Pra nós, a terra é muito mais do que lucro: a terra é vida”.
Ela também fez questão de exaltar a luta das mulheres que viajaram para o levante. “A sociedade é uma pirâmide. Primeiro vem o homem branco, depois a mulher branca, o homem negro, a mulher negra, o homem indígena e por último a mulher indígena. Eu ainda vejo o feminismo como um movimento muito branco, que não ajuda o todo”.
Segundo ela, essa foi a tomada de consciência que moveu as parentas. “Eu vejo mulheres indígenas cuidando de mulheres indígenas. A gente vai atrás de que a nossa parenta tenha mais dignidade, tenha voz nas aldeias, porque a gente sabe que muitas são extremamente machistas, uma cultura que veio com as caravelas. A gente não quer que alguém nos dê a chance de falar, a gente quer ser ouvida por inteiro”.
No meio da semana, as paranaenses levantaram cartazes de protesto por Daiane Griá Sales, a jovem kaingang que foi brutalmente assassinada no Rio Grande do Sul. A imagem repercutiu em veículos de alcance nacional, como a Mídia Ninja. “Fizemos essa homenagem porque vimos poucas pessoas falando disso. Quando é a loirinha bonequinha de olho azul, todo mundo se comove, mas quando é a desamparada, a esquecida, a marginalizada pela sociedade, dificilmente alguém dá a cara a tapa pra mostrar o que tá acontecendo. É cultural. A mulher indígena é violada desde o momento em que nasce”.
Parabens pela iniciativa e pela bravura.
Vocês precisam divulgar mais como podemos colaborar com dinheiro. Disponho-me não só a contribuir como também a difundir, parabéns, estamos com vocês
Me somo á luta dos indigenas e das indígenas. Povo bom, irmão, lutador pela preservação da vida, inclusive a vida de nós brancos e brancas.
Emocionada com as falas… parabéns pelo trabalho . Incrível