A cidade no PR de descendentes ucranianos que pede paz para evitar massacre

Prudentópolis, a 207 km de Curitiba, vive dia a dia a guerra na Ucrânia

Helton Costa, especial para o Plural

O padre Dionísio Horbus, da Paróquia São Josafat, em Prudentópolis, a 207 km de Curitiba, relembrou diante da igreja lotada o que ninguém ali discordava: “Para nós não está longe. Está dentro de nós, nas nossas veias, na oração, no rito, na prece, no desejo para que exista a paz”, afirmou o religioso, referindo-se à guerra entre Rússia e Ucrânia, que se estende desde a última quinta-feira (24).

Em meio ao conflito, Prudentópolis tem ganhado ainda mais destaque nacional e internacional na mídia. Isso porque 75% dos aproximadamente 52,6 mil habitantes da cidade descendem de ucranianos (são a quarta ou quinta geração nascida no Brasil) e ainda preservam a língua, a cultura e a religião que os antigos trouxeram a partir de 1896, quando chegaram nesta região paranaense as primeiras 1,5 mil famílias vindas da região onde hoje é a Ucrânia.

Às centenas de pessoas reunidas na principal igreja do rito ucraíno-católico da cidade, no último domingo (27), o padre falou em pacificação e pediu aos fiéis que estejam preparados para colaborar de forma mais efetiva com os ucranianos. “Vão guardando alguma coisa. Seguramente vamos precisar ajudar. Devemos preparar a mente, o espírito e o coração para fazer o que for preciso”.

“Devemos preparar a mente, o espírito e o coração para fazer o que for preciso.”

Pdre Dionísio Horbus, da Paróquia São Josafat, em Prudentópolis
Padre Dionísio Horbus, da Paróquia São Josafat, em Prudentópolis, reza com centenas de fieis e descendentes de ucranianos pela paz. Foto: Helton Costa

Usou das palavras ainda para direcionar as intenções da missa, aparentemente, ao presidente russo Vladimir Putin, dizendo que a paz deveria seguir uma direção para onde “aquele homem que talvez não esteja em paz, que não tem nada de Deus com ele, para que alguma coisa o toque”.

Nem tão distante

Os primeiros ucranianos a pisar em Prudentópolis vieram, em sua maioria, da Galícia, uma região que na época era parte do império austro-húngaro. Por isso, tiveram carimbadas em seus papéis de entrada no país a designação de austríacos. “Tanto que no meu documento consta que sou filha de austríaco”, explica Meroslava Krevey, diretora do Museu do Milênio, que preserva a história da imigração ucraniana para a cidade.

Aos 84 anos, Krevey lamenta ver o país dos ancestrais invadido mais uma vez. “A Ucrânia, historicamente, esteve sempre ocupada, afinal é o corredor entre o ocidente e o oriente. Quando vieram para cá, por exemplo, a região da Galícia pertencia ao império austro-húngaro”, lembra a professora.

A Ucrânia só é independente há 30 anos. Na parte mais recente da história, viveu sob influência da União Soviética até 1991.

Hoje, se depender dos prudentopolitanos, a negociação é a melhor saída, pois, as forças são muito desproporcionais. “Militarmente não tem como enfrentar sozinha o segundo poder bélico do mundo. Só tem um caminho: negociação. Aceitar a paz para não ser massacrada”, defende Marcos Antônio Boiko, que há 14 anos é o líder da Irmandade dos Cossacos, grupo folclórico formado por 206 representantes e reencenadores que lembram a existência de guerreiros eslavos, principalmente da Ucrânia e sul da Rússia, com raízes entre os séculos XIII e XIV.

Marcos deu a declaração em meio aos cerca de 30 cossacos presentes na missa do último dia 27. Os colegas que acompanharam ressaltaram: combatendo sozinha deve haver negociação, porém, se houver apoio, a saída poderia ser militar.

Principal igreja do rito ucraíno-católico de Prudentópolis, em missa pela paz no último domingo (27). Foto: Helton Costa

Guerra de narrativas

A guerra da Rússia com a Ucrânia tem sido marcada pela disputa de narrativas sobre os acontecimentos que fazem parte do cotidiano do conflito.

Em grupos de Whatsapp e Facebook formados por moradores de Prudentópolis não tem sido diferente. Há uma minoria, quase invisível, indiferente ou mesmo pró-Rússia. Em 200 comentários de grupos públicos de Facebook analisados para esta matéria, apenas dois eram contrários à defesa dos ideais ucranianos (1%). “Culpado é o presidente da Ucrânia a. A culpa é dele. É só mandar as tropas dele se renderem e acabam as mortes de inocentes”, escreveu Josuel Sobczak.

Já no Whatsapp, o tom vai de tentativas de neutralidade (que nas entrelinhas são pró-Rússia) até os ataques à preservação do meio ambiente. Uma das correntes que circula na plataforma digital de residentes em Prudentópolis leva o sugestivo título de “Agradeça aos ambientalistas pela invasão da Ucrânia” e culpa as políticas europeias e americanas por terem deixado a Rússia sem outra saída que não fosse a das armas para defender seus próprios interesses.

Essas versões costumam ser subjugadas por defesas patrióticas, pedidos de paz e oração pelos que sofrem na guerra, mas, circulam de celular em celular entre os residentes nas áreas urbanas e rurais, já que é comum no interior do município  a internet via rádio.

Estima-se que mais de 53% dos prudentopolitanos moram em pequenas propriedades dedicadas ao cultivo de lavouras e criação de gado. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quatro em cada cinco pessoas usam a internet no Paraná.

A briga por versões sobre o conflito preocupa o mundo. A União Europeia, por exemplo, decidiu banir as agências estatais de notícias Russia Today e Sputnik, por entender que elas promovem a desinformação. Pediu ainda reuniões com Youtube e Google para tentar conter a disseminação de fake news pelos russos, que, por sua vez, proibiram a imprensa do país de usar os termos “ataque”, “invasão” e “guerra” em notícias que reportem as investidas de Vladimir Putin sobre a nação vizinha. Os russos dizem que somente os canais oficiais devem ser levados em conta pelos russos.

O fato é que até o momento, segundo o governo ucraniano, 198 cidadãos morreram em quatro dias de combate e 1.115 ficaram feridos, entre militares e civis. Do lado russo, seriam 4,3 mil soldados. Porém, como é uma informação unilateral, o número pode não representar a realidade.

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