Renovação política pregada por movimentos ficou limitada ao financiamento das campanhas

Deputados de grupos como RenovaBR e MBL tiveram o dobro de recursos privados em suas campanhas em relação aos demais, mas têm atuação semelhante à dos políticos tradicionais

Barulhentos nas ruas e principalmente na internet depois de 2016, os movimentos de renovação política, como RenovaBR e Acredito, não entregaram a renovação prometida. E isso não se deve apenas ao número relativamente pequeno de eleitos em 2018. A atuação dos integrantes desses grupos no Poder Legislativo mostra que eles não estão muito distantes dos políticos tradicionais e acabam adotando as mesmas práticas. A grande diferença está na forma de financiamento: a média de recursos privados nas campanhas desses parlamentares foi o dobro da média geral, o que pode ser explicado pela atuação dos movimentos junto a doadores.

As conclusões podem ser tiradas com a leitura de dois estudos, feitos na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Universidade Federal de São Carlos (SP). O primeiro, de autoria dos pesquisadores Roberta Picussa, Renan Arnon de Souza e Adriano Nervo Codato, analisou as atuações de dez deputados federais que fazem parte do RenovaBR, do Acredito ou do MBL (Movimento Brasil Livre), três dos principais movimentos surgidos na década passada no Brasil.

O estudo feito em São Carlos pelos pesquisadores Lígia de Morais Oliveira e Roberto Gondo Macedo identificou 29 deputados federais e quatro senadores eleitos em 2018 que pertencem a esses grupos. A dupla mapeou as atuações de 13 deputados, que integram três movimentos, o Acredito, o Agora e o Livres. A conclusão foi que, de maneira geral, as novas lideranças mantiveram em seus mandatos práticas semelhantes às da “velha política”.

Contra tudo e contra todos

Lígia de Morais Oliveira e Roberto Macedo lembram que protestos passaram ser registrados em vários países em 2011. Organizados por meio de redes sociais e impulsionados pelo descontentamento com a sequência de crises econômicas, os atos ganharam as ruas das principais cidades de países como Islândia, Tunísia, Egito, Espanha e Chile antes de chegarem ao Brasil, em 2013, a princípio contra o reajuste das tarifas de ônibus.

Passado o impeachment de Dilma Rousseff, em agosto 2016, esses movimentos ganharam uma nova forma no Brasil e começaram a investir na formação de quadros políticos, avaliam os pesquisadores, na onda crescente de descrédito da classe política — em junho de 2018, o índice de rejeição do presidente Michel Temer chegou a 82%, segundo o Datafolha.

As eleições de outubro daquele ano tiveram a atuação de pelo menos 11 desses grupos. O Senado teve a maior renovação de sua história: 46 das 54 vagas disputadas foram vencidas por novos nomes, renovação superior a 85%. A Câmara dos Deputados foi renovada em 52%, maior índice desde 1994. Sem antecedentes na política, Wilson Witzel e Romeu Zema foram eleitos governadores do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. E Jair Bolsonaro, um deputado com quatro mandatos e 28 anos na Câmara, ganhou as eleições com a imagem de outsider do mundo político.

Manifestações de 2013 deram a partida para os outsiders da política. Foto: EBC.

Financiamento em alta

Roberta Picussa, Renan Arnon de Souza e Adriano Codato dividem a atual formação da Câmara dos Deputados em três grupos: “outsiders” (os que nunca haviam sido eleitos para nenhum cargo), os “renovadores” (outsiders que fazem parte de algum grupo de renovação política) e os “estabelecidos” (políticos “tradicionais”).

Dos dez renovadores analisados, sete se declararam ao TSE como brancos, um como amarelo, um como pardo e uma deputada como indígena. São oito homens e duas mulheres e nove têm curso superior. A média de idade ao tomarem posse era de 32 anos, enquanto a média dos outsiders era de 44 anos, e a dos estabelecidos, de 50 anos.

O financiamento das campanhas dos renovadores foi predominantemente privado, com uma média de R$ 650 mil por parlamentar eleito. A média desse tipo de recursos utilizada pelos outsiders foi de R$ 278 mil e a dos estabelecidos, de R$ 219 mil. Levando-se em conta o total de deputados eleitos, a média de recursos privados utilizada por parlamentar foi de aproximadamente R$ 310 mil, segundo o artigo “Estabelecidos, outsiders e inovadores”, dos três pesquisadores da UFPR. Não foram permitidas doações de empresas em 2018, mas os valores podiam ser doados no nome de pessoas físicas.

A predominância dos recursos privados pode ser explicada pela atuação dos movimentos de renovação, que muitas vezes intermediam, junto a empresários, o financiamento das campanhas de seus integrantes.

“Esses movimentos não têm o Fundo Partidário. O Eduardo Mufarej (investidor e idealizador do RenovaBR) relata que conversava com pessoas ricas e empresários que estavam acostumados a financiar campanhas”, disse ao Plural Roberta Picussa, doutoranda em Ciência Política e mestra em Políticas Públicas pela UFPR. “O MBL é uma coisa mais fechada, mas deve ter pessoas que mandam dinheiro por acharem importante difundir uma ideologia diferente da que consideram hegemônica.”

Doutora em Ciência Política e professora da Uninter, em Curitiba, Karolina Roeder diz que é legítimo na democracia os grupos financiarem projetos políticos de seu interesse, mas avalia que é necessário deixar claro quem sãos os financiadores.

“É uma forma de influenciar. É normal, mas é importante que haja transparência. Saber quem financia quem, quem anda com quem.”

Karolina Roeder, doutora em Ciência Política e professora da Uninter.
O deputado Kim Kataguiri, do MBL. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados.

Fiéis aos partidos, mas à direita

Um dos receios era que os movimentos de renovação passassem a atuar como “partidos clandestinos”, como acusou o ex-governador e presidenciável pelo PDT Ciro Gomes. Isso que não se confirmou. “Entre o pessoal do RenovaBR, por exemplo, quatro são do Partido Novo, votam alinhados. Um é do PSL, também vota alinhado. Os únicos casos discrepantes foram o da Tábata Amaral e do Felipe Rigoni na votação da PEC da reforma da Previdência”, lembrou Roberta Picussa.

Os dois deputados que puxaram para baixo o índice de fidelidade partidária do grupo dos renovadores foram os únicos eleitos por legendas consideradas mais à esquerda, o PDT e o PSB. Os demais foram eleitos por siglas de centro ou direita, como Novo e PSL. O posicionamento de Tábata Amaral na votação da PEC da Previdência foi a que mais chamou a atenção. Ao votar contrariamente à orientação do PDT, ela gerou um desgaste com Ciro Gomes e com o presidente nacional do partido, Carlos Lupi (depois disso, a deputada migrou para o PSB).

Apesar de se dizerem “nem de direita, nem de esquerda”, muitos desses movimentos surgiram a partir de pautas liberais e conservadoras, no momento em que os manifestantes iam às ruas contra o governo do PT ou viviam os dias de desesperança do governo Temer. O Livres, explicam Lígia de Morais Oliveira e Roberto Macedo no artigo “Movimentos de Renovação Política no Brasil”, foi gestado dentro do PSL, o partido pelo qual Bolsonaro foi eleito e que virou União Brasil ao se fundir com o DEM. O MBL, que nunca negou ser de direita, tem uma disciplina chamada “Petismo” em seu núcleo de formação, a Academia MBL, para passar informações sobre os “inimigos”.

Formação e ideologia

A lei determina que pelo menos 20% dos recursos do fundo partidário sejam destinados pelos partidos à formação política de seus quadros. Teoricamente isso é feito por meio de fundações e os grandes partidos possuem as suas: o MDB possui a Fundação Ulysses Guimarães, o PT a Fundação Perseu Abramo e o PSDB, a Fundação Teotônio Villela.

“Os partidos têm fundações, se elas funcionam são outros quinhentos. Declaram para o TSE, mas o que foi feito na fundação ninguém sabe, não existência transparência nisso”, afirmou Karolina Roeder ao Plural. “Houve uma rejeição à política tradicional depois de 2013 e esses movimentos surgiram como forma de contestação. Os integrantes viriam a se candidatar por vários partidos.”

O processo de formação feito por um partido deixa clara a visão de mundo e o projeto da legenda, o que não acontece nos movimentos suprapartidários, já que por princípio eles se dizem “neutros”. “Não existe uma formação política totalmente neutra, mas ela pode ser balanceada”, disse Roberta Picussa.

“O RenovaBR tem uma formação mais balanceada, não tem um ‘inimigo’. Já o MBL tem uma formação muito mais ideológica, com autores conservadores e liberais. Eles sabem o que querem atacar.”

Roberta Picussa, doutoranda em Ciência Política e mestra em Políticas Públicas pela UFPR.

Quem é quem

Os pesquisadores da UFPR analisaram os dois primeiros anos de mandato dos deputados Lucas Gonzalez (Novo-MG), Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Joenia Wapichana (Rede-RR), Felipe Rigoni (PSB-ES), Vinicius Poit (Novo-SP), Tiago Mitraud (Novo-DF), Tabata Amaral (SP, eleita pelo PDT e atualmente no PSB), Paulo Ganime (Novo-RJ), Luiz Lima (União Brasil, eleito pelo PSL-RJ) e Kim Kataguiri (União Brasil, eleito pelo DEM-SP).

Kataguiri é membro do MBL e os outros nove do RenovaBR. Tábata Amaral e Felipe Rigoni também fazem parte do Movimento Acredito, que em seu lema diz que “a agenda pública e o compromisso com ética e transparência estão acima de ideologias”, e do Acredito. O Acredito ainda tem o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que também participa do RenovaBR.

Tábata e Rigoni têm ainda em comum a passagem pelo programa Lemann Fellowship, iniciativa da Fundação Lemann que apoia novos agentes políticos. Além deles, Tiago Mitraud e Daniel José (Novo-SP) também integram a chamada “Bancada Lemann”. Mantida por Jorge Paulo Lemann, eleito em 2019 pela revista Forbes o segundo homem mais rico do Brasil, a Fundação Lemann diz ter a educação como foco de seus projetos.

O Livres, que se define como um movimento liberal, tem dez deputados federais, entre eles Rigoni, Tiago Mitraud e Vinícius Poit, além de um senador e oito deputados estaduais. O Movimento Agora tem um parlamentar, Marcelo Calero (que também integra o RenovaBR).

Outro movimento, a Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) reúne 37 deputados federais e oito senadores. Criada em 2012 “com a missão de contribuir para a melhoria da democracia e do processo político brasileiro e de disseminar o compromisso com a sustentabilidade”, a rede possui 227 membros com mandatos eletivos, de 29 partidos diferentes.

O Raps, no entanto, não é visto como um grupo de renovação política pelos especialistas. “É uma rede pela sustentabilidade, para fornecer esse tipo de informação, que reúne políticos que já estão no mandato. Eles até têm um projeto para formar novas lideranças, mas não as ajudam a se eleger”, comentou Roberta Picussa.

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1 comentário em “Renovação política pregada por movimentos ficou limitada ao financiamento das campanhas”

  1. Li a reportagem toda. A Tábata Amaral e o Felipe Rigoni seriam aqueles que, diferentemente dos demais, divergiram de seus partidos e firmaram posicionamentos próprios, distanciando-se, portanto, da atuação de um político tradicional. No entanto, são eles que aparecem na imagem, imediatamente abaixo da chamada da reportagem, que fala justamente em atuação semelhante à de políticos tradicionais. Induz a uma associação injusta. Não me pareceu correto. Não vi nenhuma conduta descrita em relação aos dois que remetesse à atuação de um político tradicional.

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