Promessa de Ratinho de fazer milho virar nugget não vingou (e há quem diga que nem deveria)

Governador repetia insistentemente em 2018 que iria industrializar aves antes de exportar, mas isso não se tornou realidade após três anos e meio de gestão

Na campanha às eleições de 2018, Ratinho Jr. (PSD) repetia com certa constância a promessa de dar à indústria de transformação de alimentos, sobretudo de aves, prioridade no seu governo. “É pegar o milho e transformar ele em frango, do frango transforma em hambúrguer, do hambúrguer transforma em nugget. Isso gera emprego no nosso estado, gera valor agregado na nossa produção. E essa exportação é vendida por um valor muito melhor”, resumiu generalizadamente a eleitores durante um debate eleitoral.

Eleito, ele não conseguiu, contudo, cumprir o compromisso. Três anos e meio depois do início de seu governo, a exportação paranaense de produtos industrializados a partir da carne de frango in natura, especificamente, despencou e vem acumulando quedas constantes desde 2017.

Dados do Ministério da Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) mostram que, no ano passado, o Paraná exportou aproximadamente 0,3 milhão de toneladas de derivados industrializados da ave – produtos como hambúrguer, o próprio nugget e outros empanados, e caldo de carne, por exemplo. Em 2015 e 2016, a quantia chegou a 0,91 e 0,94 milhões de toneladas, para cair, na mesma ordem de peso, a 0,31 e a 0,29 nos dois primeiros anos da atual gestão.

Fonte: Agrostat/ MAPA

Um movimento totalmente previsível e que, na visão de especialistas, imprimiu à promessa de Ratinho tons de descompasso em relação ao planejamento de estratégias de desenvolvimento do estado.

Naquela época, nem tão distante assim, nuggets e seus irmãos e primos do mercado de ultraprocessados já mascaravam a publicidade para driblar alertas acendidos pela tendência do consumo mais consciente e, principalmente, da alimentação mais saudável.

Alimentos artificialmente compostos pela indústria têm impacto comprovado no aumento de doenças crônicas entre a população. Estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), publicado em maio no International Journal of Public Health, demonstrou que os ultraprocessados estão relacionados ao aumento de 28,6% da obesidade no país. O índice é proporcional à mudança no prato dos brasileiros, com uma fração maior dedicada aos industrializados desde o início da década e que, por causa da grave crise econômica, tende a aumentar, sobretudo entre os mais pobres.

É que a inflação em descontrole e a redução hiperacentuada no poder de compra de alimentos tornaram o consumo industrializados ainda mais atraentes e, como consequência, economicamente mais atraentes para a indústria. Somente o preço da carne de frango encareceu 16,18% nos últimos 12 meses, confirma o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo de junho, divulgado nesta sexta-feira (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por outro lado, os itens de carnes e peixes industrializados tiveram variação mais modesta no período, de 7,53%.

Daí parte do sucesso dos processados, que, apesar de agradarem concomitantemente paladares e bolsos, podem não ser uma aposta muito inteligente a médio e longo prazo da indústria de alimentos.

“[A alimentação saudável] é um aspecto extremamente favorável para o Brasil, porque o Brasil é um dos poucos países que consegue atender essa demanda mundial por alimentos mais saudáveis. Contudo, o Brasil, e obviamente o Paraná, precisa definir uma estratégia de desenvolvimento alinhada as tendências de alimentação saudável, proteção ambiental e minimização dos impactos sociais e ambientais das atividades econômicas, particularmente da agropecuária”, avalia o docente Junior Ruiz Garcia, do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especializado em economia ecológica e agrária.

O investimento na indústria de processados segue, mesmo assim, firme nos planos da gestão de Ratinho, que busca a reeleição para o quadriênio 2023-2016.

Em resposta ao Plural, o governo, por meio da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab), rechaça que a queda na exportação dos itens industrializados no Paraná a partir da carne do frango tenha ligação com política de estado. Em nota, atribui o tremor às consequências da operação Operação Carne Fraca – deflagrada em 2017 para apurar irregularidades no mercado de carne brasileiro, com bloqueio imediato dos produtos anunciados por gigantes da importação – e a incentivos dados a países europeus para produzir e processar carne nacionalmente.

Por isso, vai continuar a apoiar e incentivar a indústria de transformação de alimentos no estado como uma das matrizes econômicas do governo.  

“Nós continuaremos trabalhando para atrair investimentos que, lá na frente, consigam eventualmente transformar o Paraná ou o próprio Brasil no “supermercado do mundo”, que é quando as coisas já estão mais prontas, próximas do que deseja o consumidor, e não apenas exportar cortes brutos de animais ou grãos brutos com baixo valor agregado”, defende a pasta.  

O investimento, obviamente, não se resume apenas ao frango e a seus processados, embora esses tenham destaque. A avicultura de corte, informa a Seab, é o segundo produto que mais gera valor nas propriedades rurais do Paraná, só perdendo para a soja. “E o Paraná continua líder na produção e nas exportações de carne de frango, representando 34% da produção e 40% das exportações brasileiras.”

“Transformar soja e milho em frango, e do frango fazer empanados ou salsicha é apenas um exemplo daquilo que pode ser feito com a commodity, com produto bruto que sai da agricultura. Mas podemos falar sobre isso também. Para dar um exemplo, está em construção, em Rolândia, a maior fábrica de empanados e salsicha de frango da América Latina, um investimento bilionário. Então esse é o sentido da declaração do governador quando ele, na campanha e durante o governo, diz que precisamos agregar mais valor”, diz a nota encaminhada pela pasta.  

Em nenhuma das respostas, no entanto, foram citados investimentos em pesquisa e desenvolvimento científico, o que pesquisadores da área julgam ter peso imprescindível para a gestão da cadeia de alimentos.

“Primeiramente, temos que ressaltar que essa cadeia [do frango e seus processados] toda tem, sim, muita tecnologia envolvida, isso desde o adubo até alimentação, para equipar galpões, por exemplo”, pondera o professor Marcelo Farid Pereira, da Universidade Estadual de Maringá e que estuda temas relacionados à Economia e Inovação Tecnológica. “Mas não é só industrializar. Você tem que manter tudo na fronteira do conhecimento, seja os sistemas de produção, a forma de alimentação, usar as rações de uma maneira mais eficiente para conversão alimentar boa, tecnologias para manter frango em um ambiente adequado. Enfim, tudo isso envolve muitos conhecimentos que precisam ser estimulados”.

Para Ruiz Garcia, da UFPR, com as demandas da alimentação saudável cada vez mais evidentes, o Paraná e o Brasil deveriam rever suas estratégias e fomentar o desenvolvimento do setor, impulsionado pesquisas e alternativas para projetar a indústria neste cenário.

“Isso inclui investimentos em pesquisas e desenvolvimento, fortalecimento das instituições de pesquisa como Embrapa, instituições estaduais, como Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná, universidades, instituições de fomento, como a Fundação Araucária, por exemplo. Mas, infelizmente, estamos na contramão, fragilizando e criminalizando a pesquisa e estas instituições no Brasil”, acrescenta.

Sobre o/a autor/a

3 comentários em “Promessa de Ratinho de fazer milho virar nugget não vingou (e há quem diga que nem deveria)”

  1. Humm… se o PT realmente quisesse tirar o Ratinho Jr do poder eles teriam colocado a Gleisi pra se candidatar ao governo. Ratinho Jr vai ganhar fácil se o PT não mudar de tática rápido!
    Dica: receita velha em fogão novo precisa de adaptações! Outro idoso branco de sobrenome famoso não vai conquistar ninguém! Nem a nível federal – e especialmente se acompanhado de paquito da AI5 – e nem a nível estadual.

  2. RATINHO ta no fim da linha, agora correu pra se juntar com Greca que também anda mal avaliado pelas suas indicações atrapalhadas na prefeitura. Novos tempos estão chegando.

  3. O Ratinho tem a boca mais rápida que o cérebro a ponto de ter dito que “pegaria o milho e transformaria em frango”. É um mago do contorcionismo político. Prometeu 4 ou 5 hospitais regionais e não fez nenhum. Mesmo com o evento adverso da pandemia deveria ter ao menos cumprido em parte a promessa, feito 1 ou 2, que seja, evitando que muitas pessoas tenham que correr riscos, vindo de ônibus para a capital para se tratar. Parabéns ao Plural pela matéria.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima