Post faz falsa equivalência entre decisões de Moraes para sugerir preferência por Lula

É enganosa a montagem que usa duas manchetes da CNN Brasil para levantar suspeitas sobre prazos distintos fixados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em decisões envolvendo os governos Lula (PT) e Bolsonaro (PL). Os objetos das decisões são diferentes e, portanto, não cabe comparação entre elas. O prazo de cinco dias estabelecido em 2022 era para que o governo federal se manifestasse sobre as condições oferecidas à população de rua. Já a liminar deste ano, que fixa prazo de 120 dias, prevê que o Executivo formule um plano de ação para a implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua

Enganoso

INVESTIGADO POR:

Conteúdo investigadoPublicação nas redes sociais com montagem de duas manchetes do portal CNN Brasil. A primeira, de junho de 2022, afirma que “Moraes dá 5 dias para Bolsonaro e governantes se manifestarem sobre população de rua”, enquanto a segunda, de julho de 2023, diz que “Moraes dá 120 dias para governo federal fazer diagnóstico da população em situação de rua”. O post é acompanhado por um emoji de um rosto pensativo.

Onde foi publicado: Twitter e Telegram.

Conclusão do Comprova: É enganoso post que compara decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e levanta dúvidas sobre a diferença de prazos determinados pelo magistrado. A publicação faz uma montagem com duas manchetes da CNN Brasil. A primeira diz que Moraes deu cinco dias para Jair Bolsonaro (PL) e governantes se manifestarem sobre população de rua, enquanto a segunda cita que ministro deu 120 dias para o governo, já sob o comando de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fazer um diagnóstico da população em situação de rua. O tuíte acrescenta um emoji pensativo à legenda.

O despacho e a liminar em questão são de junho de 2022 e julho de 2023, respectivamente. Ao Comprova, o STF procurou diferenciar as decisões. Afirmou que, no caso de 2022, “trata-se de abertura de prazo para manifestação (que é previsto em lei)”, já no mais recente “trata-se de uma determinação para adoção de previdências”.

Ambas as decisões foram tomadas dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, da qual Moraes é relator, proposta em 22 de maio de 2022 pelos partidos Rede Sustentabilidade, Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Na ação, as siglas e o movimento buscam garantir a adoção de providências em relação às condições desumanas de vida da população em situação de rua no Brasil.

Em 2022, o ministro solicitou informações sobre o atendimento à população de rua ao presidente da República, à época Bolsonaro, aos governadores e aos prefeitos das capitais de cada estado. Todas as partes tinham cinco dias para enviar manifestação.

Já em julho deste ano, Moraes fez uma série de exigências à União, estados e municípios, que vão além de uma manifestação sobre o assunto. Ao poder Executivo federal, Moraes determina que, no prazo de 120 dias, seja formulado o Plano de Ação e Monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Diversos usuários comentaram na publicação investigada com questionamentos e críticas à suposta diferença de tratamento dada pelo ministro aos presidentes.

A pedido do Comprova, o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e doutor em Direito Processual Penal Aury Lopes Júnior analisou as decisões. Ele classificou o conteúdo verificado como uma “distorção” de situações diferentes “para que, aparentemente, tenham uma equivalência, quando na verdade não têm”.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de agosto, a publicação somava 7,8 mil visualizações no Telegram. No Twitter, antes de ser excluído, o post alcançou 41 mil visualizações e 2,2 mil curtidas até 28 de julho.

Como verificamos: O primeiro passo foi conferir as duas reportagens da CNN Brasil citadas pela peça de desinformação (1 e 2). Depois, com a informação de que ambas as decisões de Moraes foram tomadas no âmbito da ADPF 976, o Comprova consultou a jurisprudência e entrou em contato com o STF e com o autor da publicação. Por fim, conversou com o doutor em Direito Processual Penal e professor de Direito da PUCRS Aury Lopes Júnior.

As decisões de 2022 e 2023

As decisões de Moraes foram tomadas no âmbito da ADPF 976, que trata sobre a adoção de providências em relação às condições desumanas de vida da população em situação de rua no país.

No despacho assinado por Moraes em 25 de maio de 2022 e publicado no dia 1º do mês seguinte, o ministro cita que “diante da relevância da matéria constitucional suscitada, mostra-se adequada a adoção do rito do art. 5º, § 2º, da Lei 9.882/99, para que as autoridades responsáveis pelo ato possam se pronunciar”. É com base nesse parágrafo da lei, que o prazo de cinco dias é fixado.

Assim, foram solicitadas informações sobre o atendimento à população de rua ao presidente da República, à época Bolsonaro, aos governadores e aos prefeitos das capitais de cada estado. Todas as partes tinham cinco dias para enviar manifestação.

Já na decisão liminar de julho deste ano, o ministro relator da ADPF faz uma série de exigências à União, estados e municípios, que vão além de uma manifestação sobre o assunto. Ao poder Executivo federal, Moraes determina que, no prazo de 120 dias, seja formulado o Plano de Ação e Monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Esse documento deve contemplar, no mínimo, 15 tópicos, resumidos abaixo:

  • A elaboração de um diagnóstico atual da população em situação de rua;
  • a criação de instrumentos de diagnóstico permanente dessa população;
  • o desenvolvimento de mecanismos para mapear a população em situação de rua no censo do IBGE;
  • o estabelecimento de meios de fiscalização de processos de despejo e de reintegração de posse;
  • a elaboração de diretrizes para a intervenção do Poder Público, pautadas no tratamento humanizado e não violento da população em situação de rua;
  • a elaboração de programas de capacitação de agentes públicos para atuarem junto à população em situação de rua;
  • a incorporação das demandas da população em situação de rua na Política Nacional de Habitação;
  • a análise de programas de transferência de renda e sua capilaridade em relação à essa população;
  • a previsão de um canal direto de denúncias contra violência;
  • a elaboração de medidas para garantir padrões mínimos de qualidade nos centros de acolhimento;
  • o desenvolvimento de programas de prevenção de suicídio;
  • a elaboração de programas educacionais e de conscientização pública sobre a aporofobia e sobre a população em situação de rua;
  • a formulação de políticas para fomentar a saída da rua através de programas de emprego e de formação para o mercado de trabalho;
  • a elaboração de medidas para o fortalecimento de políticas públicas voltadas à moradia, trabalho, renda, educação e cultura de pessoas em situação de rua;
  • a indicação de possíveis incentivos fiscais para a contratação de trabalhadores em situação de rua.

A decisão do relator que fixa os 120 dias para a elaboração do plano ainda é provisória. A partir de 11 de agosto, deve ser analisada pelo plenário do STF. No julgamento, os ministros vão decidir se confirmam ou não o entendimento de Moraes.

A Política Nacional para a População em Situação de Rua foi instituída pelo Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, e apresenta uma série de medidas para preservar a saúde e a vida das pessoas em situação de rua. À CNN, Moraes afirmou que somente cinco estados e 15 municípios aderiram à política nacional. “Portanto, em 12 anos, a política ainda não conta com a adesão da grande maioria dos entes federativos descentralizados”, declarou o magistrado.

Falsa equivalência

Ao Comprova, o professor da PUCRS e doutor em Direito Processual Penal Aury Lopes Júnior explicou que os objetos de cada decisão são completamente distintos. “Aqui [na decisão mais recente] é infinitamente mais complexo, já é uma decisão determinando que se elabore um plano, que se aponte qual é o diagnóstico, quais são os órgãos”, detalha.

“Lá atrás, era só uma informação. É simplesmente o seguinte: entraram com uma ação, me digam, vocês, se isso que eles estão falando aqui tem algum fundamento. Cinco dias até pela urgência, o que é normal.”

Para o professor, o que se tenta fazer, no caso do post verificado, é uma falsa equivalência, ou seja, comparar uma situação com outra sem que exista uma correlação. “Existe uma imensa distorção maldosa de situações diferentes para que, aparentemente, tenham uma equivalência, quando na verdade não tem essa igualdade de situações.”

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou o perfil @mspbra por e-mail e mensagens no Twitter e Facebook, mas não houve retorno até a publicação desta checagem. Conteúdos publicados pelo perfil já foram alvo de checagem do Comprova em outras ocasiões, como quando o projeto mostrou ser falso que Lula tenha reconduzido Nestor Cerveró a cargo na Petrobras e que fila de pacientes em unidade de saúde em Natal não tem relação com o Bolsa Família.

O que podemos aprender com esta verificação: Muitas vezes, desinformadores utilizam informações técnicas e restritas a uma área específica, como a jurídica, para tentar confundir o público. Nesses casos, procure entender qual o contexto da situação apresentada e qual a opinião de especialistas sobre o assunto. Em casos como o desta verificação, que utiliza manchetes de matérias jornalísticas, é possível fazer uma pesquisa pelas reportagens para ler a notícia completa.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Os ministros do STF, assim como decisões do órgão, são alvos frequentes de peças de desinformação. O Comprova mostrou recentemente, por exemplo, que vídeo de Randolfe Rodrigues pedindo impeachment de ministros do STF é de 2019 e que não há evidências de que denúncia contra desembargador mineiro e grampo envolvendo Moraes tenham beneficiado Lula.

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