Ônibus de graça para presidiários cria debate agressivo na Câmara

Proposta tentava garantir que presos do semiaberto corressem atrás de emprego

A Câmara dos Vereadores de Curitiba rejeitou nesta segunda (19) um requerimento que propunha disponibilizar vale-transporte gratuito para presos que cumprem regime semiaberto. De autoria do vereador Dalton Borba (PDT), a proposta consiste em uma política de reinserção dos presos em regime semiaberto na sociedade, a fim de que eles tenham condições financeiras de retornar ao presídio ao fim de suas saídas temporárias. Porém, vereadores contrários à proposta manifestaram-se com indignação no plenário da Câmara, como Éder Borges (PP), que caracterizou o projeto como uma “terrível inversão de valores”, pois “o trabalhador é cristão e não gosta de bandido”. 

O requerimento pedia um estudo preliminar para avaliar a viabilidade da proposta antes de sua implementação, que seria realizada em parceria com o sistema metropolitano de transporte público. Segundo o autor, Dalton Borba, a proposta visa ajudar os detentos. Por estarem em regime semiaberto, eles têm o direito de sair do presídio no período da manhã para buscarem um emprego e se reinserir na sociedade. “Porém, como muitas vezes esses presos não têm dinheiro para pagar a passagem de volta, eles acabam se complicando com a própria Justiça, por ficarem na situação de foragidos, ou acabam integrando a população de rua”, ressaltou o vereador. 

Em entrevista ao Plural, o vereador Dalton Borba afirmou que o requerimento foi apresentado após órgãos ligados aos direitos humanos lhe procurarem, pedindo ajuda para os detentos em regime semiaberto da penitenciária de Piraquara. Por falta de dinheiro para a passagem de volta ao presídio, os detentos acabam entrando na condição de foragidos para o poder Judiciário, correndo o risco de regredirem para o regime fechado novamente e de não conseguirem buscar emprego para se reinserir na sociedade ou visitarem as famílias. 

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Durante a sessão desta segunda-feira (19), Dalton reforçou a natureza do projeto, que é de ajudar a população carcerária a exercer seu direito de ir e vir durante o dia e retornar ao presídio à noite devido ao cumprimento da pena. Em contrapartida, Éder afirmou que é “surreal” pretender fazer convênio com o sistema de transporte municipal para “dar passagem de graça para bandido”. “É uma afronta com o cidadão que paga impostos, que paga muito bem nosso salário, que é obrigado a pegar um ônibus como uma lata de sardinha em horário de pico, sujeitá-lo a ficar ao lado de um presidiário, que vai roubar seu celular para roubar uma cervejinha”, disse o vereador, referindo-se ao ex-presidente Lula (PT) ao citar o hábito de beber cerveja e comparando-o com presidiários.

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Nesse sentido, Amália Tortato (Novo) também se posicionou contra o projeto, integrando a maioria de 20 votos que rejeitou o requerimento do vereador Dalton Borba. A vereadora do partido Novo, contudo, foi menos enfática nas críticas ao projeto quando comparada a Éder Borges, mas posicionou-se indiretamente ao perguntar: “entre tantas outras prioridades que poderíamos ter, será que esse é um bom critério para a gente conceder gratuidade do transporte público?”

Em resposta, Dalton Borba ressaltou o argumento de que a população carcerária já paga sua conta à sociedade por estar na situação de cárcere e, portanto, tem direito de cumprir sua pena conforme a Justiça determinar, ou seja, com direito de usufruir de saídas temporárias e retornar ao presídio depois, para não ficar na situação de foragido. “O papel do Estado é ressocializar, promovendo políticas públicas para incluir o preso na sociedade, e não simplesmente para jogá-lo no velho discurso do ‘bandido bom’, como alguns dizem por aí.”

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Além disso, Dalton Borba explicou, em entrevista, que a regra geral é que presidiários se submetam a trabalhos informais, pois já lidam com o preconceito e a desconfiança por parte da maioria da população e, por isso, dificilmente conseguem empregos com carteira assinada. “Nossa proposta foi exatamente para que o poder público contemple, dentro das gratuidades que o sistema público de transporte comporta, um vale-transporte na faixa de R$ 100 a R$ 200 por mês, que é um custo quase imperceptível para o município.”

Em entrevista, Dalton caracterizou a posição da Câmara como lastimável, pois entendeu que a maioria dos vereadores aderiu ao discurso bolsonarista do “homem de bem”. Segundo o vereador, “esse discurso acaba jogando um constrangimento perante os outros vereadores, principalmente os que vão concorrer nas eleições deste ano, pois eles não querem mostrar-se para a sociedade como defensores de bandidos, como se eles não fossem destinatários de políticas públicas”. 

Quem também se posicionou a favor do requerimento no plenário da Câmara foi a vereadora Ana Júlia Ribeiro (PT), que ressaltou um segundo problema gerado pela omissão do Estado: a grande possibilidade de reincidência na criminalidade no caso dos detentos que, mesmo em regime semiaberto, não conseguem se locomover pela falta de condições para pagar a passagem de ônibus.  

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Ainda, na opinião de Dalton Borba, a votação do requerimento adquiriu o viés ideológico do “bandido bom é bandido morto” por falta de conhecimento técnico. “A apreciação dessa questão exige que se conheça um pouco sobre direitos fundamentais, políticas públicas de assistência social e a estrutura do Estado Democrático de Direito. Quando você leva isso para uma vertente ideológica, retira-se da pauta todas as premissas técnicas e, por isso, ninguém quer saber de políticas públicas para a população carcerária.”

Ana Júlia também se posicionou a favor dos direitos humanos, afirmando que a maior punição dos detentos já é a privação de liberdade. “A partir do momento que a pessoa já cumpriu sua pena em regime fechado, está indo para o regime semiaberto e precisa ser reinserido na sociedade, é preciso sim um compromisso do poder público para que essas pessoas tenham a garantia do mínimo para sobreviver: que elas tenham garantia de um emprego, possibilidade de se locomover, e que elas não precisem voltar para um status de ilegalidade e de foragidos.”

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2 comentários em “Ônibus de graça para presidiários cria debate agressivo na Câmara”

  1. Acho válida a tentativa de reinserção da população carcerária, mas será que um projeto garantindo uma atividade registrada e remunerada através da própria adm. pública não seria melhor? Um convênio de empresas com benefícios concedidos pelo estado? Assim eles já sairiam com um destino e teriam o valor do transporte para retorno…
    Achei algo surreal eles saírem para procurar. Está difícil para o trabalhador sem antecedentes, imagine dar o endereço da penitenciária como referência…

  2. A proposta seria valida se a gratuidade já existisse para desempregados no geral. Em Curitiba, nem estudantes são isentos do valor da passagem, que mesmo que paguem a metade, ainda é um valor alto para muitos.

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