O que é ideologia de gênero?

Termo criado no fundamentalismo religioso é usado em debate político para barrar iniciativas pelos direitos da mulher e da comunidade LGBTQIA+

Se você saiu de casa nas últimas semanas deve ter recebido alguma propaganda política com o termo “ideologia de gênero”. Mais ainda: o panfleto entregue nas suas mãos afirmava que o candidato ou candidata são “contra a ideologia de gênero”. Essa afirmação normalmente também está acompanhada por uma suposta “defesa da família” e “defesa da liberdade”. Mas afinal, o que “ideologia de gênero”?

A pesquisadora e ativista Sonia Corrêa afirma que a origem do termo pode ser localizada nos anos 1990, quando o termo gênero foi incluído em documentos oficiais da Nações Unidas. Gênero é um termo amplo que, em geral, se refere ao papel social dos sexos masculino e feminino. Porém, enquanto sexo se refere a características biológicas, o termo gênero trata da cultura e papeis sociais associados a essas características.

O termo gênero começou a ser utilizado em documentos de política pública a partir do momento em que grupos sociais que se sentiam excluídos ou prejudicados em seu direito de viver em paz passaram a reivindicar a liberdade de romper com papeis tradicionais de gênero. Em termos mais simples: quando os movimentos feministas e LGBTQIA+ começaram a exigir igualdade direitos e a reversão de leis que criminalizavam estilos de vida.

A maior parte do debate sobre gênero e “ideologia de gênero” se concentra nos Estados Unidos onde, por um lado, há um forte envolvimento político de grupos religiosos fundamentalistas e, por outro, a legislação de inúmeros estados afetavam e afetam diretamente a vida de homens e mulheres, como a criminalização do sexo anal, a restrição ao acesso a métodos contraceptivos e informações sobre sexualidade e saúde reprodutiva.

Mas com o avanço de políticas de acesso a métodos contraceptivos, de acesso a informações sobre saúde sexual e dos direitos da mulher e da comunidade LGBTQIA+, grupos religiosos e de ultra direita passaram a se organizar em torno do termo “ideologia de gênero” para combater tais avanços. No Brasil, “ideologia de gênero” se tornou um termo guarda-chuva contra principalmente o conteúdo de educação sexual presente no currículo escolar.

Ou seja, “ideologia de gênero” não é um conceito, mas sim uma bandeira da ultra direita e do fundamentalismo religioso que reúne todas as ações contrárias aos direitos das mulheres, a liberdade sexual, ao acesso a informações sobre saúde reprodutiva, aos direitos dos homossexuais, bissexuais, pessoas trans e das pessoas em geral em viver sua sexualidade livremente.

Combater a “ideologia de gênero” é ruim?

Bem, a “ideologia de gênero” como conceito não existe. Não existe um movimento pela “ideologia de gênero”. O que existe são inúmeros grupos e ações que promovem, debatem e reivindicam direitos para mulheres, gays, pessoas trans e outras minorias. Quando alguém se diz “contra a ideologia de gênero”, sob essa bandeira muitas vezes estão conceitos equivocados, como a ideia de que o feminismo é “de esquerda” e a relação equivocada entre homossexualidade e pedofilia.

Mas qual o maior problema com o movimento “contra ideologia de gênero”? Ele tem causado um retrocesso no currículo escolar oficial brasileiro naquilo que toca assuntos de saúde, sexualidade e gênero. O acesso a educação sexual na escola tem um impacto positivo na redução da gravidez precoce, na diminuição de doenças sexualmente transmissíveis e no aumento de denúncias de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes.

Mas com a ampliação do número de representantes eleitos nas casas legislativas e em cargos executivos que combate avanços no acesso à informação sobre saúde e sexualidade, esses avanços podem ser revertidos. Por outro lado, o acesso à informações sobre saúde e sexualidade não estimula a sexualização de crianças e adolescentes, nem promove nenhum estilo de vida específico. Apenas ensina o jovem a lidar de forma saudável com o próprio corpo e com sua sexualidade.

Além disso, o acesso a informações sobre sexualidade ajuda a reduzir a violência contra homossexuais, bissexuais, pessoas trans e outros gêneros, um problema grave que resulta em centenas de mortes no Brasil todos os anos.

Mas e a pedofilia?

Outro problema grave da bandeira “contra a ideologia de gênero” é difundir informações equivocadas sobre violência sexual contra crianças e adolescentes. A principal delas é que há relação entre homossexualidade e pedofilia. Um estudo sobre vítimas desse tipo de crime no ambulatório pediátrico da UNESP apontou que 78,7% das vítimas são do sexo feminino e 85,6% dos agressores eram conhecidos da criança ou da família, quase 30% parentes da vítima, principalmente o pai, padrasto seguido de tios e primos e irmãos.

Justamente por conta da alta incidência de violência sexual perpetuada por familiares, a educação sexual nas escolas é fundamental para reduzir esse crime. Além disso, a associação de pedofilia a homossexualidade não só prejudica o combate ao abuso sexual de crianças, como estimula a violência contra gays.

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5 comentários em “O que é ideologia de gênero?”

  1. Quando voce escreve sobre direito das mulheres, gays e outras minorias, voce esta dando enfase a mulheres e aos gays e jogando aqueles que voce define como outros, na lata do lixo.
    As pessoas que nao se identificam como mulher ou gay ficam relegadas a um segundo plano, e isso pode causar sofrimento a elas. Peco que reveja seus conceitos e tenha mais compaixao com as pessoas, pois voce, como pessoa publica, pode atingir de forma negativa as pessoas e pode trazer bastante sofrimento a elas.
    Desculpe o meu desabafo, mas como pessoa trans, me senti em exclusao enquanto ia a reportagem. Acreditava que a reportagem iria me incluir, mas senti apenas a exclusao.

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