Curitiba teve um único debate transmitido pela tevê na eleição de 2020. E o atual prefeito, que disputa a reeleição, não participou dele. Alguns outros debates, com transmissão pela Internet, também sem o prefeito, tentam driblar o empecilho de haver 15 candidatos – algo que torna difícil uma conversa produtiva.
A ausência de debates e as amarras da lei podem se transformar nm entrave para a democracia, assim como as regras esdrúxulas que muitas vezes os veículos de comunicação utilizam para selecionar quem participa da conversa e quem fica de fora. É o que diz a advogada eleitoralista Ana Carolina de Camargo Clève, que falou ao Plural sobre o assunto.
Estamos em uma eleição quase sem debates. Até onde isso se deve à pandemia e até onde a legislação atrapalha?
Não me parece que, em relação especificamente aos debates, a legislação eleitoral seja um problema. De outro lado, o que venho percebendo é que, alguns atores do processo eleitoral, mesmo diante de um cenário de fragilidade democrática, não mostram apreço pelo diálogo, pelo debate em relação a propostas; enfim, pela dialética própria do regime democrático.
Numa eleição com 15 candidatos, como é o caso de Curitiba, os debates são viáveis?
Entendo viáveis. Cito o exemplo da Band que, mesmo diante do cenário pandêmico e da pluralidade de candidatos, conseguiu – com êxito – promover o primeiro debate da campanha eleitoral. Além de conseguir conferir o mesmo protagonismo a todos os candidatos (de acordo com as regras eleitorais e critérios isonômicos), propiciou todas as condições sanitárias adequadas para manter a segurança dos envolvidos (candidatos e respectivas equipes).
O formato que as tevês usam não é muito esclarecedor, com menos de um minutos às vezes para tratar de um tema importante. Como tirar o jugo da lei de cima da discussão democrática?
Por ser concessão pública, as tevês ficam obrigadas a dar espaço a todos os postulantes com representação no Congresso. Muitas vezes decidem chamar todos eles, o que é uma boa prática, pois abre caminho para a pluralidade e para a desejável renovação de quadros. Em situações com a de Curitiba, dar espaço a todos requer criatividade. A Band, por exemplo, dividiu os candidatos em dois grupos. Outro caminho possível seria abrir espaço para sabatinas individuais, feitas por jornalistas. A discussão democrática pressupõe que todos tenham oportunidade de se apresentar ao eleitor, especialmente quando se trata de partidos consolidados, com representatividade no Congresso.
Com a impossibilidade de chamar todos os candidatos, às vezes se apela para critérios esdrúxulos de seleção. Como evitar isso?
Embora a legislação eleitoral, em relação ao debate, apenas estabeleça – expressamente – regras para aqueles que ocorrem na televisão e no rádio, penso que os outros meios de comunicação, quando não pretendem chamar todos os candidatos para debater, devem, em vez de criar critérios novos (muitas vezes esdrúxulos), adotar o critério da representatividade partidária. Até porque, goste-se ou não, no nosso desenho constitucional, a democracia representativa é baseada em partidos políticos. Por isso, não há qualquer sentido em chamar um candidato sem qualquer representatividade e, ao mesmo tempo, deixar de lado um candidato ligado a partido político com expressiva representatividade no Congresso Nacional e com história política. É o caso, por exemplo, do debate que será promovido pela Gazeta do Povo, em que chamaram a candidata Samara, do PSTU (partido que não conta com representante no Parlamento), e excluíram o candidato Paulo Opuszka, do Partido dos Trabalhadores – uma das mais sólidas legendas políticas e que possui uma das maiores bancadas no Congresso Nacional.
Existe algum modelo que a senhora considere bom e que pudesse servir de exemplo para nós?
O que venho defendendo é que as emissoras de televisão, que são concessões públicas, deveriam, antes de atender a seus fins particulares, ter compromisso com o interesse público e com o regime democrático. Por isso, entendo que deveria haver obrigação legal de que promovessem pelo menos um debate durante a campanha eleitoral. Num momento em que as restrições impostas pela pandemia diminuem ainda mais o necessário diálogo no campo político, os debates na televisão se fazem ainda mais relevantes.
Excelente posicionamento da eleitoralista Ana Carolina de Camargo Clève. Juventude e preparo, clareza de argumentos.
Parabéns ao Plural.
Que entrevista interessante e esclarecedora. Parabéns para o Jornal Plural pela oportunidade da reflexão democrática.