Curitiba, berço das Diretas Já

Quarenta anos atrás, Curitiba se tornava sede de comício histórico pedindo eleições diretas para presidente

Curitiba ficou tão marcada como quartel-general do lava-jatismo ameaçador da democracia que poucos hoje associariam a cidade a um berço do processo de redemocratização, quarenta anos atrás.
A imagem, no entanto, é historicamente justificável: a capital paranaense teve papel relevante na campanha das Diretas Já ao abrigar, em 12 de janeiro de 1984, o primeiro grande comício pluripartidário, um ensaio geral dos megacomícios que, nos três meses seguintes, levaram milhões de pessoas às ruas em todo o país.

“Um” berço, não “o” berço, porque o movimento teve vários berços, e a primazia depende mais da interpretação das várias contribuições locais do que propriamente de alguma verdade cronológica e factual.
Os comícios anteriores ao da Boca Maldita tiveram a importância limitada pela natureza ou pelo tamanho. Em junho de 1983, o primeiro deles, em Goiânia, foi pequeno, dominado pelo PMDB e não teve continuidade. No final daquele ano, o evento do Pacaembu, em São Paulo, organizado pelo PT, falhou na proposta de ser suprapartidário. No início de janeiro, o comício de Olinda (PE) foi um show, ainda que a intenção fosse assumidamente política.

Por tudo isso, o comício de Curitiba, em que estiveram presentes representantes de todos os partidos de oposição, entrou para a história como o primeiro da série. Com a presença estimada de 50 mil pessoas, abriu o caminho para os megacomícios e depois, à medida que a campanha crescia, para os comícios-monstro, aqueles que atraíram mais de um milhão de pessoas.

Cerca de 50 mil pessoas nas ruas de Curitiba pediram eleição presidencial. Foto: Reprodução/Senado

Por que Curitiba? A pergunta faz sentido porque a opção não era óbvia. O estado era administrado pelo PMDB, o principal partido de oposição à ditadura militar, mas o governador José Richa não tinha a mesma envergadura política de correligionários como Franco Montoro, de São Paulo, ou Tancredo Neves, de Minas Gerais, todos eles eleitos em 1982, no primeiro pleito estadual desde 1965.

Então, por que Curitiba, e não São Paulo ou Belo Horizonte? A explicação passa pelo fato de Richa ter sido o anfitrião de um encontro de governadores de oposição em Foz do Iguaçu, em outubro de 1983, quando aquelas lideranças se alinharam em defesa de uma campanha nacional pela eleição direta do presidente da República.

Pesou também o fato de Curitiba, por sua composição social, refletir o comportamento médio do consumidor brasileiro, tanto que a praça era com frequência escolhida para testar o lançamento de produtos. Se funcionava para a publicidade, imaginava-se, poderia funcionar também para a política.

Livro de Oscar Pilagallo sobre as Diretas, publicado pela Fósforo. Parfa saber mais, clique aqui.

O fator decisivo, porém, foi o receio dos outros líderes de oposição. Não era um medo descabido. A ditadura se encontrava em seus estertores, mas estava viva, e a ala mais dura do governo, insatisfeita com os rumos da distensão política, procurava reverter a redemocratização. Uma campanha naquele molde poderia precipitar o fim da ditadura ou dar-lhe sobrevida. Naquela altura, o desfecho era uma incógnita.

Com Tancredo e Montoro fora do páreo para o evento inaugural, o deputado Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, que ficaria conhecido como Senhor Diretas, ligou para o Palácio Iguaçu: “Richa, ninguém quer ser o primeiro. Você não topa fazer aí?”. Era a chance de o governador se projetar nacionalmente – e ele topou.

José Richa, ao centro: governador aceitou desafio de Ulysses. Foto: Reprodução/Senado

Richa colocou a estrutura administrativa a serviço da campanha, um modelo que seria replicado Brasil afora, com a montagem de palanques colossais e a distribuição de farto material – inicialmente produzido, aliás, por uma agência paranaense, a Exclam. O uso do dinheiro público para fins políticos foi criticado em nichos conservadores e entre colaboradores do governo federal, mas prevaleceu o entendimento de que as verbas haviam sido destinadas a uma causa nobre.

Entre os curitibanos entusiasmados com a campanha, um merece menção especial: o poeta Paulo Leminski. É dele a letra do “Frevo das Diretas”, composição em parceria com Moraes Moreira. Encomendada às pressas para a ocasião, a música só não foi apresentada porque a censura se encontrava em recesso e não a liberou em tempo (a estreia, no comício da praça da Sé, em São Paulo, seria adiada por duas semanas).

O êxito das Diretas Já nas ruas terminou em anticlímax, como se sabe, com a derrota da proposta de emenda constitucional pelo Congresso, em 25 de abril de 1984. Mas o saldo não deixou de ser positivo, na medida em que, mais do que evitar a eleição indireta de um apoiador da ditadura, colocou o povo na equação da abertura política até então conduzida por militares interessados sobretudo em uma saída honrosa que os levasse com segurança de volta aos quartéis.

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