Ela alimentou Lula na cadeia. E depois entregou a ele a faixa de presidente

Jucimara Santos, cozinheira da Vigília Lula Livre em Curitiba, conta como foi parar na rampa do Palácio do Planalto no dia da posse

A maior prova de que Jucimara não estava se sentindo bem foi a recusa a um convite que, normalmente, ela consideraria irrecusável. Uma amiga tinha avisado que o lugar dela na posse de Lula estava reservado – com direito a hospedagem. Mesmo assim, ela não entrou no ônibus agendado e preferiu ficar em casa, deitada. Só que na quinta-feira, faltando três dias para o começo do novo governo, o telefone tocou.

“A Regina [Cruz, vice-presidente do PT no Paraná] já tinha me avisado que meu nome estava entre os indicados para participar da posse, reservou lugar num ônibus, mas eu não estava boa mesmo”, conta Jucimara Santos. “Só que aí ela me liga e diz: como assim você não está no ônibus? Me aluga um carro, um cavalo, entra num avião. Você me dê um jeito de estar domingo em Brasília, mulher. Você vai subir a rampa junto com o Lula!”

Com as pernas bambas, Jucimara começou a pensar no que fazer. “Tentei até empréstimo pra pagar uma passagem de avião, mas não deu certo.” O irmão de Jucimara, sabendo o quanto aquilo era importante, correu atrás de um aluguel de carro, mas também não funcionou. Mas aí a cozinheira, que passou um ano e tanto de sua vida mantendo alimentada a Vigília Lula Livre, em Curitiba, lembrou que tinha uma caravana saindo de Maringá, sua cidade.

“Quando liguei, a coordenadora da excursão disse que eu dei muita sorte. Um rapaz tinha acabado de desistir e tinha uma única vaga no ônibus”, diz Jucimara. Ainda nervosa, sem poder contar para ninguém seu segredo, ela foi correndo arrumar a mala. “Joguei uns quatro vestidos lá dentro, uma sandália preta, uma branca e uma outra. Parecia que eu ia ficar um mês em Brasília”, ela ri.

Da vigília à rampa

No ônibus, Jucimara foi com os nervos à flor da pele. Pediram para não falar nada sobre a participação dela, e ela jura que manteve o sigilo, até porque nem sabia direito o que ia acontecer. Mas a história dela com Lula e com a Vigília sempre tinha sido assim, cheia de imprevistos.

Cozinheira desempregada, ela entrou na Vigília porque uma amiga do MST disse que estavam precisando de alguém para ajudar. Jucimara participou de um curso, depois começou a trabalhar como voluntária. Ganhava hospedagem na “creche” (o apelido do lugar onde dormia o pessoal da Vigília) e transporte para Maringá uma vez por mês.

Uma das atribuições era fazer pão – com o detalhe que Jucimara nunca tinha feito um pão na vida, e agora teria de fazer 100 por dia. “Fui na Internet e descobri como fazia. O primeiro ficou meio salgado, mas depois acertei.” Era a comida dela, e de outras voluntárias, que forrava a barriga do pessoal no acampamento em frente à Polícia Federal, onde Lula passou 580 dias preso.

Um dia, levaram um pãozinho dela para Lula. “O Stuckert, fotógrafo do Lula, disse que ele gostou, que parecia pão cuca.” Aí a gente começou a mandar toda quinta, que era o dia em que ele podia receber comida externa.

Ver o presidente Jucimara só conseguiu no dia em que ele saiu livre da sede da PF. “Fiquei de longe observando. E ele veio vindo, abraçando todo mundo. O que me encantou é que ele abraça igualzinho o lixeiro e o rei. E jamais te abraça sem antes te olhar nos olhos.”

Lula e a faixa

Agora ela veria Lula de um jeito bem diferente: eleito pela terceira vez, ele subiria a rampa junto com Janja, outra companheira de Vigília. E dessa vez o encontro deles seria exibido para o mundo todo.

Hospedada na sede da Contag, Jucimara seguiu à risca as instruções. “Tinham me dito o horário que iam me buscar, e é tudo cronometrado. Aí colocaram a gente numa sala fechada e disseram que não podia sair de lá.”

Junto com ela, Flávio, mais um parceiro de Vigília, era o único que ela conhecia. Os outros, todos ainda sem saber direito o que fazer – do cacique Raoni a um menino negro, de uma catadora de recicláveis a um professor – foram instruídos rapidamente sobre como seria o processo. E aí eles souberam que,m sim, eles entregariam a faixa presidencial para Lula. Não houve tempo nem para ensaio. “Só avisaram que tinha uma marcação no chão, e explicaram quem devia entregar a faixa para quem.”

Como numa daquelas histórias de filme, tudo deu absolutamente certo, e Jucimara, com seu vestido, ao lado de outros brasileiros, um deles eleito presidente com 60 milhões de votos, subiu a rampa do Palácio do Planalto. As imagens passaram no país todo e fizeram muita gente chorar.

“Sabe, eu nem era tão militante antes”, ela conta. “Comecei a me interessar mais quando veio o impeachment da Dilma. Foi aí que vi as injustiças todas que estavam acontecendo.” Hoje, escolhidas como um dos símbolos da resistência contra essas injustiças, Jucimara se tornou fã incondicional do presidente. E dificilmente vai esquecer o dia em que entregou a faixa de presidente para ele.

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4 comentários em “Ela alimentou Lula na cadeia. E depois entregou a ele a faixa de presidente”

  1. Ângela Maria Fernandes

    Me senti representada por vc Jucimara já éramos amigas antes da vigília e eu e minhas irmãs te indicamos para vigília, então com certeza me senti representada por vc com muito orgulho, fazer parte da vigília foi uma experiência enorme para mim, Lula vale a Luta, viva o Brasil que agora tem um presidente de verdade .o presidente da diversidade o presidente do povo Brasileiro.

  2. José Alves Soares

    Eu estive com está guerreira na vigília Lula livre e comi do mesmo pão é na verdade uma delícia e nada mais justo do que nossa militante passar a faixa pra nosso presidente! Devo dizer que só ora Curitiba viajamos dez vezes sem contar as outras idas pra Brasília e POA no julgamento..

  3. Um dos momentos mais lindo dessa história toda! E, veja, a baita vantagem dessa substituição: esse grupo substituiu o bolsonaro! É incomparável, esse grupo de pessoas com esse ser.

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