No Brasil, 75% dos trabalhadores autônomos não possuem CNPJ

Sem a formalização do trabalho, 19 milhões de autônomos não têm proteção legal no âmbito profissional

Nos últimos anos, diante das consequências da pandemia, o aumento do desemprego, fechamento de empresas e instabilidade socioeconômica, 25,5 milhões de brasileiros precisaram buscar alternativas para se manter no mercado de trabalho. Enquanto alguns começaram a empreender, outros, para sobreviver, se tornaram autônomos, muitos sem registro de trabalho.

É o que mostra um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), divulgada pelo IBGE, que avaliou o panorama do mercado de trabalho no Brasil e identificou que apesar da expansão do empreendedorismo, 75% da mão de obra autônoma não é formalizada no país.

Segundo dados do IBGE, no terceiro trimestre de 2021, a taxa de desemprego no Brasil ficou em 11,1%, o que equivale a 12 milhões de pessoas sem emprego. No mesmo período, a pesquisa da FGV apontou que os indivíduos que trabalham por conta própria representavam 27% da população ocupada no país. Isso significa que de cada 10 trabalhadores brasileiros, quase 3 são autônomos. 

Com CNPJ

Desde 2020, mais de 1,3 milhão de pessoas passaram a compor o grupo dos trabalhadores autônomos com Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Em dois anos, houve um crescimento de 26,7% e o número aumentou de 4,9 milhões para 6,2 milhões. Só na região sul são 3,9 milhões de pessoas que trabalham por conta própria, das quais apenas 34,5% são formalizadas.

Imagem: FGV

Conforme a pesquisa da FGV, o perfil dos trabalhadores autônomos varia em relação à composição gênero-racial e nível de escolaridade. Entre as pessoas com CNPJ, há uma predominância de homens brancos ou amarelos, sendo que 42,3% possuem ensino médio completo. Esses trabalhadores se concentram nas ocupações de vendedores, serviços pessoais e de cuidados pessoais, e 30,9% com ensino superior, que são em sua maioria profissionais das ciências intelectuais.

Sem CNPJ

Por outro lado, 19,2 milhões de pessoas que trabalham por conta própria no Brasil não possuem CNPJ, o que corresponde a 75% dos trabalhadores autônomos e 48% de todos os informais (aqueles que exercem sua atividade sem carteira assinada ou, no caso de autônomos, sem um CNPJ).

Segundo o estudo, os autônomos sem CNPJ são compostos majoritariamente por homens pretos ou pardos, e mais da metade deles (53,7%) não tem ensino médio completo. Em relação às mulheres, entre o terceiro trimestre de 2020 e 2021 houve uma redução de 21% das trabalhadoras negras que atuavam sem CNPJ e um aumento de 42% daquelas registradas, totalizando 920 mil. No entanto, as mulheres negras atualmente representam apenas 14,8% de toda mão de obra formalizada, enquanto entre os sem CNPJ, esse percentual é 18,3%. 

Imagem: FGV

No Brasil, quase a totalidade dos autônomos informais estão em posições de baixo valor agregado. Por exemplo, 23,3% deles são agricultores e trabalhadores qualificados da agropecuária, 17,9% são trabalhadores e operários da construção civil e 14,2% são vendedores.

“Esse grande volume dos sem CNPJ reacende a discussão sobre a situação de vulnerabilidade dos postos de trabalho no Brasil, pois esses trabalhadores não possuem proteção social, muitas vezes estão em contextos socioeconômicos desfavoráveis e são mais suscetíveis às oscilações da economia”, diz trecho do estudo da FGV.

Mercado desigual

De acordo com o professor Marcelo Luiz Curado, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), hoje o mercado de trabalho é extremamente desigual. Em uma relação hierárquica de direitos, Curado coloca os trabalhadores informais na última posição.

“A maioria das vezes o trabalho se torna informal por falta de opção e de oportunidade no mercado formal de trabalho. Os informais estão lutando numa selva. É uma guerra diária e um grave problema de condição de vida, tanto hoje quanto no futuro.” 

O docente explica que, sem a formalização do trabalho, o indivíduo não tem acesso aos direitos trabalhistas como férias, insalubridade, previdência e 13º, por exemplo. “Ele fica completamente descoberto em relação a tudo isso. Esses direitos passam a ser alvo de uma negociação entre o contratante e o trabalhador, portanto o trabalhador fica sem a proteção formal, sem a proteção que as regras do mercado impõem e que foram conquistas históricas da classe”, destaca.

“O desafio do trabalhador autônomo é a sobrevivência, é garantir uma geração de renda numa economia que está muito paralisada. Mas o mais grave é a aposentadoria. Uma pessoa que é totalmente informal em geral não tem o hábito de fazer uma poupança individual, muito menos tem um nível de renda para que sobre dinheiro e ela faça uma programação a longo prazo.”

Marcelo Luiz Curado, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Para Curado, no Brasil, a burocratização é a principal barreira encontrada por esses profissionais na hora de formalizar um trabalho. “Quando você tem um excesso de regras, de normas, uma formalização que é muito pró-trabalho, que garante muitos direitos ao trabalhador, isso pode encarecer demais o custo do trabalho e aí diminui a demanda. Isso acaba gerando desemprego por conta de uma formalização excessiva.”

MEI

Na visão de Marcelo Curado, a iniciativa do microempreendedor individual (MEI) ajudou a formalizar o trabalho de diversos brasileiros num cenário de paralisação econômica. Porém, mesmo os microempreendedores têm uma relação de trabalho mais frágil se comparado aos servidores públicos ou funcionários de grandes empresas.

“A principal forma de absorção e crescimento do mercado formal de trabalho é a contratação pelas empresas. O MEI formaliza, mas na maioria das vezes você continua sendo o seu patrão e seu empregado”, pontua. 

O processo para formalização por meio de MEI é feito virtualmente, pelo Portal do Empreendedor, do Governo Federal. É preciso preencher o cadastro com os dados pessoais, informando os números de RG, CPF, Título de Eleitor e das duas últimas declarações do Imposto de Renda, além do CEP residencial e do CEP onde a atividade será exercida. Não é preciso anexar cópia dos documentos, mas é imprescindível ter um número de celular ativo. 

Concluído o cadastro, automaticamente é emitido o Certificado da Condição de Microempreendedor Individual – CCMEI, que é o documento que certifica a abertura da empresa, comprova a inscrição no CNPJ e Junta Comercial, e também vale como alvará provisório de funcionamento do negócio.

Além disso, para ser MEI, é necessário: 

  • Ter mais de 18 anos;
  • Não ter outra empresa registrada, seja como titular, sócio ou administrador;
  • Não exceder o limite de 1 funcionário, que deve receber o piso da categoria ou o salário mínimo;
  • Estar enquadrado em uma das atividades permitidas pelo Governo Federal;
  • Não exceder o faturamento máximo de R$ 81 mil ao ano (ou R$ 6,7 mil por mês);
  • Cumprir com a entrega da Declaração Anual do Simples Nacional (DASN SIMEI) que comprova receita e enquadramento do MEI;
  • Pagar um imposto que varia entre R$ 47,70 e R$ 53,70 por meio do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS).

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