De cursos a cannabis com entrega rápida: Hemp Fair revela futuro em meio a incertezas

Em meio a incertezas, setor de cannabis segue investindo em produtos e serviços dentro e fora da área medicinal

Como tudo nos últimos, a Hemp Fair Curitiba, que reuniu empresas, médicos, pacientes e investidores para falar sobre oportunidades de negócios com a cannabis, também acabou tendo seu momento Lula x Bolsonaro. Em resposta a uma fala do deputado estadual Goura (PDT), que defendeu a necessidade de se tratar o assunto como um todo e pelo nome certo (o canabidiol é um dos componentes retirados da maconha), com ciência e democracia e enfrentando os preconceitos que cercam o assunto, o deputado federal Reinhold Stephanes Junior (PSD) resolveu deixar registrado que “é Bolsonaro”.

Muito embora entre os empresários poucos queiram discutir a questão política ou apostem que “nada vai mudar” num eventual segundo mandato do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), o peso do assunto é um tema permanente na área. Nos últimos dias, o Conselho Federal de Medicina (CFM), que na pandemia de coronavírus defendeu a “liberdade” dos médicos para receitar cloroquina (cuja falta de eficácia foi comprovada ainda no primeiro semestre de 2020), emitiu uma resolução restringindo a prescrição da cannabis.

A instituição acabou voltando atrás, cancelando a resolução e reabrindo a consulta pública sobre o assunto.

Enquanto isso, negócios que tentam atuar no setor continuam trabalhando sem a necessária segurança jurídica. Para Joaquim Castro, da Clínica Canábica Gravital, a atuação nesse ambiente tem seus percalços. A empresa já respondeu a sindicâncias em Santa Catarina e no Paraná e tem uma marca sem a palavra “canábica”. “Mas nós temos um embasamento claro que justifica nossa ação dentro do que a Anvisa permite”, conta.

Castro também diz que a percepção da população é de apoio. A Gravital já atendeu mais de 3500 pacientes, a maior parte com problemas mentais ou comportamentais (58%), mas também pacientes com dor (15%), câncer, fibromialgia e outras doenças. Segundo ele, a maioria desses pacientes “já chegam pedindo pelo canabidiol”. “São pessoas que já passaram por diversos tratamentos e médicos e que buscam um tratamento eficaz”, completa.

O relato de pacientes que conseguiram uma evolução significativa no tratamento com o canabidiol foi parte importante do evento. Um deles, o médico Vitor Jorge W. Brasil, mostrou a evolução conquistada pela mãe dele, de 86 anos, que tinha dificuldades de mobilidade bastante graves e demência. Em vídeo, ela apareceu sem conseguir se mexer, só para aparecer fazendo fisioterapia no braço em outra gravação, feita após o tratamento.

Pacientes idosos

Segundo Brasil, o uso da cannabis contribuiu para a redução de sintomas, um cenário incomum em pacientes de idade avançada e comprometimento. Os pacientes idosos são a população mais atendida pela cannabis medicinal no Brasil, aponta Brasil e a CEO da ANNA, Kathleen Fornari. “A faixa etária onde temos mais dados de pesquisas sobre os resultados é nas crianças, mas o uso no tratamento de doenças crônicas com a qual o paciente já convive há bastante tempo faz a faixa etária do paciente mais comum ser mais alta”, diz o médico.

Para Fornari, a principal característica do paciente idoso que busca a cannabis é a demora na decisão de compra. “É uma compra que envolve a família toda”, relata. Segundo ela, muita gente tem medo ou mesmo informações equivocadas sobre o produto e precisa de mais tempo para concordar com o uso dele por um familiar idoso.

A plataforma Anna Exppress usa parcerias para garantir o acesso rápido a produtos da cannabis que são importados do Uruguai, Estados Unidos e outros países. O tempo de envio é uma questão sensível no setor, uma vez que a importação do remédio pode levar até um mês.

Mas mesmo com tantas incertezas, não faltam empresas apostando na área. Na Unyleya, instituição de ensino de origem portuguesa, mas que atua no Brasil, a aposta é em três cursos de especialização: um para na área do Direito, outro para farmacêuticos e um terceiro para um público mais amplo. Os cursos foram abertos em 2019 e são totalmente online.

Maconha

As “histórias de sucesso” da cannabis porém, não apagam a necessidade de reconhecer que o debate existe e é complexo, porque esses medicamentos todos vêm da maconha, uma planta cujo consumo como psicotrópico é visto com preconceito e muitas concepções equivocadas. E a produção de derivados de cannabis depende do acesso a planta ou ao óleo produzido a partir da planta.

No Brasil, um projeto de lei de autoria do deputado federal Luciano Ducci (PSB) tenta regulamentar a cannabis de uso medicinal desde a plantação até o usuário final. O texto é visto como um marco que pode destravar o desenvolvimento de uma indústria que só cresce em outros países, como Estados Unidos, Austrália e Uruguai, onde a maconha ou cânhamo são usados não só para fim medicinal, mas na indústria, na produção de plásticos e recicláveis etc.

Esse cenário depende diretamente do resultado da eleição de domingo, uma vez que o atual presidente e candidato a reeleição, Jair Bolsonaro (PL) já declarou que irá vetar o projeto de Ducci caso ele venha a ser aprovado em plenário. Mas mesmo que o petista Lula seja eleito, o caminho não deve ser fácil. “É o caminho mais difícil”, diz a vereadora de Curitiba, Maria Letícia Fagundes (PV), sobre tentar autorizar a plantação de maconha para uso medicinal. Fagundes que é autora de um projeto que promove a educação sobre o assunto na capital paranaense.

A CEO da ANNA – empresa que se diz uma plataforma de serviço na área da cannabis, Kathleen Fornari, é mais otimista. Ela acha que com exceção de Bolsonaro, a administração federal e a pressão popular podem abrir os caminhos para o setor. “Veja o que aconteceu com o CFM (que voltou atrás e retirou uma resolução que restringia o canabidiol). A pressão popular é muito forte e é um motor de mudança”, explica.

Medicina personalizada

Não é só o preconceito que a maconha que o mercado de canabidiol pode ajudar a superar. Para o médico Vitor Jorge Brasil, a própria maneira como a medicina lida com a prescrição de remédios muda no uso da cannabis. “É uma prescrição personalizada, mais adequada as características de cada um”, explica.

Isso, explica, é uma resposta a quem critica o caráter experimental dos tratamentos com o produto. “Nas demais prescrições (de outros remédios) não tem experimentação, mas deveria”, defende. Isso porque, aponta, mesmo em pacientes com altura e peso semelhantes, a dosagem do remédio ideal pode ser diferente.

No tratamento com cannabis, essa característica significa um acompanhamento mais de perto do paciente, com ajustes dos dosagens para garantir resultados adequados a cada situação. “É todo um acompanhamento, que vai da consulta, a orientação até ajuda no processo de importação e compra”, diz Castro, da Gravital.

Avanço legislativo em novembro

Tanto em Curitiba quanto no Paraná o tema deve ter avanços importantes. Na Câmara de Curitiba, um projeto da vereadora Maria Letícia (PV) quer instituir ações educativas sobre o tema junto a educadores, profissionais de saúde e a população em geral. “O médico na unidade de saúde precisa saber como lidar ao receber o paciente que se trata com CBD”, explica.

Fagundes acredita que essas ações podem reduzir o preconceito contra o assunto e ganhar o apoio de grupos sociais que se beneficiam da cannabis. O projeto dela já está pronto para ir a plenário. “Estou articulando apoio para levar a plenário”, antecipa. A meta é aprová-lo no fim de novembro.

O mesmo prazo tem a votação do projeto de lei de autoria do deputado estadual Goura (PDT), que tenta reduzir a burocracia no acesso a medicação no Paraná. Atualmente pacientes com indicação médica podem entrar na Justiça exigindo o acesso via Sistema Único de Saúde. Nesse processo, o paciente pode, inclusive, contar com o apoio da Defensoria Pública do Estado.

Essa alternativa é importante dado o atual alto preço dos medicamentos derivados da cannabis no país. Como os medicamentos são importados ou, no caso dos produzidos no país, limitados a poucos laboratórios, o preço pode chegar a R$ 2 mil por um frasco, um valor inacessível para a maior parte da população.

No projeto de Goura também prevê apoio as associações de pacientes, que conseguem o produto a valor reduzido, além de realizar um importante trabalho de assessoria no processo de obtenção da receita à autorização de importação da Anvisa.

É o caso da Associação Canábica Unidos em Razão do Amor, de Curitiba, que fornece apoio a pacientes desde a busca de um médico até a compra do óleo. Priscilla Patitucci, da Associação, explica que começou o trabalho quando iniciou o tratamento com cbd com a filha, que é autista. “Nosso foco é garantir o acesso com baixo custo para a população mais carente”, conta.

Ela mesma teve dificuldades para manter a medicação da filha antes de começar a trabalhar com a associação. Hoje ela trabalha inclusive com famílias em regiões vulneráveis da cidade. “É uma mudança, daquilo que era um problema e passa a ser cura”, celebra. O objetivo final, conta, é usar uma área pública abandonada para produzir a cannabis e, partir disso, o medicamento.

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