Mulheres do Judiciário do Paraná se unem e querem ser ouvidas

Em entrevista, juíza Laryssa Angélica Copack Muniz explica os objetivos do Coletivo Antígona

Assim como em qualquer espaço de poder, também no Judiciário as mulheres têm mais dificuldades para avançar do que os homens. Isso se reflete na cúpula (só três ministras em toda a história do STF) e também nos estados. No Amapá, não há uma única desembargadora. No Paraná, onde só 18% das vagas de segundo grau são ocupadas por mulheres, nunca o TJ foi presidido por uma desembargadora.

Mas não é só a representatividade Também há empecilhos para que as juízas conciliem a vida profissional com a maternidade e uma série de outras dificuldades relatadas por elas. Mas até agora não havia ninguém prestando muita atenção nisso.

Durante a escolha para uma vaga do quinto constitucional neste ano, porém, deu para ver que algo mudou. A cadeira tinha pertencido à primeira desembargadora do TJ, Regina Portes, e as mulheres do Judiciário, reunidas no coletivo Antígona, fizeram ouvir sua voz: era preciso colocar uma mulher naquela vaga. A pressão funcionou, e o Paraná ficou sabendo que agora as juízas e desembargadoras tinham um movimento para representá-las.

Nesta conversa, a juíza Laryssa Angélica Copack Muniz explica o que é o Antígona e quais seus objetivos.

Laryssa Copack Muniz: em busca de espaço para as mulheres. Imagem: YouTube/Reprodução

De onde surgiu a necessidade do coletivo Antígona e qual o papel dele?
Surgiu da troca de experiências entre diversas magistradas do Tribunal de Justiça do Paraná, que identificaram pontos em comum sobre dificuldades e desafios inerentes à condição de mulher no âmbito institucional, com o objetivo de estabelecer uma rede de apoio para as mulheres magistradas e buscar representatividade feminina no Tribunal de Justiça e na Associação de Magistrados/Magistradas do Paraná.

Após muitas reuniões/rodas de conversa realizadas virtualmente com Magistradas de todo o Estado (sobretudo durante o período de isolamento social da Covid-19), identificamos dificuldades transgeracionais e generalizadas sobre questões próprias à condição de mulher, como quanto ao exercício da maternidade, nomeação para cargos de confiança na cúpula institucional e, por conseguinte, promoção por merecimento (sobretudo para os cargos de desembargador/a). São muitos os relatos de Juízas que abriram mão da maternidade, de ter mais de um filho/a ou de prosseguir com a lactação para atender às métricas vigentes e não serem prejudicadas em sua avaliação profissional (uma vez que é raro o atendimento integral da unidade judicial por outro/a magistrado/a durante a licença maternidade). Além disso, mulheres magistradas de todo o Estado descrevem não ter a oportunidade de frequentar os ambientes sociais em que são formadas alianças para a nomeação em cargos da cúpula e redes de contatos para a apresentação de currículos para fins de merecimento.

Essas limitações para a integração do feminino no âmbito institucional geram prejuízos não apenas para o exercício profissional da mulher magistrada, mas também para a adequada prestação jurisdicional, tendo em vista a inegável necessidade de se levar em conta a perspectiva de gênero para, adequada e empaticamente, analisar casos envolvendo a complexidade e vulnerabilidade femininas, como envolvendo violência doméstica e familiar, divórcio, guarda de filhos e determinação de pensão alimentícia, etc.

As demandas que envolvem gênero necessitam de muito estudo, estratégia e diálogo, uma vez que não beneficiam apenas as mulheres, trata-se de avanço civilizatório. Ambientes institucionais plurais e diversos, que acolham e validem as distinções próprias do feminino (e não as silenciem) são benéficos para toda a sociedade e se aproximam mais da concretização da justiça.

Quantas juízas e desembargadoras fazem hoje parte? Como se dá a organização?
Hoje, o grupo é composto por 200 magistradas, de primeiro e segundo grau, organizado de maneira muito orgânica, com 5 co-coordenadoras titulares e 2 suplentes, que atuam na organização administrativa das ações do coletivo, bem como representam o mesmo em solenidades, reuniões e encontros.

O grupo Antígona é estruturado por um regimento interno e se orienta, conforme prevê o seu artigo 1º, pelos princípios de lealdade, sororidade, respeito à diversidade, pluralidade, horizontalidade, comunicação não-violenta, diálogo, transparência, igualdade, valorização da perspectiva de gênero nos espaços de fala institucionais e no exercício de poder, com a finalidade de impulsionar a transformação das estruturas institucionais e sociais para o alcance de uma sociedade livre, justa, solidária e sem preconceito de qualquer natureza.

Nossa atuação é, primeiramente, no letramento de gênero das participantes, para que possamos ter assertividade nas demandas que iremos defender. Esse letramento se dá pelo contato com outras mulheres, não só da área do Direito, que estudam essa temática e trazem cosmovisões diferentes da nossas. Mas também atuamos administrativamente apresentando requerimentos de nosso interesse junto à administração do TJPR, como por exemplo, no ano passado, nosso primeiro requerimento deferido era sobre a paridade de gênero na banca de concurso para ingresso na carreira da Magistratura.

Vocês tiveram papel importante na escolha da nova desembargadora por quinto constitucional, Laura Carneiro, na vaga da desembargadora Regina Portes. Por que isso foi importante?
Primeiro porque se tratava de uma vaga simbólica, eis que a desembargadora que se aposentava fora a primeira mulher a ocupar esse cargo, no ano de 1999. Depois porque temos uma disparidade grande a ser corrigida, eis que apenas 18% do total de desembargadores do TJPR são mulheres (21 no total). Qualquer perda de representatividade é imensa, num cenário como esse. Assim, nos mobilizamos e entregamos uma carta ao governador do estado, explicando a simbologia da escolha e, felizmente, a desembargadora Luciana foi escolhida.

Os números de representatividade feminina nas Cortes, especialmente nas superiores, é muito baixo. Como mudar isso?
O machismo estrutural está presente em toda sociedade e não poderia ser diferente no Judiciário. A divisão sexual do trabalho, as barreiras que as mulheres enfrentam para ascender a cargos de poder estão presentes também em nossa instituição. A visão anterior era de que deveríamos nos moldar aquilo que o Judiciário era, sem esquecer que ele fora moldado por homens. O que se deve ter, daqui para adiante, é a ideia de que há que se criar um espaço institucional que acolha a mulher em sua condição, adaptando-se a Instituição.

A vaga da ministra Rosa Weber está em aberto, e tudo indica que será ocupada por um homem. Como podemos mensurar os efeitos disso?
Será, como já respondi anteriormente, uma perda gigantesca de representatividade, lembrando que a composição paritária melhora o desempenho das cortes, invariavelmente, eis que traz diferentes visões de mundo que são salutares em Instituições destinadas a resolver conflitos. Teremos apenas uma mulher. Alguns perguntam quantas mulheres seriam o suficiente para o STF. Aqui, parafraseio a Ministra da Suprema Corte dos Estados Unidos, Ruth Bader Ginsburg, que respondia a essa questão assim: seriam suficientes 9 (o número total de membros). E completava dizendo que as pessoas se chocam ao imaginar uma Suprema Corte só de mulheres, mas, até bem pouco tempo atrás ela era composta só por homens e ninguém achava que havia alguma coisa errada nisso. Isso é machismo escancarado.

A resolução do CNJ promovendo maior igualdade no acesso aos tribunais estaduais é um avanço? Hoje vocês sentem uma dificuldade maior de progressão para as mulheres juízas?
Trata-se de uma ação afirmativa, ou seja, para corrigir uma disparidade histórica. Se voltarmos no tempo, há 100 anos não podíamos trabalhar. Depois, vigia até 1988, na CLT uma regra que autorizava o marido a denunciar o contrato de trabalho se o mesmo estivesse “atrapalhando” os afazeres domésticos da mulher. A primeira mulher a entrar de calças no plenário do STF foi a ministra Cármen Lúcia, em 2007. Alguns exemplos que só evidenciam a necessidade de se atuar para reduzir a disparidade de gênero nas cortes de todo país. Ainda há, em alguns estados como o Amapá, tribunais que não possuem nenhuma mulher desembargadora. Então, entendemos que essa Resolução é um avanço, uma conquista a ser celebrada.

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