Um fandangueiro sobe ao palco do Central Park

Graciliano Zambonin se apresenta neste sábado com Dom Salvador em Nova York

A previsão para este sábado (4) é de sol na cidade de Nova York e isto terá a ver, de alguma forma, com Curitiba. Sobe ao palco Summerstage, do Central Park, o músico paranaense Graciliano Zambonin acompanhando uma lenda da música brasileira: Dom Salvador, um dos responsáveis pela introdução do funk americano no Brasil, nos anos 70, com sua banda “Abolição”, e um dos inventores do samba jazz.

O evento faz parte da abertura do 25º Inffinito Brazilian Film Fest, que contará também com o lançamento internacional do filme “Dom Salvador & Abolition”, de Artur Ratton e Lilka Hara. O filme foi o grande vencedor do festival In-edit Brasil do ano passado.

Graciliano, baterista por 10 anos da Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, é talvez insuperável na abrangência de sua linguagem artística: pesquisador e contramestre de fandango do litoral paranaense, pode ser visto se apresentando nos legendários Blue Note e Minton’s, e em outros clubes de jazz de Greenwich Village e do Harlem. Do mais particular ao mais universal.

O Inffinito Brazilian Film Fest acontece de 4 a 18 de setembro na cidade de Nova York

Graciliano Zambonin nos concedeu uma entrevista esta sexta-feira por telefone.

Graciliano, olhando pra trás o que você pode dizer sobre ter saído de Nova Prata do Iguaçú, no interior do Paraná, e hoje tocar em grandes clubes de jazz de Nova York?

Dá uma sensação de vitória, de vencer na vida, porque tem essa coisa do preconceito com as pessoas do interior. Muita gente no interior tem a cabeça mais aberta e é muito mais inteligente do que as pessoas da cidade acham que elas são, então olhando pra trás eu sempre tive uma coisa em mente: estar de cabeça aberta para aprender, pra progredir, ter mais conhecimento, sempre lembrando que aquela simplicidade do interior mora dentro de você.

E a tua ida para Nova York? Você já mora aí há oito anos.

A principal diferença que vi aqui é a questão cultural, além da língua. Foi o que mais pegou pra mim. A sociedade americana é mais tradicional, conservadora. Eles aqui fazem tal coisa, se comportam de uma determinada maneira e meio que não abrem exceções para isso. Já o brasileiro é mais cabeça aberta. Abraçar, por exemplo, o calor humano brasileiro é muito melhor. Aqui não tem isso de abraçar as pessoas. Então tem esse choque cultural, né? Mas logo você aprende a se comportar: é uma questão de comportamento, observar o que os outros estão fazendo e também aprender a quebrar as regras com respeito.

E como entra o Dom Salvador nessa história?

É obrigatório pra todo tipo de músico brasileiro e mundial escutar a música brasileira, e essa linguagem que o Dom Salvador desenvolveu – o samba jazz, junto com o Trio Rio 65 nesse período de 1964, 1965 – é muito importante que todo bom músico brasileiro conheça. Certo dia eu e um amigo contrabaixista fomos assistir a um show dele aqui e pedimos para tocar uma música e ele gostou. Ele disse: “Bicho, vocês estão prontos, vamos formar um grupo”; e aí começou toda a história, já faz três anos que toco com ele e que a gente vem fazendo shows. Esse sábado agora, no Central Park, será o ápice desse trabalho com ele. Apesar de a gente já ter gravado um disco com ele que vai sair logo.

O Dom Salvador tem uma história com nosso grande Waltel Branco, aqui de Curitiba. Você chegou a conversar algo com ele sobre isso?

Dom Salvador sempre elogiou o Waltel. Os dois trabalharam juntos na Odeon em São Paulo e no Rio, e gravaram vários discos juntos. Não sei de cor os discos, mas acho que o “Turma do Bom Balanço” é um desses. Inclusive o Dom Salvador conheceu também o Lápis (Palminor Ferreira, músico curitibano) no Rio de Janeiro, porque gravou com Eliana Pittman e o Lápis tocou com ela neste mesmo período, no começo dos anos 70.

Pra encerrar. Agora, algumas horas antes de você subir ao Summerstage, conte um pouco sobre a importância do fandango paranaense pra tua vida e pra tua formação musical.

A “simpleza” e a “singeleza” que aquela música traz te conectam com uma coisa interna. Eu cresci ouvindo aquela música, assim como a música de viola, do interior do Brasil em geral; da mesma forma que a viola caipira, a viola de fandango tem essa coisa ancestral, como também tem a rabeca – os portugueses chegaram ao Brasil e queriam que os índios construíssem violinos, e estes construíram as rabecas. É por isso que a rabeca existe no Brasil inteiro, de diversas formas. Uma delas, a do Paraná, é isso: essa rabeca de três cordas que temos aí. Inclusive tem uma música do Dom Salvador (“Moeda, reza e cor”) em que eu toco um ritmo que chama-se “Apinajé”: um ritmo de índio que tem ali em Paranaguá, que eu aprendi com o pessoal que tocava frigideira. Eu coloquei isso no meio de uma música do Dom Salvador. Então o fandango, como o samba de roda e o maracatu, contribui para o músico de uma forma implícita, traz uma “singeleza”, uma conexão com a natureza e com as coisas simples que temos na gente. Como eu fiz uma pesquisa profunda sobre o fandango, eu consigo colocar isso nas coisas de mais difícil execução.

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