“O Urso” expõe o trabalho sem fim que é ter um restaurante

Série se passa em uma lanchonete familiar de Chicago, com uma trilha sonora esperta e um elenco fora do comum

Comparado com outros filmes e séries sobre comida (ou, vá lá, gastronomia), o trunfo de “O Urso” é se concentrar numa parte menos glamorosa do trabalho. Em cartaz no Star+, essa série não está interessada no talento do chef nem na beleza do prato. A ideia aqui é bem mais pedestre: mostrar o trabalho sem fim que é administrar um restaurante. E pior: um restaurante que passa por dificuldades.

O lugar se chama “The Bear”, o urso do título, e fica em Chicago, uma cidade que, apesar de ter uma arquitetura impressionante (talvez a mais incrível do país inteiro), não aparece tanto quanto Nova York e Los Angeles. A julgar pela série criada por Christopher Storer, existe algo como um “orgulho de Chicago”. Eles têm Barack Obama (que não é de lá, mas fez toda sua carreira política lá antes chegar à presidência), eles têm Michael Jordan (o espetacular jogador de basquete do Chicago Bulls), e eles têm a canção “Chicago”, de Sufjan Stevens (que é de Detroit, mas fez uma música absolutamente linda sobre a cidade).

“O Urso”

Aliás, o episódio sete é o mais ousado de todos na maneira de narrar: ele começa ao som de Sufjan Stevens e deixa a música tocar quase inteira, para então entrar na cozinha e mergulhar num dia tenso em que tudo parece dar errado, ao som de distorções de guitarra que não dão folga. É um negócio tão angustiante, imagino, quanto uma cozinha sobrecarregada de trabalho.

Os dez episódios com duração entre 20 e 30 minutos acompanham o chef Carmy (Jeremy Allen White) no esforço de assumir o restaurante que herdou do irmão, morto de maneira repentina. Muito rápido, você se pergunta se ganhar o restaurante não foi mais um castigo do que qualquer outra coisa.

Carmy, para complicar, é um chef excelente no que faz. A história dá a entender que ele trabalhava no melhor restaurante do mundo antes de largar o emprego chique e voltar para a lanchonete tosca da família. Porque é isso que o Urso vende: sanduíches, batatas fritas, frango frito, coisas assim.

“Chef’s Table”

De certa forma, “O Urso” é a antítese de “Chef’s Table”, a série de documentários da Netflix sobre chefs e restaurantes que inaugurou uma forma peculiar de falar sobre gastronomia na tevê. Uma forma que chegou a ser parodiada no filme “O menu”.

“Chef’s Table” se concentra nos pratos. Eles mostram alguma coisa do preparo, entrevistam o chef responsável, mas a estrela da série é a comida, exibida sozinha sobre a mesa com um movimento circular em câmera lenta, montada, perfeita, intocável até.

“O Urso” não tem tempo para isso. A série não tem uma imagem sequer de um prato de comida. Nenhum sanduíche. Nada. O que se vê é o estresse da cozinha, o trabalho massacrante nos bastidores de um restaurante, a confusão causada por qualquer coisa que não funcione direito ao longo do processo.

Imagine que Carmy passa um tempo considerável lidando com fornecedores e chega a trocar peças caras de roupa por peças de carne porque não tem dinheiro para pagar pelo pedido. Em “O Urso”, você é lembrado que a equipe de cozinheiros limpa a cozinha, do teto ao chão, todos os dias (e é assim que funciona num bom restaurante de verdade, eu sei, mas não se vê isso o suficiente no cinema e na tevê).

Por ter uma abordagem original do tema e pela intensidade dos episódios – intensidade essa que deve bastante ao ótimo elenco –, “O Urso” é uma série espetacular para quem se interessa por comida.

Onde assistir

A série “O Urso” tem dez episódios e está em cartaz no Star+.

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