Minha filha não tem nem três anos, mas já fundou uma corrente de pensamento. Chama-se birutice, uma ideologia que acredita na loucura e no destemor na condução da rotina diária. Se dá para descer a escada aos pulos, por que fazer de outro jeito? Quem disse que não é para escalar a estante? Ou que é para comer com garfo e faca?
Dada a falta de preparo do mundo para o recém criado birutismo, é difícil levar a minha menina para explorar espaços públicos. Poucos são os que vêem com bons olhos a liberdade de uma bebê de dois anos e meio. Mais importante ainda: a lei da gravidade, essa chata, continua implacável.
Está em cartaz no Portão Cultural a exposição Criaturas Fantásticas. Segundo as artistas, Ana Hupfer e Flavia Milbratz, trata-se de uma obra com e para as crianças. A ideia foi colocada a prova no último sábado, quando a fundadora do birutismo esteve no museu disposta a colocar em prática a teoria.
Como boa biruta, a menina começou o passeio correndo a toda velocidade pela ampla sala de exposições. Normalmente esta é uma conduta perigosa, mas o local tem almofadas, grandes peças espumadas bastante convenientes para eventuais quedas. Não que cair de boca no chão a pare.
Crianças já civilizadas aproveitaram as explicações e orientação dos adultos na sala. Mas quem ainda está na fase selvagem do desenvolvimento cognitivo e motor ignora a tentativa de supervisão adulta e segue submetendo a exposição a experiências particulares.
No birutismo, divertido não é montar nada com os blocos de espumados, mas sim derrubar o que quer que esteja em pé e comemorar quando tudo encontra o chão. As salas com portas pequenas são ótimas para a biruta entrar correndo por um lado e, sem diminuir a velocidade, sair pela porta seguinte.
Duas grandes rodas coloridas servem para formar cores e formas na parede. No birutismo, no entanto, legal é girá-las com força enquanto discursa no idioma oficial: o nananês.
Uma instalação no meio da sala tem o alerta: proibido escalar. Desnecessário dizer que crianças birutas não sabem ler, e procedem a ignorar o alerta quase que imediatamente. É lá também que a biruta faz alguns segundos de descanso para voltar a birutar com energia total.
Quando a exploração a toda velocidade perde o sentido, o que chama a atenção são as peças imantizadas, as fantasias e o desafio de entrar num labirinto simples, mas divertidíssimo.
Certamente eu, como adulta que sou, jamais saberei o que de fato a biruta viu na exposição. Nossa tarefa enquanto responsáveis, no birutismo, é impedir as fugas (seria uma boa ideia ter um monitor na porta) e resistir a tentação de tentar controlar a liberdade extasiante de estar explorando o mundo. A melhor parte da exposição é justamente ter acertado nisso: permitir que crianças, sejam civilizadas ou não, possam apreciar a arte sem a supervisão de adultos.
Criaturas fantásticas
Portão Cultural
Endereço:
Av. República Argentina, 3430 – Portão
Ingresso: gratuito
Data(s): 01/06/2019 a 01/09/2019 – 3ª, 4ª, 5ª e 6ª feira, sábado e domingo
Horário(s): 10h ~ 19h (TER ~ DOM)