Mulheres lideram produção e audiência de podcasts sobre crimes

Nas plataformas de streaming, 12 de 16 produções de "true crime" foram criadas por mulheres

Dentre 16 podcasts brasileiros sobre crimes reais, 12 são produzidos e apresentados por mulheres. No ano passado, o Spotify publicou que “true crime é um tópico quente entre as ouvintes”: no intervalo de 2018 e 2019 o gênero cresceu 16% entre o público feminino da plataforma. Dados de 2021 dos podcasts Café com Crime e 1001 Crimes sustentam os levantamentos do serviço de streaming, 70% dos ouvintes dessas produções são mulheres.

A psicóloga forense Juliana Barbosa e Silva define o true crime. “Diferentemente das histórias de ficção, a ideia desse tipo de entretenimento é narrar episódios de crimes verdadeiros, expondo detalhes do criminoso e suas ‘razões’, do modus operandi, do perfil da vítima”, bem como desdobramentos. O formato mais adotado por podcasts da categoria é a narrativa de casos criminais em episódios únicos. Há ainda aqueles que adotam uma abordagem seriada para aprofundar a história de um determinado crime real.

Para Stefanie Zorub, criadora do podcast Café com Crime, as plataformas de streaming favorecem a multiplicação do conteúdo sobre o tema – “Lancei o Café Com Crime em 2018 quando não encontrei nenhum outro podcast brasileiro sobre true crime disponível. Infelizmente, 5 episódios depois, parei a produção e fiquei 2 anos sem atualizar. Em 2020, logo após a pandemia iniciar, voltei a produzir e, para o meu espanto, encontrei mais de 10 podcasts, sobre crimes, ativos”. 

Bruna de Oliveira, que lançou o 1001 Crimes em 2019, concorda com Stefanie, “no ano passado explodiu, toda semana tinha podcast novo”. Ambas afirmam que o interesse pelo gênero, no entanto, não é recente. “Eu só acho que esteja ganhando mais espaço agora, porque é mais fácil de produzir conteúdo hoje em dia, porque qualquer pessoa que tenha um celular em casa vai conseguir gravar um podcast, editar e lançar”, diz Bruna.

Segundo o perito criminal Fábio Salvador, da Polícia Federal, “a atração da humanidade pelo crime, pelo mórbido, é atávica; ocorre em todas as sociedades. Não sou psicólogo, mas acredito tratar-se de uma tendência a pulsões instintivas motivadas pelo medo, pela culpa e mesmo pelo erótico que envolve o mundo das ocultações”.

Sobre o público feminino, a psicóloga explica que apesar de “os estudos que analisam os impactos da diferença de gêneros em determinado comportamento serem bastante complexos, alguns especialistas apontam que a preferência da mulher [por true crime] pode estar relacionada à sua própria segurança e à percepção subjetiva de necessidade em aprender mais sobre pessoas que cometem crimes, especialmente aqueles das quais elas são alvo”.

Em pesquisa sobre true crime conduzida por profissionais da Universidade de Illinois em 2010, 71% das participantes mulheres escolheram histórias que mencionassem métodos para escapar de situações parecidas.

Flora Thomson-Deveaux, diretora de pesquisa da Rádio Novelo – que produz podcasts como o Boletos Pagos, com Nath Finanças, e o Foro de Teresina, para a Revista Piauí –, comenta que, dentre os podcasts não recorrentes da produtora, o Praia dos Ossos “é outra escala. Foi um sucesso muito grande”.

Praia dos Ossos trata do assassinato da socialite Ângela Diniz, cometido por seu companheiro Doca Street em 1976. O público também é majoritariamente feminino, mas, ao contrário de podcasts como o Café com Crime e o 1001 Crimes, que costumam atingir faixas etárias de 23 a 34 anos, Flora afirma que o Praia atinge pessoas mais velhas, que se lembram da época em que o assassinato de Ângela foi objeto de atenção midiática.

Ainda, de acordo com Flora, embora trate de um caso real, a produção não é sobre “o crime pelo crime”, e complementa: “O melhor true crime vai muito além de quem fez, e como. O melhor true crime vai falar sobre o porquê e por que a gente reagiu da maneira que reagiu [ao crime], é um palco privilegiado no qual podemos observar muitas facetas da sociedade em que aquele ato ocorreu”.

Bruna também acredita ser esse o seu papel com o 1001 Crimes. “A gente não tem como falar desse assunto sem dar um contexto social, os crimes não acontecem num vácuo.” Ela finaliza a questão com um chamado: “Acho que as pessoas que produzem conteúdo de crimes reais têm de parar de ter medo [de opinar], porque se não a gente é basicamente um Datena, que é só sensacionalismo, querendo lucrar em cima de uma tragédia. Ou se não a gente é só uma página na Wikipedia, que só conta uma história sem ter um viés de jornalismo”.

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