“Moonage Daydream”, sobre David Bowie, é mais do que um documentário

“Moonage Daydream” é o filme perfeito para todos aqueles que se sentem inspirados por qualquer uma das facetas de David Bowie

De acordo com as normas do jornalismo, eu estou atrasada. O filme já foi lançado há dias, já é tarde demais, não preciso gastar meu tempo em algo tão “antigo” assim.

Nunca fui muito fã desse tipo de visão, porém — uma obra cinematográfica genuína não é uma competição de bilheteria, não é uma briga por lucro e reconhecimento. Vivemos no capitalismo e os recursos financeiros são indispensáveis na produção de qualquer coisa, é claro, mas jamais é este o objetivo principal de um trabalho artístico sincero. O que quero dizer é, eu entendo a rapidez de pensamento, e entendo que a cada dia que passa o mundo muda mais e mais rapidamente. Mas, sinceramente, isso é mesmo necessário?

Um trabalho artístico genuíno chega como novidade, causa um frenesi e surpreende, mas sua marca é contínua — seus significados se moldam e mudam intensamente a cada construção social que experimentamos, a cada espaço que a arte ocupa nas vidas das pessoas ao longo do tempo. Uma obra cinematográfica como essa não precisa de pressa, de lide e nem de regras, até porque ela própria dispensa muitas das amarras que as tradicionais contações de histórias impõem.

“Moonage Daydream”

“Moonage Daydream” teve seu lançamento no Brasil em 15 de setembro de 2022. Só pude ver o filme dias depois e não podia estar mais feliz. É normal sair do cinema com uma sensação de irrealidade, flutuando pelas ruas na volta para casa e se sentindo seu próprio personagem principal, invencível e cheio de vida. Não acontece menos com o filme que Brett Morgen escreveu, dirigiu, editou e produziu sobre David Bowie. Na verdade, diria que acontece mais. Além de se sentir um protagonista, você percebe que todos à sua volta o são também, e sente a muitas vezes perdida faísca que pode começar uma revolução, seja no mundo ou no seu mundo.

As mais de duas horas do filme não são apenas um documentário, mas sim uma obra de pura expressão artística, filosófica, inspiradora e deliciosa. A honestidade de David Bowie a respeito de si mesmo explora com simplicidade impressionante uma barreira que presumivelmente muitos criadores apaixonados têm dificuldade de romper.

Ao ser perguntado sobre sua personalidade, ele responde que nunca teve certeza de fato. É singelo, mas é poderoso de ouvir. Você não precisa ter certeza do que busca expressar com a sua arte: em alguns momentos simplesmente sentir e criar a partir do sentimento é tudo o que terá em mãos e, ao contrário do que pode-se pensar, isso é muita coisa.

David Bowie

“Moonage Daydream” é mais do que um documentário. Ao falar sobre arte, se tornou um filme artístico por si. Não traz entrevistas de pessoas participantes da carreira de Bowie, próximas ou distantes: traz apenas suas próprias palavras, tenham elas sido ditas sob os holofotes ou em arquivos pessoais, desdobrando sua relação com o mundo artístico, com sua criatividade, com a forma como sempre buscava se reinventar, e tudo o que isso envolve.

Outro ponto importante do filme é que episódios de exposição e tristeza foram respeitosamente mantidos fora das telas. Desde relacionamentos conturbados, uma paternidade controversa e a morte trágica de seu irmão, até sua própria luta contra o câncer – menções discretas não cortaram totalmente a dor de sua vida, mas conservaram suas experiências com discrição e distância de olhos julgadores.

“Moonage Daydream” é o filme perfeito para amantes da obra de David Bowie, e para todos aqueles que se sentem inspirados por qualquer uma de suas facetas. Uma peça de arte, de filosofia, de paixão e inspiração que fazem arrepiar aqueles que a assistem, uma experiência visual de edição exemplar e casamento impecável entre imagens e sons. Definitivamente, algo que já deixa sua marca na história a partir do segundo em que é visto.

Onde assistir

“Moonage Daydream” está em cartaz nos cinemas.

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