Mitie Taketani quer mudar o mundo

Para a dona da Itiban Comic Shop e curadora da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, "todo dia é um bom dia para conversar e aprender com as pessoas"

Mitie Taketani é uma daquelas pessoas que não vai ficar parada ao ver que algo está errado na sociedade. Determinada, ela vai se posicionar e defender aquilo que acredita. E melhor: vai fazer você querer se movimentar e mudar o mundo também.

Nossa sorte é que a Mitie está todos os dias, de segunda a sábado (sem exceção), no balcão da Itiban Comic Shop, uma das maiores lojas de quadrinhos no Brasil fundada e administrada por ela, pronta para bater um papo e inspirar todo mundo que passar por lá.

Mitie Taketani

Mitie cresceu no meio de uma família bastante cultural no centro de São Paulo. A mãe adorava música. Cantava no karaokê, no carro e no chuveiro. Os irmãos tocavam violão e as irmãs dançavam, participavam de bandas e faziam teatro. “Uma das coisas que nos unia era a música. Sempre estávamos ouvindo alguma coisa. Tomava banho, dormia e chorava ouvindo música”, conta.

Ela, que passou a infância e adolescência escutando MPB, Rock e música japonesa a partir de nomes como Nelson Gonçalves e Paulinho da Viola, hoje ouve de tudo um pouco: de Kalaf Epalanga, Duda Beat, Caetano Veloso e Nara Leão à Beyoncé e Little Simz – estas últimas indicações que vieram da filha, Tami, responsável pelas fotografias desta reportagem.

“Na época, a rádio era muito forte e foi muito importante para a gente ter essa diversidade no campo musical. Agora, por conta dessa coisa descompensada da história de só enaltecer o trabalho dos homens, eu me voltei completamente para ler e ouvir mulheres.”

Desde pequena, sempre que queria algo, Mitie fazia acontecer. Aos seis anos, quando os três irmãos mais velhos já frequentavam a escola, ela também queria estudar. Pediu tanto que conseguiu fazer a mãe matricular o irmão caçula e ela mesma em uma escola privada, no início dos anos 1970.

No início, Mitie achava que seguiria a carreira médica. Em vez disso, chegou a cursar Psicologia, estudou em um conservatório de música erudita, tocou piano, cantou em coral e fez teatro com as atrizes Regina Vogue e Eliane Campelli.

Mitie Taketani é fundadora da Itiban Comic Shop. Foto: Tami Taketani/Plural

Foi na faculdade de Psicologia que Mitie experimentou a primeira tomada de consciência política, aos 17 anos. “Fazia parte do centro acadêmico e a gente se organizava e ia nas passeatas. Participamos das Diretas Já. Foi uma coisa muito forte para mim.”

Desde então, ela se movimenta para tentar mudar o mundo e fazer dele um lugar mais justo. “Eu me sinto muito pequena diante do tamanho do problema que é a sociedade, mas o melhor para mim é valorizar mais estilos diferentes de vida. Tudo está conectado. E o que aprendi é que não vivo sozinha.”

Grande parte dessa mobilização vem da leitura, seja sobre o movimento feminista, a violência policial, temáticas que envolvem gênero e sexualidade, ou sobre a internet, as redes sociais e os algoritmos. “Ler é a coisa que mais faço. Toda a minha leitura é para tentar entender o mundo, para que isso vire uma ação, um projeto de mudança para diminuir as desigualdades. É muita coisa que me interessa e é tudo para entender e tentar achar caminhos possíveis”, afirma.

Itiban Comic Shop

O ano era 1986 e Mitie ainda morava em São Paulo. Já havia largado a faculdade de Psicologia e estava no bar Madame Satã, símbolo da cultura underground da capital paulista na época, quando conheceu o músico curitibano Chico Utrabo.

Naquele dia, conversaram sobre música, claro, mas também sobre quadrinhos – outra paixão de Mitie que ressoava em Chico. “Comprei para ele o quadrinho ‘The Spirit’, do cartunista Will Eisner, mas esqueci onde ele morava, e na época não tinha celular. O quadrinho ficou passeando comigo no carro até que um dia que a gente se encontrou de novo. Aí começamos a namorar”, conta.

Dois anos depois, casados, Mitie e Chico decidiram vir para Curitiba, onde fundaram, em 1989, a primeira loja especializada em histórias em quadrinhos do sul do país, a Itiban Comic Shop. “Fora a música e os quadrinhos, a gente sempre teve essa coisa do punk, essa filosofia de fazer as coisas sozinhos, de não depender de ninguém.” 

Itiban Comic Shop é a primeira loja especializada em HQs do sul do Brasil. Foto: Tami Taketani/Plural

Nesse ínterim, Mitie trabalhou como vendedora, engravidou e teve a primeira filha, Yasmin. “Eu odiei aqui porque era muito frio. Eu era muito quieta, na época. Fui ‘a mulher do Chico’ por um bom tempo.”

Desde o início, a Itiban funcionou como um pólo de encontros, diálogos e trocas entre os artistas e a população da cidade. O estabelecimento, que já passou por endereços na Visconde do Rio Branco e na Marechal Floriano Peixoto, está há mais de 20 anos na avenida Silva Jardim.

“A gente não tinha um sonho sobre o que iríamos nos tornar, mas sempre quisemos ser um espaço acolhedor, para que as pessoas se sentissem bem e, por ser na rua, que estivesse aberto para todo mundo”, afirma.

Sobre a função arquitetônica das lojas de rua de ocupar espaços e gerar acolhimento entre a população, Mitie conta que, na Itiban, sempre aparecem pessoas bastante diversas procurando e vendendo todo tipo de produto. “Já vieram procurando até meia-calça. Eu acho um barato”, diz, aos risos. “Às vezes quando eu vejo já fiz uns dez Pix no dia e comprei morango, mexerica, pinhão, queijo, até balde.”

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Em 34 anos, milhares de pessoas já passaram pelo balcão da Itiban e por Mitie, que conseguiu inclusive acompanhar a vida de gerações de famílias. “Eu gosto muito de gente, então todo dia é um bom dia para conversar, descobrir e aprender com as pessoas.”

Além da curadoria dos livros, que vão de importados a quadrinhos brasileiros independentes, Mitie já organizou centenas de lançamentos e bate-papos com artistas na loja, com nomes como Laerte, Marcello Quintanilha, Lourenço Mutarelli e Marcelo D’Salete. Sem contar os eventos em escolas, dentro e fora de Curitiba, de que Mitie participa, e os clubes de leitura que monta na Itiban – gratuitos e abertos ao público.

“Eu falo que a curadoria [dos livros] é minha, mas na verdade é de muita gente, que indica, fala, procura um livro, pergunta”, diz Mitie.

No começo, o foco da Itiban era os quadrinhos. Mas, com o tempo, Mitie sentiu necessidade de ampliar e trazer outros formatos para a loja que dialogassem com o que já estava sendo proposto pelas HQs. “Isso atraiu um outro público que antes tinha preconceito com os quadrinhos, que via os quadrinhos como algo menor, um desdobramento da literatura. Mas não é assim, cada um tem a sua linguagem. Agora as pessoas olham para os quadrinhos com outros olhos, comprando, consumindo, conhecendo.”

Espaço cultural

Para o futuro, Mitie sonha em ter uma galeria de arte e em ganhar alguns editais para que a Itiban tenha apoio como um espaço cultural. “Nunca sonho longe. Acho que pouco sonhei porque sempre tive uma vida muito boa, meu cotidiano sempre foi muito prazeroso.”

Ela também quer levar os quadrinhos brasileiros para festivais internacionais, para que cada vez mais pessoas conheçam e valorizem o trabalho de cartunistas daqui.

Até lá, Mitie faz o caminho contrário: há pelo menos sete anos ela traz artistas que discutem a sociedade contemporânea para Curitiba, na Bienal de Quadrinhos. Em 2023, o evento, cuja curadoria é inteiramente feminina, ocorre entre os dias 7 e 10 de setembro. Está aí mais uma ótima oportunidade para quem quiser aprender como mudar o mundo com a Mitie.

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