Tradutor de Jon Fosse diz que encarar Nobel de 2023 foi “meio como traduzir Guimarães Rosa”

Leonardo Pinto Silva, que acaba de traduzir "Brancura", para a Fósforo, fala sobre o autor norueguês ao Plural

Talvez não tenha sido mera coincidência. Um dia antes do anúncio de que o norueguês Jon Fosse era o vencedor do Nobel de Literatura de 2023, o tradutor Leonardo Pinto Silva anunciou nas suas redes sociais que a Fósforo estava publicando “Brancura” – um dos poucos livros do autor a já ter chegado no país.

Todo mundo sabia que Fosse era um dos favoritos ao prêmio, mas a mandinga da editora funcionou. Nesta quinta (5), quando o Nobel saiu, o Plural procurou Leonardo para falar sobre o livro e sobre o autor, que afinal ainda é pouco conhecido por aqui (antes, a Companhia das Letras e a Tordesilhas tinham lançado obras de Fosse em português).

Para o brasileiro que, como eu, jamais leu Jon Fosse, o que nós precisamos saber antes de encarar o homem?
Que ele é um esteta da língua como poucos, que escreve numa variante minoritária do idioma norueguês, o nynorsk, neonorueguês, marcado pela oralidade, que não por acaso tornou-se conhecido antes como dramaturgo e poeta do que como prosador propriamente dito, que tem também um destacado trabalho como tradutor de obras clássicas para o nynorsk.

Você acaba de traduzir um livro dele pela Fósforo. Conta um pouco do projeto
Fiquei extremamente feliz com o convite já na perspectiva de que ele fosse ganhar o Nobel este ano, pois já era apontado como um forte candidato ao prêmio havia muito tempo. É uma experiência comparável a traduzir Guimarães Rosa — não que eu me considere um Curt Meyer-Clason, mas a maneira como ele usa o idioma impõe desafios semelhantes. A Fósforo, que parece ter um bom timing para prêmios Nobel, aliás, deve lançar outros títulos dele, inclusive poesia e dramaturgia.

É muito complicado traduzir do norueguês? Quais são as diferenças de estrutura que existem? Acho que só você anda traduzindo esses caras…
Meus amigos Guilherme da Silva Braga — que, aliás, já traduziu Fosse — e Kristin Lie Garrubo — esta traduz de e para o norueguês — deixam o sarrafo lá em cima e me inspiram no trabalho que faço. É sempre um desafio, decerto fácil não é, mas faço com gosto como uma criança que monta um quebra-cabeças, o que no fundo é a arte da tradução.

A literatura nórdica ganha mais Nobel porque a Academia lê no idioma deles ou tem tanta gente boa assim mesmo?
A Escandinávia em geral, e a Noruega em particular, é talvez hoje o melhor lugar para quem produz, vive e gosta de literatura. Por isso que sempre digo aos meus amigos das editoras brasileiras que olhem mais para o prêmio do Conselho Nórdico, por exemplo… Tem tanto ouro aqui que passa despercebido por aqui. Mas digressiono. Os nórdicos tratam o livro com a seriedade que merece, e desde o preço de capa às compras governamentais, passando pelo incentivo à exportação (tradução, produção editorial, presença de autores em lançamentos e feiras) e estímulo à leitura, tudo faz parte de um ciclo virtuoso que mostra resultados, como esse Nobel — um prêmio, aliás, que só não vai unicamente para escritores da região por outras questões geopolíticas que transcendem a literatura e são relevantes também. Mas em termos de qualidade literária é indiscutível essa prevalência. Noruega, escrevem-se bons, excelentes livros que são consumidos por leitores ávidos e exigentes que se interessam por livros assim — venham de onde vier. Não é tão complicado. Podíamos fazer igual.

Além do livro que você traduziu, o que mais você recomendaria dele?
Vem novidade por aí. Vai demorar um tantinho, mas finalmente foi o Fosse, como o próprio talvez dissesse.

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