Marta Cai, a escritora italiana que gestou seu primeiro romance em Curitiba

Livro de estreia de autora, escrito no Brasil, foi finalista de um dos prêmios mais importantes da Itália

“A condição do estrangeiro é muito parecida com a do escritor. Ambos vivem duas vidas. O estrangeiro está entre seu passado e o presente. O escritor, por outro lado, vive o seu dia dia mas também a historia que está contando.” Essa é a descrição que a escritora italiana Marta Cai faz da sua nova vida em Curitiba, cidade para onde se mudou em 2020 e que já ajudou a escritora a concluir seu primeiro romance, ‘Cento Milioni’, publicado pela prestigiosa editora Einaudi. Um livro que em setembro deste ano ficou em terceiro lugar no prêmio literário Campiello, um dos mais cobiçados da Itália.

“Cheguei em Curitiba depois de ter vivido muitos anos em uma pequena cidade da região Piemonte, no norte da Itália. Meu marido passou num concurso para ensinar na PUCPR e daí mudamos para o Paraná”, diz Marta, acrescentando que, quando soube desta notícia, percebeu que havia chegado o momento certo para escrever um livro.

A aventura de Marta no mundo da literatura, no entanto, começou muita anos antes, quando ela decidiu frequentar um curso de escrita criativa na cidade piemontesa onde viveu durante quase dez anos. “Decidi fazer este curso porque queria conhecer pessoas que tivessem interesse pela leitura”, diz Marta, explicando que foi graças a essa experiência que voltou a escrever depois de muito tempo. “Desde criança sempre gostei de ler e comecei a escrever muito cedo mas parei por volta dos dezoito anos, quando conheci os livros de Thomas Mann, porque achava que ele era a verdadeira literatura.”

Aquele curso de escrita representou o primeiro passo de Marta na carreira literária. “Quando trabalhei para o meu projeto de doutorado, era como se eu estivesse organizando as peças de um quebra-cabeça. Durante a escrita, eu não só tive que reorganizar as peças, mas também criá-las.”

Porém, escrever não é suficiente para se tornar um escritor, é preciso mergulhar no mundo da leitura. “Com os outros autores, você aprende que não existe uma única forma de escrever, mas existem várias formas para exprimir um conceito”, conta Marta que, além das regras da escrita, sublinha como a literatura permite descrever a realidade a partir de um novo ponto de vista. “Você se distancia da realidade mas continua fazendo parte dela, então você está dentro e fora ao mesmo tempo e isso me permitiu libertar-me de muitas coisas que estavam dentro de mim”, revela a escritora, que desta forma conseguiu acabar a redação de ‘Cento Milioni’.

O romance nasceu de um estudo profundo da realidade piemontesa por parte da autora. ‘Cento Milioni’ conta a história de uma mulher qualquer que vive numa pequena cidade que é uma proteção mas ao mesmo tempo um obstáculo ao seu desenvolvimento. “A característica típica de todas as pequenas comunidades, assim como de algumas grandes cidades, é de preservar a sua natureza e por conta disso todas as coisas diferentes são percebidas como uma ameaça ao sistema de poder”, afirma Marta.

O cenário do romance é diretamente ligado à protagonista. Teresa é uma senhora de 47 anos que mora com os pais e que de repente se apaixona por Alessandro, um homem muito mais novo. “No começo queria fazer o leitor duvidar que o objeto do desejo de Teresa pudesse existir, mas quando me mudei para Curitiba criei esse personagem masculino que tem muitas coisas em comum com Teresa”, continua a autora, acrescentando que ambos os protagonistas têm dois problemas com a solidão. 

A solidão de Teresa é condicionada por elementos externos, como a cidade e a sua família, que lhe impõem ritmos e regras. A solidão de Alessandro tem relação com o abandono. São duas solidões ditadas pela incapacidade de amar porque ninguém tentou ser bom como estes personagens. “Se eu tivesse descrito Teresa como uma louca, a história não teria funcionado. Meu objetivo era descrever uma história real e comum a muitas pessoas, queria mostrar a solidão de uma vida que tem tudo, mas que na realidade é a ponta do iceberg de uma dor silenciosa.”

Um elemento que inspirou Marta Cai foi o ‘caso Rosborch’. Gloria Rosboch era uma professora de 49 anos que vivia em uma província no norte do Piemonte e desapareceu no dia 13 de janeiro de 2016. No mês seguinte, seu corpo foi encontrado em um depósito de lixo. As investigações apuraram que o responsável pelo homicídio foi um aluno da Rosboch, por quem a mulher se apaixonou. Prometendo a ela uma nova vida em França, o jovem roubou-lhe 187 mil euros e matou a mulher quando ela descobriu tudo. “Quando este caso foi resolvido, fiquei chocada com o desespero desta mulher. O mais doloroso foi a imagem que a mídia criou dela, porque todos os jornalistas acharam que Gloria era ingênua. Na verdade, ela foi condicionada pelo contexto em que viveu”, diz a autora.

Longe do seu Piemonte, a nova vida de Marta Cai recomeçou em Curitiba, cidade que ajudou a escritora na redação de ‘Cento Milioni’ e que talvez poderá servir de inspiração para seu próximo livro. “Já estou trabalhando nisso, mas primeiro terei que me recuperar do choque de chegar entre os finalistas do prêmio Campiello”, conta ela.

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