Julia Raiz escreve sobre amor e vida em “As metamorfoses do Sr. Ovídio”

Julia Raiz constrói um texto carregado de cenas incríveis e surreais no livro que lança nesta quarta-feira (15), na Arte & Letra

“As metamorfoses do Sr. Ovídio” é feito de uma sequência de cenas incríveis e surreais – várias delas oferecem ideias lindas sobre o amor e a vida. “Quando alguém sofre”, escreve Julia Raiz, autora do livro, “as respostas prontas são como adesivos sem cola, não se fixam em lugar nenhum, muito menos em superfícies rugosas como o cérebro”.

Julia Raiz (pronuncia “ráis”) é uma paulistana radicada em Curitiba. É também uma escritora com um podcast em que “lê coisas”. O livro que ela lança nesta quarta-feira (15), às 18h30, na Arte & Letra, é difícil de definir.

“Eu poderia dizer que é um livro de prosa poética”, explica a autora, em entrevista ao Plural, por e-mail. “Mas eu também gosto de pensar na metamorfose como um gênero próprio, com características específicas.” Então “As metamorfoses do Sr. Ovídio” seriam uma obra de prosa poética em forma de metamorfoses. “Será que é muita viagem? Ainda estou pensando sobre essas questões”, diz, emendando um “rs” (de risos) no fim da frase.

Na entrevista a seguir, Julia Raiz fala sobre ter como referência um poeta romano do século 1º a.C. e sobre quem, afinal, é o Sr. Ovídio.

Por que você escolheu “As metamorfoses”, de Ovídio, como uma referência, ou como um ponto de partida, para o seu livro?
Não foi uma escolha tão consciente, foi mais uma espécie de download. Em 2018, acordei uma madrugada achando que seria engraçado escrever um livro chamado “As metamorfoses do Sr. Ovídio”, tirar um sarro e fazer torções com essa tradição. Eu tinha lido uma reportagem sobre as estátuas gregas que na verdade não eram acinzentadas do jeito que a gente conhece elas hoje, mas sim bastante coloridas. Fiquei com essa imagem na cabeça: esses símbolos da suposta “elegância sóbria” da tradição ocidental eram carregados de uma mistura escandalosa de cores primárias. Eu já tinha entrado em contato com trechos do livro de Ovídio, mas nunca tinha lido o livro inteiro. No final das contas, o que me interessou mais foi a biografia cheia de acontecimentos intensos da vida do autor que inclusive foi exilado pelo imperador Augusto. Mesmo assim preferi não pesquisar a fundo nem o livro nem o autor até terminar de escrever. Porque o que eu precisava naquele momento era me divertir, eu estava travada na escrita, precisava dar um salto de novo para dentro do prazer e da auto permissão como escritora.

Antes, você pensou o seu livro como poemas, não? Assim como o clássico de Ovídio. Por que você acabou optando por escrever em prosa?
Escrevi a primeira versão em prosa e depois experimentei passar algumas partes pra verso, mas não funcionou, não sei muito bem por quê. Talvez seja uma marca do meu trabalho mesmo, isso de fazer uma prosa experimental (tem gente que chama de prosa poética). Eu gosto de pensar nessas categorias frouxas, porque quanto mais frouxa a categoria, mais espaço eu tenho pra fazer o que eu quiser sem me preocupar com formulações. Isso tem sido muito importante na minha trajetória como escritora, porque antes eu achava que nunca ia conseguir escrever um livro – mesmo sentindo necessidade de voltar pra escrita sempre – porque não conseguia fazer uma narrativa com uma forma mais reconhecível. Então ficava me perguntando se eu podia mesmo ser escritora. O que eu consigo fazer é isso aí: essa mistura de prosa com poesia, com tamanhos e formatos diferentes, eu gosto de experimentar.

Afinal, quem é o sr. Ovídio?
O Sr. Ovídio é uma pessoa (mesmo quando não é humano) e como pessoa é potência. É ao mesmo tempo ninguém e todo mundo. Ele é uma superfície oca que não para de girar. Girar em direção à mudança. Eu adoro as coisas ocas porque posso soprar dentro delas e ouvir o barulho do ar passando pelo espaço, preenchendo tudo e depois escapando. Consigo entender agora, com o lançamento e depois de quase quatro anos que o livro já existe, que o movimento do Sr. Ovídio começou há muitos anos atrás. Quando eu e meu irmão mais novo a gente gostava de imaginar outra vida pra gente. Uma vida em que a gente teria dinheiro e menos problema. A gente se imaginava como vendedores de cachorro quente ajudando a família a pagar as contas ou como os donos de jipes que podem viajar por aí. Por isso acho que o coração do livro está na metamorfose. Depois, quando eu era adolescente, Sr. Ovídio foi crescendo dentro da minha cabeça quando eu li “Teleco, o coelhinho”, conto do Murilo Rubião sobre um coelho que conseguia mudar de forma e morreu por amor, no final, como uma criança suja e desdentada. Sr. Ovídio existe por causa da nossa vontade de criar outras realidades quando criança; por causa do conto do Rubião; e, no final, por causa da filósofa francesa Catherine Malabou que diz que a tradição ocidental faz com que as metamorfoses sempre preservem uma essência do ser. O Sr. Ovídio não tem essência, ele escapa no final do livro até do próprio nome. O Sr. Ovídio é um sonho de libertação, no final das contas.

Livro

“Metamorfoses do sr. Ovídio”, de Julia Raiz. Arte & Letra, 60 páginas, R$ 40.

O lançamento com a presença da autora será na Livraria Arte & Letra (R. Desembargador Motta, 2.011 – Centro), nesta quarta-feira (15), a partir das 18h30.

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