Julia Dantas usa amor platônico para discutir transexualidade em “Ela se chama Rodolfo”  

Livro da escritora gaúcha analisa o significado de ser homem ou mulher, e revela segredos de personagem com sutileza

“Ela se chama Rodolfo” é o segundo romance da gaúcha Julia Dantas e logo quando li o título pensei que se tratava de transexualidade. Rodolfo, na verdade, é uma tartaruga.

Fiquei bastante curiosa no decorrer da leitura em entender o porquê de a história discorrer sobre Rodolfo, que fica sob os cuidados de Murilo, o primeiro personagem apresentado na trama.

Assim como no primeiro romance de Julia Dantas (“Ruína y leveza”), o texto é construído com boa técnica. Um ponto positivo é o regionalismo, algo que enriquece a narrativa – e que eu adoro.

“Pensando bem, tampouco conhece Porto Alegre”, escreve Dantas. “Tudo que já analisou na cidade se resume ao seu bairro, às avenidas que levam aonde já estudou e trabalhou e ao Centro. Conhece algumas escadarias que cortam quadras em atalhos, sabe quantas quadras tem sua rua, sabe quantos metros tem uma quadra-padrão, sabe que a numeração das ruas começa na ponta mais próxima ao rio, sabe o significado das borboletas brancas e das mãos gigantes pintadas no asfalto, sabe a técnica para caminhar sobre as flores murchas de Ipê sem escorregar e sabe os itinerários do T1 ao T12, mas, ainda assim, vive há décadas sem saber se os botões da sinaleira realmente trocam a luz para vermelho ou estão ali só para dar algo que fazer aos pedestres impacientes.”

Ajuda

Rodolfo é o animal de estimação de Francesca, que está internada e por essa razão precisa de ajuda para cuidar da tartaruga.

Compulsoriamente a tarefa sobra para Murilo, que percorre diversas regiões de Porto Alegre com o objetivo de entregar Rodolfo a um tutor adequado.

A comunicação com Francesca é feita por e-mail. Dantas tem uma relação interessante com a América do Sul, já apontada no primeiro livro, e justamente nestas mensagens leva o leitor para uma viagem multicultural.

Também por e-mail, conhecemos Gabbriela, a ex-namorada de Murilo. Entre a dor de uma separação, o início de uma amizade virtual com Francesca e a descoberta do amor por Rodolfo o livro, enfim, revela a discussão central: o que é ser um homem? O que é ser uma mulher?

Uma mulher

Murilo passa o livro todo tentando encontrar alguém responsável para ficar com Rodolfo porque pretende viajar e encontrar a ex.

Isso faz com que a troca de e-mails entre ele e Francesca fique cada vez mais intensa e a relação se torna um amor platônico. O passo seguinte é o encontro presencial.

“Murilo já vira muitos travestis na Voluntários da Pátria, nos restaurantes, em passeatas. Isso era diferente, claro, e Camilo já havia explicado para ele os pormenores das variações trans, travestis, drags, não binários e outros nomes que ele não podia decorar. Murilo nunca gostara de ver essas pessoas pelas ruas. Sentia-se de algum modo agredido. Mas agora, ali, não se acha em nada ameaçado. Tem vontade de perguntar para Francesca tinha apenas aparência de mulher ou fizera alguma cirurgia”.

Sentir

Me lembro bem quando assisti ao filme “A garota dinamarquesa” (2015). Eddie Redmayne me fez sentir o que sentia Lili Elbe. E acompanhar o nascimento da verdadeira pessoa naquele corpo.

Diferente do filme, no livro Dantas é bastante sutil ao revelar “o segredo” de Francesca. Penso que mais detalhes sobre a transição de gênero poderiam enriquecer a narrativa. Contudo, isso não diminui a importância de discutir a transexualidade na literatura.

Livro

“Ela se chama Rodolfo”, de Julia Dantas. Editora DBA Literatura, 264 páginas, R$ 59,90.

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