Faltam equipes de teatro só com mulheres mesmo no Festival de Curitiba

Peça "Fevereiro ou Fica, vai ter bolo" é uma das raras com equipe inteiramente de mulheres nos palcos e até nas mostras do Festival de Curitiba

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A direção e a curadoria do 31º Festival de Curitiba se esforçaram para montar um evento coerente com o mote ‘O Festival para Todos’ em diferentes aspectos, principalmente pensando na inclusão e na representatividade. Mas isso não é tão simples. A reflexão sobre a realidade das mulheres e sobre o feminismo estão subindo ao palco em espetáculos da Mostra Lúcia Camargo e também de seleções específicas do Fringe, como a III Mostra Mujeres, criada por  Cleo Cavalcantty e Luana Godin, e a Mostra Solo, mas não só – Mulheres em rede, capitaneada por Cynthia Margareth e Natália Sá. 

Ter esses temas em cena é digno de aplausos, contudo, ao passar os olhos na programação ainda falta algo: equipes integralmente formadas por mulheres (mesmo nessas mostras mais engajadas). O assunto sobre as barreiras que as mulheres encontram para assumir funções técnicas nas artes cênicas é recorrente nas falas das profissionais da área.

Grupo só de mulheres no Festival de Curitiba

O Plural entrevistou Natália Sá, do Grupo Parahyba Rio Mulher, que apresenta no Festival de Curitiba a peça “Fevereiro ou Fica, vai ter bolo” – uma das raras só com mulheres no palco e nos bastidores.

Natália conta que o espetáculo, um ensaio sobre o luto, foi um trabalho que nasceu enquanto cursava a especialização, a partir da perda de sua mãe. Ela escreveu, dirigiu e concebeu o trabalho sob a orientação de Karina Almeida e, logo, outras mulheres entraram na montagem. O espetáculo foi incorporado ao repertório do Grupo Parahyba Rio Mulher porque a diretora já era integrante da trupe, que tem a premissa e o cuidado de convidar e dar espaço para as profissionais. “A questão da competência não é o que nivela o jogo nas posições de destaque, não é a competência que rege as decisões na hegemonia. Por isso é preciso abrir caminhos e oferecer condições de representatividade e também de proporcionalidade”, diz a artista.

Derrubar mitos

Apesar da condição não ser algo exclusivo do teatro, e sim uma desigualdade presente em qualquer outra área, Natália aponta questões históricas que dificultam a chegada das mulheres até as funções técnicas dos espetáculos. No caminho estão o apagamento e a invisibilidade, a exclusão e a misoginia; fatores em grande parte resultantes do “mito de que os homens desempenham melhor”. Também falta refletir sobre a proporcionalidade, pois não adianta ter equipes com poucas mulheres  ou apenas uma para “cumprir a cota”, é preciso expandir significativamente a presença feminina nessas posições de trabalho. “A gente precisa fazer isso talvez chutando a porta mesmo, talvez abrindo à força esses espaços e dizendo ‘eu posso, eu estou aqui fazendo’. Então as próximas mulheres poderão também”, fala a encenadora.

Patriarcado cruel 

Fica claro que para “chutar essa porta” é preciso fazer cada vez mais, para mulheres e por mulheres. Natália fala que trilhar esse caminho não é fácil, é doloroso, mas destaca que muitas das conquistas das artistas e profissionais de hoje só existem porque outras mulheres saíram na frente. Sobre o futuro, ela espera que não seja tão cansativo, para todas e não somente na arte; que não seja preciso tanto esforço para derrubar a hegemonia masculina, do homem Cis, hetéro, garantida pelo patriarcado de maneira cruel. “Lutar por isso exige muito, uma imagem que sempre me vem é a gente abrindo caminho com facão mesmo, como se abre a mata fechada”. 

“Fevereiro ou Fica, vai ter bolo” no Festival de Curitiba

Sinópse

Em uma celebração de aniversário, a protagonista vive os cinco estágios do luto. A festa e perda se confundem em gestos de nascimento, vida e morte. A obra nasceu da morte da mãe da encenadora e serve como ponto de partida para pensar a perda também relacionada aos contextos políticos e sociais, frente à luta pela manutenção da vida. 

Ficha técnica

Espetáculo do Grupo Parahyba Rio Mulher, com direção, texto e performance de Natália Sá, com orientação de Karina Campos de Almeida. A assistência de direção é de Cely Farias, e a direção de movimento é de Aretha Paiva. A iluminação foi criada por Andressa Mello e é operada por Kassandra Brandão. Cely Farias está na operação de som e projeção; e Gabriela Arruda na produção. 

Apresentações no Festival de Curitiba

Na quarta-feira (29/03), às 16h; quinta-feira (30/03), às 11h; e sexta-feira (31/03), às 21h; no Mini-Guaíra (Auditório Glauco Flores de Sá Britto). Ingressos à venda no site do evento e na bilheteria física (Shopping Mueller) por R$ 15 (meia) e R$ 30. Outras informações, aqui.

Sobre o/a autor/a

4 comentários em “Faltam equipes de teatro só com mulheres mesmo no Festival de Curitiba”

  1. Muito bem colocado. Muitas artistas boas merecem estar atuando porém ainda muitos diretores e produtores de elenco continuam aumento o clube do bolinhas e coloca do seus parcas pra atuar

  2. Aliás o jornal fez um levantamento comparativo de quantas peças são formadas 100% por homens para saber se essa diferença é tão grande a ponto de merecer esse olhar?

  3. Me parecem coisas diferentes: 1. olhar para a presença das mulheres e a representatividade delas nas diversas mostras e funções; e outra 2. fazer um apanhado geral para saber em qual trabalho a equipe é 100% feminina.

    Tão raro quanto uma peça formada 100% por mulheres é outra formada 100% por homens. Não enxergo a relevância de se fazer essa distinção. Considero sim importante olhar para a presença delas, sobretudo em funções técnicas nas quais a paritipação masculina é maior e refletir sobre isso.

    Mas realmente não entendi a importância de contar e divulgar apenas as peças com presença 100% feminina. Isso é indicativo de qualidade para que eu vá ver apenas esses espetáculos ou qual a importância disso? Ainda mais na área teatral que já é muito mais porosa e diversa do que outras profissões.

    No entanto posso estar enganada na minha avaliação e receberei com interesse um retorno do jornal sobre a importância desse levantamento.

  4. Porque “só com mulheres”. Você apoiaria um espetáculo onde só homens poderiam participar?
    Apoio o movimento de valorização das mulheres mas não pode se tornar um movimento contra homens, creio.
    Direitos iguais para ambos os gêneros, esta é luta.

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