Escritores indígenas celebram Ailton Krenak na ABL

“Estávamos precisando de uma referência indígena nesse espaço. Outros poderão agora seguir o mesmo caminho”, comenta Tiago Nhandewa

O escritor indígena Ailton Krenak foi eleito hoje para cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL), uma instituição conhecida por seu conservadorismo. Um dos autores brasileiros mais importantes da atualidade, Krenak vem ocupando um lugar de destaque no pensamento social no país, ao denunciar a superexploração do meio ambiente e a destruição dos povos tradicionais em prol do grande capital.

Krenak vai ocupar a cadeira que ficou vaga com o falecimento do historiador José Murilo de Carvalho, ocorrido em agosto. Com uma vitória expressiva com 23 votos, sua eleição foi disputada com a escritora Mary Del Priore, que recebeu 12, e com Daniel Munduruku, também indígena, com 4 votos. Krenak é autor de livros como “Ideias para adiar o fim do mundo”, “A vida não é útil”, “Futuro ancestral” e “O sistema e o antissistema”.
Nascido em 1953 em Itabirinha, Minas Gerais, na região do Vale do Rio Doce, Krenak tem destacado em entrevistas a destruição de sua região devido à exploração de minérios. Ele ressalta que o que aconteceu com sua comunidade atinge diversos povos indígenas no Brasil, que são obrigados a viver em condições precárias devido à exploração de atividades de alto impacto ambiental e humano.
Além de escritor traduzido em diversos países, poeta e filósofo, Krenak vem atuando desde os anos 1970 pelos direitos dos povos originários. Durante a Constituinte, ele e outros líderes trabalharam para garantir a inclusão de disposições que protegessem os direitos dos povos indígenas, suas terras e sua cultura na Constituição de 1988, cujo aniversário de 35 anos coincidiu com a eleição de Krenak para a ABL.

Uma longa amizade

Foi nessa época que o escritor indígena paranaense Olivio Jekupe conheceu Krenak. Ele lembra que era estudante de filosofia em Curitiba, e decidiu visitar Krenak em 1988 em sua ONG em São Paulo, mas devido aos compromissos deste com a Constituinte, não conseguiu se aproximar dele naquele momento. Só depois, nos anos 1990, já morando em São Paulo, Jekupe começou uma amizade que dura até hoje. Foi nessa época que também conheceu Daniel Munduruku, nos corredores da Universidade de São Paulo (USP), onde os dois estudavam.
“No Rio de Janeiro, nós três nos víamos com frequência nos encontros de escritores indígenas, e eu sempre fiquei feliz porque o Ailton, nos eventos, dizia que eu era o escritor predileto dele! É maravilhoso ver pela primeira vez um indígena fazendo parte da Academia. É uma forma de luta, porque nós temos que estar em todos os cantos para defender as nossas causas. A gente precisa ter voz. E as vozes vão ser ouvidas quando as pessoas lá de dentro puderem denunciar para a imprensa o que acontece com os indígenas, como a violência de todos os dias”.
A escritora, professora e ativista Eliane Potiguara, considerada a primeira escritora indígena do país, afirma que “a vitória de Krenak na ABL é uma conquista”. Segundo ela, trata-se de uma realização “histórica e ancestral, pois nossos mortos do passado e do presente esperam há tempos por justiça, no sentido do reconhecimento de nossas culturas, línguas e tradições étnicas”. Isso porque “mães, viúvas e idosas aguardavam essa representatividade tão negada pelos sistemas escravagista, paternalista, racista e ditatorial, inclusive contemporâneo. Ainda temos uma luta contra o Marco Temporal”.
Eliane afirma que os escritores indígenas têm muito a contribuir na ABL. De acordo com ela, os indígenas estão abrindo espaços e visibilidade para seu protagonismo nas áreas de educação, nas artes, nas políticas públicas e no setor de publicações, com a literatura indígena nas escolas, universidades e instituições. “Assassinar indígenas, estuprar e violentar mulheres agora se tornou complicado para as empresas e o agronegócio, pois teremos uma voz que ressoará com mais força na imprensa e na sociedade”, diz ela.
Para o escritor Tiago Nhandewa, no caso específico dessa eleição da ABL, “não importava quem ganhasse, pois estaríamos bem representados”, diz ele, referindo-se ao fato de que a cadeira estava em disputa entre Munduruku e Krenak. “Pois os dois representam muito para a literatura indígena. Cada um deles contribuiu com sua luta”. Nhandewa lê a chegada de Krenak à ABL como um grande incentivo para os novos escritores.

Mudando a ABL

Para a professora de antropologia Valéria Santos, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a eleição de Krenak para a ABL é “da maior importância”. Segundo ela, Krenak emerge como uma figura vital nesse esforço coletivo de demonstrar que o mundo está constantemente em processo de criação, e que não há uma única “narrativa ameríndia”, mas sim diversas perspectivas igualmente valiosas.
Ela afirma que a eleição de Krenak não é apenas uma justa homenagem aos povos indígenas, mas também uma oportunidade para a própria Academia se enriquecer e educar, ampliando seus horizontes e reconhecendo a riqueza das vozes e perspectivas indígenas que há muito tempo contribuem para a riqueza cultural do Brasil.

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