“Encontrar a angústia na arte nos deixa menos angustiados”

Em entrevista, a artista visual Nicole Lima fala sobre como as pandemias influenciaram as artes plásticas, tema de seu minicurso on-line

A artista visual Nicole Lima fará um minicurso on-line com o tema “Arte em tempos de pandemia”. Serão dois módulos abordando como obras e artistas foram marcados por algumas das maiores tragédias da humanidade.

O primeiro módulo terá como tema “A história da arte em tempos de pandemia” e o segundo, “A arte contemporânea e as pandemias”. Eles serão ministrados em dois sábados consecutivos, 16 e 23 de maio, das 18h30 às 20h30.

Doutora em Artes Visuais pela Unicamp, Nicole é professora nos cursos de Publicidade e Fotografia, na Universidade Positivo. Ela mesma é artista visual e, na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp, ela explica como as artes plásticas desempenham uma função paradoxal: “encontrar a angústia na arte nos deixa menos angustiados, porque sabemos que não estamos sozinhos”.

Da história da arte, e dos artistas que estuda, você já conseguiu extrair algum tipo de compreensão sobre o que a gente está vivendo agora?

Sim, a arte sempre reflete o que a humanidade construiu. Ela mostra tanto o horror e a barbárie quanto a solidão, a perda, a solidariedade. Um dos artistas que vou apresentar no minicurso, por exemplo, é o Egon Schiele. Ele morreu, vítima da gripe espanhola, três dias depois de perder a mulher, grávida de seis meses, também para a gripe. Nesse período final ele se retratou e retratou também sua mulher. Quando estive em Viena e vi essas obras ao vivo, minha filha estava no Brasil. Naquela época, não havia sequer ameaça de pandemia, mesmo assim, senti na carne aquela dor. A arte nos convoca a essa comunhão.

Hoje, isoladas em casa, as pessoas precisam de arte para rebater a ansiedade (umas) e o tédio (outras). Então buscam a música, o cinema, as séries, a literatura… mas parecem fazer isso como uma forma de escapismo, como se ninguém mais aguentasse ouvir falar da pandemia, embora ela não vá passar tão cedo. Na abordagem proposta por você, no minicurso, parece que as artes plásticas funcionam de maneira um pouco diferente e, em vez de distrair das dificuldades, fazem pensar e, de certa forma, sentir os problemas que retratam. Essa afirmação faz sentido para você?

Sim, faz todo sentido. Apesar da arte moderna e contemporânea há muito tempo não se ocupar mais da busca pelo belo, exclusivamente, as pessoas em geral ainda esperam ir aos museus e encontrar alguma espécie de divertimento, algo que sirva, como você disse, como uma fuga da realidade, algo que lhes conforte, ou até mesmo obras que muitas vezes servem apenas de fundo colorido para selfies. E daí, quando elas entram nos museus de arte contemporânea, se deparam com o estranhamento, com instalações que as perturbam e que as provocam a pensar e sentir coisas que talvez não estivessem preparadas para sentir. O cinema também faz isso, nos dá socos no estômago, mas enfrentamos a ficção com mais desenvoltura e até usamos o choro como uma forma de catarse. Essa arte não trata da ficção, ela nos apresenta o real da forma mais crua que pode. Não que os artistas queiram nos causar mal, pelo contrário, mas talvez busquem estabelecer um vínculo com o que temos de mais humano, com a crueza da realidade, sem idealizações.

Acho que uma parte da busca das pessoas pela arte nesse período da pandemia da Covid-19 é ainda o conforto do divertimento. Mas também acho que outras procuram alguma forma de reflexão mais profunda que traduza esse incômodo que estamos vivendo. Paradoxalmente, encontrar a angústia na arte nos deixa menos angustiados, porque sabemos que não estamos sozinhos.

“Mãe morta” (1910), de Egon Schiele, mostra a criança ainda viva no ventre. (Reprodução)

Como você está lidando com esses tempos de isolamento?

Eu tenho estudado e pensado muito, no tempo que sobra entre manter as aulas que dou na universidade (on-line) em dia, manter a sanidade e a sobrevivência de todos em casa. Não tem sido fácil, mas ainda me considero uma pessoa bastante privilegiada por poder ficar em casa com as pessoas que amo, quando tantas pessoas estão sendo obrigadas a trabalhar, ou não têm sequer como comprar o básico para sobreviver. Essa pandemia expôs muitas das nossas feridas sociais, que já eram profundas, mas encobertas por discursos esfarrapados como meritocracia ou empreendedorismo. O capitalismo está nu. Também tenho refletido sobre o que será de nós depois que isso passar, como as relações afetivas, de trabalho ou consumo vão ser (ou não) transformadas por essa pandemia. Não tenho as respostas, ninguém tem, mas acho que muitas pessoas estão olhando mais para si, não de uma forma egoísta, mas questionando seus antigos valores e ideais, o que fazia sentido e o que não faz mais.

Serviço

“Arte em tempos de pandemia.” Minicurso on-line em dois encontros, nos sábados dos dias 16 e 23 de maio, das 18h30 às 20h30, por meio da plataforma Zoom. Acesse aqui para fazer a inscrição. Outras informações, pelo e-mail: <[email protected]>. O valor é de R$ 60 se for fazer apenas um dos módulos e R$ 100 pelos dois.

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