“Doutor Castor” mostra ascensão e queda do maior bicheiro do Rio

Castor de Andrade é o “capo di tutti i capi” retratado em nova série da Globoplay

Castor de Andrade foi o “capo di tutti i capi” no Rio de Janeiro dos anos 1970 e 1980. Como Pablo Escobar, em Medellin, ou Totò Riina, em Palermo. A diferença é que o bicheiro carioca nunca teve que se esconder. Pelo contrário, frequentava a elite, era amado pelo povo e reverenciado pela mídia. 

“Doutor Castor”, a série documental em quatro capítulos que acaba de estrear na Globoplay, mostra como um dos principais mafiosos do país conseguiu construir uma imagem pública respeitada, apesar das suspeitas de homícidios, contrabando e suborno de policiais, juízes e políticos. 

O bicheiro foi por décadas considerado um personagem folclórico, mesmo sendo o líder da cúpula do jogo do bicho que reunia os 14 banqueiros mais poderosos do Rio. Uma quadrilha que ganhou ares de legitimidade graças a maciços investimentos em empresas legais, mas sobretudo no futebol e no samba.

Os torcedores do Bangu Atlético Clube o idolatram ainda hoje, após ele ter levado o pequeno time ao topo do futebol brasileiro. Na época em que Castor foi patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel, a escola de samba conquistou vários títulos carnavalescos. Tudo financiado com dinheiro sujo. 

O documentário dirigido pelo jornalista Marco Antonio Araujo resgata preciosas imagens da época e as misturas com entrevistas atuais para expor as contradições da figura de Castor: herói para muitos, vilão para a Justiça. Os capitulos exploram também a relação com a ditatura militar e com a mídia.

Os jornalistas Aloy Jupiara e Chico Otavio, autores de “Os porões da Contravenção”, contam que o bicheiro se cercou de capangas egressos das fileiras das polícias e do Exército para dar estrutura e força militar à organização criminosa. Tudo com a complacência do regime e de políticos locais.

Advogado de carteirinha, elegante, de boa oratória, Castor era exibido na mídia como o carioca malandro, mas engraçado e bonachão. A Rede Globo chegou a organizar uma mesa-redonda, mediada por Fátima Bernardes, com os presidentes das escolas de samba, muito deles bicheiros. 

“Hoje seria impossível fazer essa mesa-redonda por causa da baboseira do politicamente correto”, afirma na série José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que foi diretor-geral da Globo entre 1977 e 1997 e amigo de Castor. “Eu não sou juiz e nunca fui delegado. Para mim, o jogo do bicho era uma contravenção. Criminosos eram as pessoas que estavam no governo. Porque, naquele momento, enquanto no jogo do bicho valia o que estava escrito, no governo valia o que estava na cueca”, completou.

Numa entrevista com Jô Soares, em 1991, o chefão vira um personagem pitoresco capaz de arrancar gargalhadas da plateia. Ao contar de certa vez que sofreu um assalto, disse: “Dei uma sorte muito grande que o assaltante me reconheceu e pediu desculpas”. Risos e aplausos no estúdio.

“É o retrato de uma época. [É como se ele dissesse] ‘eu estou aqui com um gângster do meu lado, ele está dizendo que é temido por todo mundo. Vamos rir dessa situação’”, explica Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo.

Tragédia e farsa se misturam tanto na série como na realidade. As entrevistas com ex-jogadores do Bangu, como Moisés Matias de Andrade, o Moisés “paulada”, e Dê Aranha, cheias de elogios para Castor, são divertidíssimas e fazem esquecer quem está realmente atrás da imagem do cartola.

A parábola de Castor durou décadas e só foi interrompida em 1993 pela juíza Denise Frossard, que o condenou, junto com os demais bicheiros da cúpula, por formação de quadrilha. Um crime vago e abrangente, já que a promotoria não conseguiu provar delitos mais graves. Sua queda lembra a de Al Capone, preso por sonegar impostos.

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