Pertinho de Curitiba, famílias lutam contra a fome

Agricultores de Campina Grande do Sul se unem em projeto para superar dificuldades, ampliadas pela pandemia

Terça de carnaval. São 6h da manhã e o sol aponta no horizonte. Logo após o primeiro pedágio da BR-116 o destino se aproxima. A mais de 20 quilômetros do centro urbano de Campina Grande do Sul, região metropolitana de Curitiba, está a Vila Taquari.

Pelo caminho, a estrada de terra não favorece a pressa.

Adriele dos Santos, que nasceu e se criou na comunidade, está acordada e à espera para mostrar a nova horta comunitária. Ela conta que fundou o Projeto Taquari há cerca de 8 anos. A ideia nasceu da necessidade que os moradores tinham de encontrar algum sentido na vida. “Aqui não existe emprego. Não existem cursos. Não existe ônibus. Então o que que o pessoal vai fazer? Vai entrar em depressão. Os jovens vão embora. E quem fica, o que será deles? Foi aí que a gente resolveu se unir e todo mundo se ajuda”, conta Adriele.

Isolados e sem acesso às políticas públicas do município, poucas são as oportunidades de trabalho e muitas são as dificuldades encontradas pela população. Para se deslocar, os moradores precisam percorrer pelo menos quatro quilômetros a pé em estrada de chão para alcançar as duas únicas linhas de ônibus que passam pela região.

“No início eu tinha um comércio e dividia o espaço pequeno entre a venda de ração e milho e um espaço menor para fazer artesanato com as mulheres e atividades com as 10 crianças que começamos a atender.”  Com o número de famílias aumentando, Adriele saiu em busca de ajuda e conta que muitas voluntárias começaram a aparecer.

Adriele, fundadora do projeto. Foto: Giorgia Prates/Plural

Antes da pandemia o projeto já atendia quase 100 crianças com atividades de artesanato, curso de inglês, yoga, reforço escolar e uma Associação com as comunidades vizinhas como Vila Bonfim, Jaguatirica, Canelinha, Terra Boa, Paiol de Baixo, Cerne, Coxó e outras.

Dentre as voluntárias que surgiram para dar uma ajuda ao projeto está a advogada Jozelia Nogueira, Procuradora do Estado do Paraná aposentada, designada pela OAB para assistir a região. “Quando cheguei no Taquari, era muito pior a situação. Era uma situação de pobreza extrema, de abandono do poder público e essas pessoas estavam sofrendo todo tipo de privação. Não era só alimentar. Não era só fome. Era um abandono de saúde, de educação, de assistência social.” afirma. A união com os moradores tinha como foco a liberdade e a autonomia através do trabalho e da renda.

Plantando Esperança

Manter a cultura, sanar o problema da fome e fazer com que as pessoas permanecessem na região – tendo uma renda para sobreviver – foram os principais impulsos para a criação das hortas. De acordo com Adriele as pessoas que antes plantavam na região não tinham onde vender os alimentos e acabavam desistindo e saindo da terra por conta da fome e das dificuldades.

Produtores rurais, descendentes de produtores rurais que empobreceram, mães solo, muitas famílias que já estavam com a saúde mental comprometida devido a situação, não encontravam perspectivas de melhoras no território, e se uniram no propósito de dar andamento a um sonho coletivo. Logo, com pequenas parcerias, foram transformando em realidade o sonho de plantar, colher, cuidar da terra e das pessoas.

Ivonete Aparecida, de 38 anos, mãe de dois filhos, relata: “No começo aqui nós sofremos, antes da horta, Dai eu ficava muito em casa. Agora não. Agora eu estou melhor. É que eu estava em depressão, tomava remédio e injeção. Agora estou melhor com a horta aqui. Estou desde o começo da pandemia aqui. Meu piá está lá ó!” Diz apontando para o horizonte da lavoura.

Ivonete: horta ajuda até a superar a desesperança. Foto: Giorgia Prates/Plural

Hoje o projeto conta com quatro espaços comunitários de plantio e colheita e mais de 30 famílias estão envolvidas e se beneficiam diretamente. Há outras iniciativas de conscientização, como a troca de alimentos agroecológicos por resíduos sólidos (reciclados) e a troca de alimentos excedentes por cestas básicas doadas pelos parceiros amadrinham/apadrinham uma família.

O resultado imediato é visível nos moradores, que já têm melhor saúde física, emocional e psicológica; muitos tinham depressão e hoje encontram na terra o acolhimento que lhes faltava, ressignificando seus vínculos com a vida, com o alimento e dando sentido e propósito ao cotidiano.

O maior desafio: vender

Afastados dos centros comerciais, sem veículos para levar o alimento, o grande desafio sempre foi claro: vender para quem?

Com a pandemia muitos locais de venda da produção das famílias deixaram de funcionar ou tiveram o fluxo de consumidores drasticamente reduzido. “Temos muita riqueza mas não temos mercado. Hoje vendemos de boca em boca, de porta em porta. Por ser muito longe o povo não vem aqui comprar. Não vem pra buscar uma mandioca, um milho verde. A gente quer ir até o Jardim Paulista e fazer uma feira”, diz Adriele.

A OAB, de acordo com Jozelia,  doou a barraca mas a liberação por parte da prefeitura para a comercialização dos produtos orgânicos no centro urbano ainda não saiu. A ideia de se cadastrar nas feiras trazia outras dificuldades. Duas safras foram perdidas durante esse período de pandemia e as famílias ficaram sem renda, trocando alimentos da plantação por outros itens e cestas básicas para compor mesa.

Sala de capacitação do Taquari: esforço coletivo. Foto: Giorgia Prates/Plural

Hoje as famílias seguem precisando de doações e permutas. A cooperativa que faria a compra dos alimentos para a merenda escolar só tem previsão de retorno às atividades em março e durante esse período o pedido é por doações e para que as pessoas comprem as hortaliças dessas famílias.

“O alimento é o que as pessoas mais buscam. Ainda mais agora nessa pandemia, porque está tudo difícil. Quando as crianças iam pra escola, se alimentavam por lá. Tem mãe que dando maizena pras crianças por não ter como comprar leite.”

Venda de produção é a grande esperança. Foto: Giorgia Prates/Plural

A caminhada ainda é longa. A agricultura familiar é uma importante fonte de ocupação e renda para a população, para suportar períodos de isolamento por meio de redes de reciprocidade e confiança. Mas todos os requisitos para que as famílias se enquadrem e passem a ter os direitos ofertados a agricultores familiares levam tempo e existe muita burocracia.

“Então a gente luta por todos os lados. A gente luta para que o governo faça políticas públicas para a agricultura familiar, para que as mulheres tenham renda e possam entrar no mercado de trabalho, que não é fácil e eu sei que tem que ser bem devagar, porque é tudo muito difícil”, diz Jozelia.

“Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.

Sobre o/a autor/a

2 comentários em “Pertinho de Curitiba, famílias lutam contra a fome”

  1. Olá Giórgia.
    Sou uma das voluntárias que se apaixonou pelo projeto.
    Amei ver sua fala em forma de poesia, alguns versos tristes por serem reais, mas outros de esperança também por serem reais.
    Estamos longe de um futuro promissor, mas com certeza este Projeto já começou seu passinho de formiguinha para que isto aconteça!
    Deus abençoe a todos!

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