Com “Mirador”, Bruno Costa faz o cinema “mais real possível”

Em entrevista, cineasta fala sobre o trabalho em conjunto com seus atores, a proeza de rodar “Mirador” e os efeitos de colocar uma lupa sobre a paisagem de Curitiba

O cineasta Bruno Costa nasceu em Curitiba e vive aqui. Quando conta a história de Maycon, o jovem que sonha dedicar a vida ao boxe, no filme de “Mirador”, ele coloca o personagem para treinar boxe na mesma academia em que ele treinava. “É algo natural, acabo buscando lugares em que vivi, apesar de o filme não ser autobiográfico”, diz o diretor ao Plural.

“Mirador” é um filme extraordinário que tem algo do realismo social de Ken Loach e dos irmãos Dardenne, mas com os dois pés fincados no Brasil. Mais especificamente, em Curitiba – na Cidade Industrial, no Sabará e em Diadema.

Na entrevista a seguir, feita pelo WhatsApp, Costa fala um pouco sobre os bastidores de “Mirador”, as alegrias e os desafios do filme que custou apenas R$ 375 mil, mas cujo valor é muito, muito maior que essa cifra.

Qual é a característica de “Mirador” da qual você mais se orgulha?
Olha, eu me orgulho bastante de várias coisas no filme, mas – se for para escolher uma – é o trabalho em conjunto com os atores, que resultou em uma direção de atores bem realista. Desde o início, a gente quis imprimir essa característica documental e foi um desafio grande achar um equilíbrio entre as interpretações, porque no elenco existem atores de diferentes escolas.

O Edilson Silva, por exemplo, já nasceu trabalhando no cinema. Ele foi direto para o cinema. Mas a gente também tem não atores, como o Jordan Machado no papel de Vanderlei, e o Victor Haygert interpretando o treinador do Maycon. Dá orgulho o resultado que a gente conseguiu atingir ao equilibrar a atuação de atores de cinema, de teatro e não atores. Boa parte do sucesso do filme se deve a esse trabalho. Os atores são a porta para a identificação das pessoas com o filme, eles estão ali na frente da câmera, contando a história, vivendo isso.

No processo de fazer o filme, qual foi a parte mais difícil?
Foram dois os grandes desafios. O orçamento foi baixíssimo, foi feito com R$ 375 mil, que é muito pouco dinheiro para um longa-metragem. A questão era como tirar do papel o que queríamos fazer, sem deixar que a dificuldade financeira impactasse na qualidade do filme. Então a gente teve que ser muito estratégico nas escolhas estéticas e usar ainda mais a criatividade para solucionar as cenas, para que não se perdesse em qualidade.

O outro desafio foi a questão do tempo, que também tem a ver com o orçamento. Filmamos em 18 dias e, normalmente, não se filma um longa-metragem em menos de quatro semanas. O mais comum são cinco semanas, às vezes seis. Por incrível que pareça, a gente fez em três semanas e não fez nada na correria. Teve um dia mais puxado, em que foi filmada a cena de luta, mas no geral a gente terminava as diárias antes do horário previsto. Isso se deve a sintonia entre equipe e elenco.

A gente também achava que seria um desafio trabalhar com uma criança tão pequena, a Maria Luiza da Costa, que fez a Malu. Ela tinha um ano e oito meses na época da filmagem, mas surpreendeu todo mundo. Você não tem como dirigir efetivamente, como se faz com um adulto, mas fizemos umas vivências antes, com o Edilson e com a Stephanie Fernandes, os pais dela na história. Eles brincavam, desenhavam, e foram estabelecendo uma relação com a criança. Houve alguns dias mais difíceis, mas aí entraram nossos truques de edição para ter a presença da personagem em cena.

Você curte os filmes dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne? Porque, assim como eles, você fala sobre a vida de pessoas comuns, prestando atenção nos pequenos eventos que fazem diferença, que podem mudar tudo. Esse paralelo faz sentido para você?
Gosto muito do trabalho aos irmãos Dardenne e assisti a vários filmes deles. Foram uma referência no sentido de como a câmera iria se comportar, algo bem documental com a câmera muito próxima do protagonista Maycon o tempo todo.

Acho que existe apenas em uma cena em que o Edilson não aparece, e a câmera está sempre muito próxima, respira com ele. Rolou uma sintonia entre o ator e o trabalho muito bom do nosso diretor de fotografia, o Elisandro Dalcin, de maneira que a câmera meio que desaparece. Isso era uma proposta minha, que tudo pareça o mais real possível sem esforço. Algumas críticas reconheceram que se esquece que estamos assistindo a um filme em certos momentos; você compra a história e parece que esse boxeador, pai solo de uma menina, existe. Isso vem muito das referências dos Irmãos Dardenne e também de filmes da Andrea Arnold e do Ken Loach, com a pegada do realismo social.

Perceber Curitiba como o cenário de um filme da categoria de “Mirador” tem um efeito curioso: é como se o filme ajudasse a gente a olhar para a cidade pela primeira vez (de novo), ou até a descobrir uma outra cidade. Você também teve que olhar para a cidade como se fosse a primeira vez?
É curioso porque, às vezes, as pessoas questionam onde se passa o enredo, se é uma cidade qualquer da América Latina. Para mim é evidente que é Curitiba, eu sou curitibano, nasci e moro aqui. O que eu não faço é um esforço consciente para fazer imagens cartão-postal, a minha relação com a cidade acaba imprimindo uma originalidade, é um olhar diferente que mostra essa outra Curitiba periférica.

Tem muitas cenas nos bairros Cidade Industrial, Sabará, Diadema, regiões na borda da cidade – onde o personagem principal reside –, e as pessoas falam em posts de redes sociais que reconhecem os lugares e que é legal ver a sua cidade retratada.

O cinema coloca uma lupa sobre realidades que estão na nossa frente e a gente não presta atenção na correria do dia a dia, assim o filme faz um recorte e aí as pessoas descobrem que Curitiba tem esse lado também. Isso está sempre impresso nos meus trabalhos, mesmo que de maneira inconsciente, pois meu pai era caminhoneiro e eu trabalhava com ele de ajudante, carregando e descarregando o caminhão, também teve um período que treinei boxe na academia que aparece no filme inclusive. Então, é algo natural, acabo buscando lugares em que vivi, apesar de o filme não ser autobiográfico.

Colaborou Luciana Nogueira Melo.

Onde assistir

 “Mirador” está disponível para alugar nas plataformas de streaming Olhar Play, Google Play, iTunes, Apple TV, Oi Play, Vivo Play, Claro TV e YouTube Movies.

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