Da psicodelia ao eletrônico: a aventura alemã que mudou a música mundial

Geração nascida no pós-guerra reuniu influências para criar uma nova forma de expressão

Era o fim da década de 1960 e as rádios da Alemanha Ocidental tocavam enlatados copiados de românticos americanos ou música folclórica. A juventude nascida no ambiente do pós-guerra consumia o rock inglês, mas buscava uma nova identidade e uma forma de expressão própria. Foi longe dos programas de tevê, nos subterrâneos de Berlim, Munique ou Düsseldorf, que essa geração criou o que chamamos de música eletrônica.

Esses grupos foram classificados como Krautrock, ou “rock progressivo alemão”, mas as influências iam da música erudita ao fusion jazz, música minimalista e os experimentos eletrônicos de Karlheinz Stockhausen, compositor erudito que em 1952 já manipulava sons gerados eletronicamente em seu estúdio em Colônia. Os sintetizadores foram popularizados na metade da década de 1960, quando o engenheiro americano Robert Moog e o músico Herbert Deutsch produziram o Moog, primeiro sistema vendido amplamente.

Em 1967, três marcos da música psicodélica foram lançados, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles, “The Piper at the Gates of Dawn”, do Pink Floyd, e “Are You Experienced?”, do Jimi Hendrix Experience. Que foram reinterpretados à sua maneira pelos alemães: abertos aos experimentos e às inovações, distantes do blues americano e do rock e dispostos a enterrar definitivamente o passado.

“O espaço era uma solução”, resumiu John Weinzierl, um dos fundadores do Amon Düül II, uma das primeiras bandas dessa geração, no documentário “Krautrock: The Rebirth of Germany”, produzido em 2009 pela BBC. “Não queríamos ser anglófonos nem alemães, queríamos fazer algo novo”. 

O Amon Düül II era um coletivo baseado em Munique que (dizem) fazia música em castelos, durante sessões de LSD, e teve alguns membros originais envolvidos na criação do grupo de extrema esquerda RAF (ou Baader–Meinhof), responsável por atentados terroristas na década de 1970. Seu primeiro álbum, “Phallus Dei”, é de 1969. 

Enquanto as ruas de várias cidades do mundo pegavam fogo em 1968, parte da juventude de Berlim ocidental procurava o subterrâneo atrás de novas formas de expressão. O lugar mais indicado do underground berlinense nessa época era o Zodiak Free Arts Lab, criado por Conrad Schnitzler e Hans-Joachim Roedelius.

Foi no Zodiak que o Tangerine Dream, um dos mais importantes nomes da música eletrônica em todos os tempos, chegou a se apresentar por seis horas ininterruptas sem receber cachê, só para experimentar os sintetizadores. Criado por Conrad Schnitzler (morto em 2011), o Tangerine Dream é uma espécie de coletivo pelo qual já passaram mais de 30 músicos desde 1969, entre eles Klaus Schulze, Edgar Froese e Peter Baumann, que construíram carreiras internacionais independentes. Lançou mais de 60 álbuns e até hoje lota apresentações na Europa e nos Estados Unidos. Nenhum dos integrantes atuais participou da formação original. “Stratosfear” foi lançado em 1976:

Outro nome que passou pelo Zodiak foi o Ash Ra Tempel, um trio formado pelo guitarrista Manuel Göttsching, pelo baixista Hartmut Enke e por Klaus Schulze, do Tangerine Dream, na bateria, na percussão e nos sintetizadores. O álbum de estreia, de 1971, leva o nome da banda e tem duas faixas instrumentais e experimentais, gravadas em uma jam caótica.

Hans-Joachim Roedelius fez um duo com Dieter Moebius e criou o Cluster, pioneiro na ambient music, em 1971. O Cluster trabalhou posteriormente com Brian Eno e foi uma das principais influências de David Bowie em sua “Trilogia de Berlim”, entre 1977 e 1979, com os álbuns “Low”, “Heroes” e “Lodger”.

O Kraftwerk, de Düsseldorf, é considerado referência por dez entre dez apreciadores de música eletrônica. Foi criado por dois dois estudantes de música erudita, Florian Schneider e Ralf Rütter. “Depois da guerra, nossa música também estava destruída. Nossa geração teve que começar de novo”, declararia Rütter depois do sucesso mundial dos álbuns “Autobahn” (1974), “Radioactivity” (1975) e “Trans-Europe Express” (1977), em um cenário no qual o público alemão consumia majoritariamente as bandas inglesas e americanas.

De volta a Munique, o Popol Vuh fez o caminho oposto: criado como um projeto de música eletrônica pelo tecladista Florian Fricke, o grupo passou a utilizar órgão, percussão, cordas e sopros para criar trilhas sonoras e álbuns com temática espiritualista. A parceria com o diretor Werner Herzog rendeu as trilhas de “Aguirre”, “Nosferatu o Vampiro” e “Fitzcarraldo”.

Outro projeto que merece ser citado é o Faust, criado em Hamburgo. Assumidamente experimental, o grupo que não considerava o rock “uma forma de expressão suficiente” chegou a assinar com a gravadora Polydor. Passou a incorporar sons de ferramentas e máquinas e pode ser considerado o precursor da música industrial. Seu primeiro álbum é de 1971.

Nomes que podem ser procurados nas plataformas de streaming: Can, Neu!, Klaus Schulze, Roedelius, Peter Baumann, Dieter Moebius, Asmus Tietchens e Edgar Froese. O documentário “Krautrock: The Rebirth of Germany”, da BBC, está disponível no youTube:

Este texto é parte do projeto Wuderbar, uma parceria do jornal Plural com o Goethe-Institut para comemorar os 50 anos do instituto em Curitiba

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3 comentários em “Da psicodelia ao eletrônico: a aventura alemã que mudou a música mundial”

  1. Parabéns pela publicação!
    Essa matéria incrível nos remete a bons momentos de audição de grandes obras de Krautrock.
    Como grande apreciador da música alemã, tanto erudita quanto eletrônica e tendo ouvido Kraftwerk e Tangerine Dream durante quase 45 anos ininterruptamente, comento o quão impressionante é o teor vanguardista presente em suas composições.
    Edgar Froese sempre imprimiu intelectualidade e sonoridade incrível em suas peças musicais. “Phaedra”, “Zeit”, “Stratosfear” são verdadeiras obras de arte.
    Ralf Hütter e Florian Schneider empreenderam na criação e na inovação de instrumentos musicais, de ritmos e de sons futuristicos que abriram para sempre as portas para a música eletrônica.
    Lá no início dos anos 1980 Kraftwerk já dizia: “I program my home computer, beam myself into the future…”. Isso é a nossa realidade hoje!
    Florian Schneider deixou um enorme legado para várias gerações de compositores musicais.
    Nunca vi ser tão sampleado quanto Kraftwerk tem sido.

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