Só existe um futuro para o Brasil, e ele passa pela eleição de Lula

Plural e mais de 30 organizações jornalísticas assinam editorial contra reeleição de Jair Bolsonaro. Leia

Em março de 2021, quando o Brasil enfrentava uma das ondas mais mortíferas da pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro imitou uma pessoa com falta de ar ao criticar declarações do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Ele viria a repetir a cena dois meses depois.

As performances de Bolsonaro talvez tenham sido a manifestação mais perversa da sua conduta absolutamente errática à frente do país na pior crise sanitária do último século, mas não foi a única, nem a mais grave.

Sua insistência em recomendar medicamentos comprovadamente ineficazes no combate à covid-19 e o descaso nas negociações com laboratórios para a compra de vacinas foram responsáveis, segundo estimativas, por 400 mil mortes causadas pela covid-19. Mortes que poderiam ter sido evitadas.

É impossível prever uma pandemia, mas ao enfrentar outros problemas crônicos que assolam o Brasil, Jair Bolsonaro teve desempenho igualmente pífio e postura perversa, insensível. Em quatro anos, o Brasil sofreu retrocessos gravíssimos: do aumento progressivo das queimadas na Amazônia à fome, que voltou com força e hoje assombra mais de 30 milhões de brasileiros, passando pelo aumento da violência, do ódio e da intolerância.

Jair Bolsonaro tem em sua trajetória política recorrência de discursos machistas, racistas e homofóbicos. E em seu governo, estes discursos ganharam forma em políticas públicas que reduziam direitos das mulheres, população negra e indígena e LGBTQIA+, como as inúmeras portarias do Ministério da Saúde restringindo acesso ao aborto legal e ataques às demarcações de terras indígenas.

O governo de Bolsonaro foi pautado pela necropolítica. Convivemos quatro anos com uma exaltação constante à morte e à violência, com o armamento ostensivo da população e propostas perigosas como a da excludente de ilicitude, como se não houvessem estudos apontando que esse caminho não soluciona a insegurança sistêmica que vivenciamos — pelo contrário, só a piora.

A principal bandeira de Jair Bolsonaro na campanha de 2018, o combate à corrupção, foi rasgada sem demora. Ele aliou-se ao Centrão e se viu mergulhado em casos de corrupção, dos mais simples — mas não menos graves —, como as “rachadinhas” (desvio de dinheiro público) que parecem ser praxe entre seus familiares políticos, aos grandiosos, com destaque para o “Orçamento Secreto”, um esquema em que nosso dinheiro jorra aos bilhões no Congresso como moeda de troca para garantir sua sustentação no poder. Em situações-limite, Bolsonaro impôs sigilos injustificáveis de 100 anos a documentos que poderiam provar seus evidentes erros.

Mesmo com escândalos recorrentes no primeiro escalão do governo, que levaram à queda de ministros, histórias muito mal contadas, como a dos 51 imóveis comprados com dinheiro vivo e as que envolvem Fabrício Queiroz e os cheques depositados em nome da primeira-dama, e o aparelhamento de instituições como de controle e correição, Bolsonaro teve a pachorra de afirmar que não existiu corrupção em seu governo. A mentira foi institucionalizada. Virou política de governo.

Na economia, que justificou — na figura do ministro de enfeite Paulo Guedes — o apoio de setores poderosos à campanha vitoriosa de Bolsonaro em 2018, o crescimento do Brasil ficou abaixo da média global. Retrocedemos em todos os indicadores que importam, em alguns casos até 30 anos.

Viramos párias internacionais, motivos de piada e constrangimento em eventos globais. Os investimentos em educação, ciência e saúde encolheram e o orçamento federal de 2023 contém um apagão na área social a fim de abastecer o Orçamento Secreto. A cultura foi hostilizada e deixada à míngua; até discurso neonazista foi proferido por quem deveria, antes de qualquer um, defender e promover os nossos artistas.

Não contente em ser um mau governante e um mau ser humano, Jair Bolsonaro atacou todos os pilares da democracia em um exercício destrutivo constante — uma triste lição, sentida na pele, de como as democracias agonizam antes da morte.

Bolsonaro atacou a imprensa, atacou o Judiciário, atacou a urna eletrônica — a mesma que o elegeu várias vezes à Câmara dos Deputados, onde jamais fez coisa alguma, e à Presidência. Em todos os casos, sem provas nem justificativas. Ameaçou, e ainda ameaça, uma ruptura institucional caso não seja reeleito. Ao que tudo indica, em breve se revelará também um mau perdedor.

Entendemos que não reeleger Bolsonaro é o único caminho possível para podermos pensar no futuro. Diante da emergência climática e de um presidente que ataca e humilha a própria população, e diante dos sinais de que a extinção da humanidade é uma trilha cada vez mais sólida, não cabe ter qualquer dúvida quanto à ideia de que outro presidente é a condição mínima necessária para que se possa sonhar com um futuro. Se haverá ou não futuro, isso depende de muitos outros fatores que escapam à capacidade de resolução do sistema político engendrado pelo capitalismo. 

Por isso, acreditamos ser importante nos posicionarmos. Para nós, esta não é uma escolha muito difícil, como sugeriu o histórico e lamentável editorial de O Estado de S. Paulo, em 2018, quando da disputa entre Fernando Haddad e Bolsonaro.

Para nós, a escolha entre os principais presidenciáveis – Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva – é uma obviedade. Longe de ser perfeito, o candidato do PT é o que temos para hoje, como se diz popularmente, ao mesmo tempo em que representa a única possibilidade de discutirmos uma agenda para o amanhã — e é isso que nos interessa, enquanto veículos jornalísticos e cidadãos: parte da nossa cobertura se concentrará em explicitar uma agenda civilizatória urgente para evitarmos o colapso do planeta, algo que ainda parece distante dos planos e das possibilidades de Lula. 

Entre outras lacunas, entendemos que é urgente discutir um marco legal para reduzir as enormes desigualdades entre corporações e pessoas. Para nós, é impossível dissociar as maiores forças políticas do século XXI dos maiores problemas sociais, econômicos e existenciais dos nossos tempos. 

Temos convicção que há uma diferença imensa, incomparável, entre Lula e Bolsonaro. Os dois governos de Lula (2003 a 2010) implementaram uma série de políticas públicas que melhoraram a vida dos mais pobres, mesmo tendo adotado a chamada política do “ganha ganha”, ou seja, beneficiando tanto os grandes empresários, mercado financeiro e agronegócio quanto a camada empobrecida da sociedade. 

Criou medidas emergenciais e de assistência social, como o Bolsa Família, política de valorização do salário mínimo, abriu postos de trabalho e criou programas para produção de alimentos, como o programa de cisternas e o PAA. Implementou ainda os pontos de cultura, iniciando uma política de descentralização do investimento cultural e criou novas universidades. 

Baseados na ciência e em centenas de evidências acumuladas enquanto jornalistas, consideramos que a agenda para o futuro passa por repensar a maneira como o sistema econômico está estruturado — uma agenda na qual o presidente da República e o Congresso podem exercer um importante papel. 

Para voltarmos a ter esperança de um futuro melhor, é preciso derrotar Jair Bolsonaro. E eleger Lula. Defendemos o voto em Lula no primeiro turno porque há uma necessidade urgente de fortalecer a única candidatura com viabilidade de fazer oposição ao projeto de extrema direita de Bolsonaro. 

Isso não significa que acreditamos que se deva assinar um cheque em branco para Lula. Não. A nossa cobertura será crítica também a ele, a possíveis problemas de seu programa eleitoral, de sua campanha, de suas alianças e de seu passado. Iremos cumprir com a missão do jornalismo de fiscalizar os poderes, denunciar abusos, violações a direitos humanos e fundamentais. 

Também sabemos que um possível governo de Lula em 2023 terá ainda mais limitações que os governos de 2003 a 2010, já que as políticas sociais feitas nos dois mandatos contaram com uma situação econômica mundial favorável. E também porque será um governo de composição mais conservadora, sinalizada pela escolha de Geraldo Alckmin como vice na chapa. 

Por isso, para nós, a limitada eleição de 2022 é uma oportunidade de descolonizar o imaginário. De entender que a participação política não se encerra nas urnas, e nem começa nelas. De entender que, antes de agirmos, precisamos recuperar a capacidade de imaginar outro mundo possível. Algo que nos foi tirado ao longo de décadas de tolhimento da atuação social e de construção da política como espaço proibido, sujo e repulsivo. 

Todas as organizações de jornalismo que assinam este editorial têm diferentes posições políticas, mas somos redações que sonham, que acreditam na utopia. Quem tem fome, não consegue sonhar. Hoje, o Brasil está com fome. O Brasil de Bolsonaro é um país com fome. 

Queremos ter o “direito de sonhar”, como disse Eduardo Galeano.  E como disse Davi Kopenawa, é por meio dos sonhos que se faz política. 

Que a gente possa começar 2023 com um horizonte de luta, cobrança e resistência. 

Assinam este editorial:

Agência Amazônia Real
Agência Bori
Agência Saiba Mais
AzMina
CartaCapital
Conquista Repórter
Emerge
Énois
Escotilha
Farofafá
Farol Jornalismo
Fauna News
Gênero e Número
InfoSãoFrancisco
Juicy Santos
Le Monde Diplomatique Brasil
Manual do Usuário
Maré de Notícias
Matinal
Metamorfose
Meus Sertões
Nonada
Núcleo Jornalismo
O Joio e o Trigo
Periferia em Movimento
Plural
Ponte
Portal Catarinas
Rádio Guarda-Chuva
Rádio Novelo
Revista Afirmativa
Revista O Grito
Sul21
Sulacap News

Sobre o/a autor/a

3 comentários em “Só existe um futuro para o Brasil, e ele passa pela eleição de Lula”

  1. Sou português, vivo na minha pátria e daqui por uns escassos meses terei oitenta anos, se lá chegar.
    Para mim, os políticos são os maiores ladrões, mentirosos, vigaristas, etc., etc.; eles vão para a política não para governar as nações, mas se governarem a si próprios; este é o meu pensamento.
    Quanto a esse grande país que é o Brasil, com uns DUZENTOS E DOZE (?) MILHÕES DE HABITANTES, fico pasmado por NÃO HAVER ALGUÉM QUE OS BRASILEIROS ESCOLHESSEM PARA GOVERNAR O PAÍS, possivelmente com mais honestidade, que um destes dois, que já deram provas que de honestos nada têm, pelo menos é o que se tem dito desta gente. Fico pasmado e triste, porque sempre gostei desse povo, sobre tudo, com aquelas pessoas brasileiras com quem convivi ao longo da minha vida de artista plástico.
    BOA SORTE PARA TODO O POVO BRASILEIRO.

  2. Parabens!
    Agora vocês estao indo pelo caminho certo
    Esses textos de humor sao otimos.
    Nunca ri tanto ate ler esses contorcionismos textuais para justificar uma fantasia de quem provavelmente ainda esta em uma realidade psicodelica.
    Parabens, nota do

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