Moro, Dallagnol e a Lava-Jato como marketing político

Lavajatistas atuaram politicamente enquanto operadores do direito, mas se vendem como técnicos e não políticos

Em declaração recente, comentando uma postagem de Eduardo Cunha sobre sua participação na disputa eleitoral, o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol afirmou que “um dia seremos o país em que condenados por corrupção estarão na cadeia e não disputando eleições”. Deltan, que deixou a carreira do direito para se tornar político, concorre ao cargo de deputado federal pelo Paraná. Em uma de suas peças de campanha, apresentou um Power Point em que no centro se encontra seu nome e número e no entorno uma série de aspectos que deseja defender caso eleito: “liderou a Lava Jato paranaense”, “coragem e determinação contra os poderosos”, “recuperou mais de R$15 bilhões para o Brasil”, “contra o ativismo judicial”, dentre outras.

O ex-juiz Sergio Moro também concorre a cargo no Legislativo, para senador pelo Paraná, depois de naufragada a tentativa de concorrer a presidente da República. Embora tenha dito recentemente que “na época da Lava-Jato, eu era juiz e estava cumprindo o meu papel, mas agora que estou entrando na política”, Moro entrou para a política institucional pelo menos dias antes do segundo turno nas eleições de 2018, quando aceitou o convite de Paulo Guedes para se tornar Ministro da Justiça de Bolsonaro.

O que estas candidaturas para ampliar a “bancada lavajatista” têm em comum é a passagem de atores das instituições judiciais para o mundo da política, levando consigo a bandeira do combate à corrupção. Os candidatos e ex-operadores do direito usam a Lava-Jato e o combate à corrupção como estratégia de marketing político. Não são apenas eles que usam essa estratégia de marketing, mas eles são emblemáticos deste “tipo ideal” de candidato.

Sem entrar numa discussão normativa do que isso significa para a política, algumas questões relevantes merecem vir para o debate público.

Em primeiro lugar, eles levantam a bandeira de uma suposta superioridade da técnica em relação à política. A técnica, aqui, é o conhecimento dos instrumentos jurídicos que permitem a estes atores conhecer e combater a corrupção pela via judicial. No entanto, se é verdade que esse conhecimento técnico-jurídico específico é necessário para o processamento de casos no Judiciário, o mesmo não lhes garante os instrumentos necessários para levar adiante o combate à corrupção no âmbito do Legislativo e no mundo da política. A derrota das Dez Medidas contra à Corrupção no Congresso Nacional, a criação da Lei de Abuso de Autoridade no mesmo contexto, a proibição da condução coercitiva, e o fim da prisão em segunda instância sugerem que se quiserem aprovar o fim do foro privilegiado, a bancada lavajatista ainda precisará de muita estamina.

As demonstrações de falta de traquejo, diagnóstico e sutileza na campanha frustrada à presidência da República do agora candidato Moro ao Senado indicam sobrar ingenuidade e dogmática no perfil dessa nova geração de juristas políticos. As sucessivas impugnações às candidaturas do ex-juiz, de sua mulher e do procurador e os debates entre candidatos confirmam que o jogo eleitoral, caso se traduza em uma vitória nas urnas, pode não garantir uma agenda programática viável nos espaços de poder. Outro ex-magistrado que migrou para a política, foi retirado do governo do Rio de Janeiro por desvios na sua gestão, e continua usando a anticorrupção como marketing nessas eleições é Wilson Witzel. Assim como o paranaense, ele tenta emplacar a mulher como deputada federal e a sogra, também advogada, que concorre no pleito de outubro usando o sobrenome do genro.

Em segundo lugar, os ataques à justiça que os ex-operadores do direito hoje promovem escondem suas próprias atuações controversas na Lava-Jato, que vieram a público pela Vaza-Jato e geraram a anulação dos processos, dada a parcialidade desses atores do sistema de justiça. A contraofensiva do sistema político aos abusos e à velocidade da agenda anticorrupção atingiram um arcabouço institucional mais amplo do que certos procuradores e juízes apenas. Ao invés de restaurar o status anterior do sistema de controle, desafio que já seria por si só complexo no atual cenário, candidatos ao Legislativo incitam o imaginário bolsonarista responsabilizando o STF, chamado por Deltan em propaganda eleitoral de “casa da mãe Joana”, pela impunidade.

Mais do que demonstrar o uso indevido dos instrumentos jurídicos para determinados fins, pode-se dizer que esses atores atuavam movidos por suas preferências políticas individuais, atacando políticos, politizando a justiça e criminalizando a política.

Em pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto “Crime corporativo e corrupção sistêmica no Brasil”, financiado pela Fapesp e pela Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa – DFG, fica claro que os processos de políticos são decididos de maneira muito mais ágil do que aqueles de empresários, políticos têm mais chances de serem condenados e receberem penas mais duras. Esses modos de ação reforçam as narrativas articuladas por especialistas do direito, nas quais os políticos são vistos como os maiores responsáveis pela corrupção.

Sem um senso de bem público e com pouca qualificação, os políticos aparecem nos modos de pensar do grupo como uma categoria própria, distinta daquela na qual profissionais especializados – com “mestrado em Harvard” e aprovados nos “primeiros lugares de concursos públicos” – estariam. Enquanto cientistas, consideramos o conhecimento e a técnica como essenciais para os complexos processos da vida pública, mas a qualificação de um indivíduo nas matérias do direito não garante nem sua honestidade nem sua aptidão para a política institucional.

Nossa preocupação nesse artigo é ressaltar que eles atuaram politicamente enquanto operadores do direito, mas se vendem como técnicos e não políticos – é bom lembrar que Moro ainda carrega o termo “Juiz” na campanha, mesmo tendo abandonado a carreira jurídica para seguir sendo “um soldado da democracia” na política partidária. A regra de desincompatibilização para magistrados e integrantes do MP que queiram concorrer a cargos eletivos visa diminuir a situação privilegiada de membros dessas instituições na disputa eleitoral. Atualmente são debatidas propostas sugerindo aumentar o período atual, fixado em seis meses, o que pode alterar a representatividade de eleitos ligados à pauta da lei e ordem no Congresso.

Outro grupo tradicionalmente mais vinculado às bandeiras conservadoras da sociedade que vem ampliando seu espaço desde as eleições de 2010 é o ‘partido policial’, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ao contrário de juízes e procuradores, policiais não precisam abrir mão de suas carreiras para lançar candidaturas, só devem renunciar se forem eleitos. Estabelecer critérios para a atuação política de membros das carreiras públicas também faz parte de uma agenda preocupada com o uso do recurso público.

Artigo publicado originalmente na seção Diálogos Públicos, do UOL

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