los pollos hermanos

Fernanda saiu do banho e sentou comigo no escuro: contou do trampo, me perguntou se eu tinha vontade de olhar com telescópio, disse o que achava sobre profundidade e intensidade, de como foi com a vó no oculista. a dona Shirlei tá com catarata. a dona Shirlei quando me tromba sozinho no quintal diz que não presta pensar muito na vida e tento aprender. quem sabe um dia. sei que a Fernanda trampa de home office e às vezes dá essa letra de que não tem hora parece, de que outra vez amanhece. depois que a gente deitou, tava quase em nárnia quando um pernilongo me despluga. não foi bem ele na real. quase nunca é. olhar pras estrelas é tipo café de noite: a cafeína acelera, a pequenez aprofunda.

botei cinco e meia fui dando soneca às seis do sábado tava escrevendo pra gerente. ela me traz um pendrive com filme às vezes. teve um de uma mina que mora/vive numa van/trailer. outro de seis pessoas que chegam numa baia e passam por testes durante nove dias pra saber quem vai ter a oportunidade de experienciar a vida. chorei nos dois. às seis escrevi pra falar sobre as escalas do fim de semana, às sete desci do uber, peguei a bike que dormiu no museu, cheguei num condomínio que tão erguendo no Hugo Langue mas cheguei cedo demais. achei uma praça. o tempo passa. deu a hora ajudei a agilizar tipo um comes & bebes pra esse stand de vendas. quem é que compra uma baia de uma milha? quem é que come croissant tranquilaço na matina? não sei se toda pergunta precisa ter resposta mas boto fé que é diária essa fita de questionar. às vezes não adianta muito. às vezes menos é mais.

lá pelas duas a galera que vai no museu não pira em tomar café então dou um tempo no parcão. fiquei de butuca no áudio que o cara barbudo tava gravando

– falou que ia descolorir mas deu reação química, caiu a barba inteira piá

barulho de fim de áudio. barulho de novo áudio

dia 21 de dezembro piá. fiquei MUITO, muito puto

barulho de fim de áudio. barulho de bloquear aparelho

tu faz bico de papai noel?

– ?

– deu pra ouvir o áudio que tu tava mandando. eu ficaria puto se véspera de natal tirassem meu trampo

– fiquei de cara piá, cê não tá ligado. mas e esse teu cabelo aí?

– daora né?

– deixa eu ver atrás. massa. tem o contato?

– pera aí. Adriano o nome dele. fica ali no Sítio Cercado. vou te passar

até o dia 16 de setembro, quem ilustrava minhas crônicas era o Benett. no dia 30 mudou pro Rafael Schwab mas o esquema acho que é o mesmo: 48 h antes de serem publicados, os textos vão pros ilustradores terem condições de trabalhar. difícil dizer quanto tempo a gente merece pra fazer aquilo que bota fé mas duas semanas pra escrever uma parada é um tempo massa porque rola não só viver várias paradas, como decantar as sensações que se misturam. o que eu curtia no Benett é que as ilustras davam o papo reto que nem a do esqueleto dizendo tenho fome, ou a do diabo com os chifres cortados, tipo Hell Boy. eram quase sempre pretas e brancas e o Rafael costuma ficar nessas cores também mas parece que desenha de lápis, que dentro da cabeça dele tem uma cidade onde garças gigantes atravessam as ruas, onde chapeiros de oito braços dão conta de pedidos em restaurantes mexicanos, onde a gente bebe e fuma pra sentir paz, onde pessoas entram em salas com dezenas de monitores e recebem um taco de bétis. depois que a crônica é publicada, dou um salve pro Rafael contando o que a pira dele me sentir. ele trampa com pinturas de interiores e me responde em áudio quando para pra fumar um cigarro. fico pensando se o celular dele tem marca de tinta. o do meu pai tem marca de graxa. o meu tem pó de café em baixo da bateria.

ouvi que quem usa muito desodorante pode ter bafo. o que não é excretado pelas axilas volta pra corrente sanguínea e acaba saindo pela boca. não sei se é científico. sei que a Mi tava com os cotovelos no balcão do café e perguntei se ela tava jururu. disse que tinha tido crise de ansiedade de madruga, que só dormiu quando se ligou que era coisa da cabeça

– mas é isso né piá? a gente não vai sentir só coisa boa na vida

– e ignorar também sei lá se adianta

– bem dessa. eu falo disso na terapia

– terapia é daora guria

– é

– lembra aquela fita do desodorante?

– sim

– é como se na vida a gente tivesse vários tipo de desodorante pra não sentir as parada bad da vida, mas não rola desbaratinar tudo, por algum lugar tu acaba sentindo

– aff bem dessa piá

– foda

– é

– e o que é mais loco:

– só terapeuta mesmo pra chegar e dizer Mana, na moral, tu tá com bafo

– no geral as pessoas se afastam, se afastam pra não sentir

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