Os “bons patrões” e seus empregados domésticos

No meu modo de ver, a existência de trabalhadores domésticos é algo fadado à confusão. Da mesma forma, a existência de patrões domésticos sempre me pareceu uma aberração. Relações de trabalho não de desenvolvem de forma profissional dentro de uma residência. Um trabalhador e uma família juntos não se tornam uma equipe, tornam-se uma confusão de sentimentos e de papéis.

Pior ainda em um país onde o povo é sentimental e considera isso uma qualidade e, ao mesmo tempo, não é rígido na obediência de regras e de limites.

Fui “patroa” algumas vezes e conheço minha própria inabilidade para lidar com empregados domésticos, que me causam desconforto como se eu estivesse fazendo um convidado limpar o chão da minha casa. Acabamos nos tornando amigas, o que não muda o que eu penso sobre trabalho doméstico, só confirma.

Recentemente tive uma experiência difícil. Moro em um pequeno condomínio, quase uma vila. Fazemos revezamento no papel de síndico e, atualmente, sou eu a vítima. Coube a mim resolver uma questão que se arrastava há anos: o único funcionário do condomínio, o zelador, nos custava muito caro, não tinha o que fazer na maior parte do tempo e vinha se comportando de forma difícil. Sua principal tarefa de manutenção era cortar a grama – o que ele detestava fazer. Por isso, adiava a tarefa até a grama parecer pasto de capim-gordura. Uma vez me disse que não ia cortar a grama porque ela crescia de novo. Costumava chegar no horário apenas uma vez por semana. Nos outros dias, o atraso era de uma a três horas, sem explicações. Se cobrado, explodia.

Este rapaz, que chamarei de Clodoaldo, é boa pessoa e todos gostam dele. É um amigo nosso, um parente. Quebra todo tipo de galho dentro de uma casa. Mas depois de quase 25 anos no mesmo emprego – emprego este que estava abaixo de sua capacidade – andava amargurado e intratável. Ergueu a voz comigo mais de uma vez e, nos últimos meses, passei a fugir dele. Sim, a síndica fugia do zelador, o que era bem difícil considerando que trabalho em casa.

Vendo por outro lado, havia o problema financeiro. Não conseguimos juntar dinheiro para obras mínimas e o condomínio está ficando velho, mas a taxa mensal ainda assim era cara. A conta não fechava. Resolvi colocar a questão em discussão e aí começou o meu castigo. Apesar de todos os proprietários defenderem a demissão do zelador, alguns de forma muito veemente, ninguém se dispunha a fazer nada. Falar com ele estava fora de questão. Eu teria que fazer o trabalho sozinha.

Como não vi outra saída, assumi a tarefa. A partir daí, me deparei com o despreparo dos vizinhos para ter um trabalhador doméstico. Não conseguem cobrar dele o desempenho esperado (quem o faz, geralmente faz em momento de raiva) nem conseguem encerrar a relação. O desligamento foi sendo adiada porque ninguém se dispunha a estar presente no momento da demissão e eu, calejada pelas experiências anteriores, queria a presença de alguém.

Como já disse, Clodoaldo é boa pessoa, mas tem rompantes de agressividade verbal e me assustou muitas vezes ao se alterar enquanto conversávamos. Erguia a voz e ia se aproximando cada vez mais, enquanto eu recuava. Me senti ameaçada. Após alguns desses episódios, ele pedia desculpas. Eu relatei isso aos vizinhos. Apenas um deles disse ver que a experiência me fazia mal e que era preciso encerrar aquilo. Os demais jamais demonstraram qualquer sensibilidade à agressividade que eu relatava. Para eles, isso não contava. Uma vizinha afirmou que só aprovava a demissão por causa do problema financeiro. Outro, que era “o jeito dele”. Uma pessoa bem-intencionada demonstrava desconforto por Clodoaldo ser uma pessoa humilde. Solidariedade comigo, não houve. Fiquei me perguntando por que tantas pessoas ficaram totalmente indiferentes a minha aflição diante das reações agressivas do nosso empregado. Elas veem esse tipo de relação como normal?!

Esta experiência me fez muito mal. O povo cordial, sentimental, que não estabelece frias relações de trabalho com o empregado doméstico, também é insensível aos sinais de violência, de falta de civilidade. O noticiário está aí para exemplificar o que eu digo.

A demissão finalmente ocorreu e não surpreendeu Clodoaldo, que parecia esperar por ela. O contato dele foi apenas comigo até o último minuto. Deixei que voltasse várias vezes para recolher o material que acumulou aqui dentro e que agora vendeu. Eu tive que jogar fora outros tantos objetos que ele guardou e que não quis mais. Ele se juntou a mim, trabalhamos durante três horas em um clima de camaradagem e enchemos uma caçamba. Depois, o levei para casa, conversamos e nos abraçamos. Ele pediu desculpas “por qualquer coisa”. Eu o encaminhei para um novo emprego.

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