Apontamentos – XI

Crônicas perdidas

No final de 2022 estava com as duas próximas crônicas, prontas e mais uma engatilhada, ou seja, faltava alguns reparos.

Mas, para o meu desapontamento, sumiram do computador e sequer foram localizadas por um técnico especializado. Pior, tive que comprar outro computador, porém antes corremos, eu e o técnico, para salvar o que era possível. Foi um salve-se quem puder e salve o que puder.

Mario Quintana no poema “Achados e Perdidos”, escreve:
Eu conduzo minha poesia como um burro-sem-rabo
Nesta minha Porto Alegre de incríveis subidas e descidas
Suo como o Diabo
E desconfio
Que meus melhores poemas terão caído pelo caminho…

É possível que meus melhores escritos – e quem pode dizer que não eram os melhores? – foram perdidas no descaminho da memória do computador.


Perda irreparável

Meu carnaval foi um misto de tristeza e silêncio. Perdi um dos meus melhores e mais atuante amigo, Hermes Gonçalves.

Na minha memória está registrada a primeira vez que o vi, final do ano de 1989. Na época eu era vereador e ele passou na Câmara de Curitiba a caminho de Porto Alegre, ia para ajudar, no segundo turno, na campanha do Olívio Dutra para a prefeito.

De acordo com o poema – Os que lutam – de Bertold Brecht, Hermes era um dos imprescindíveis. Não importa qual era a luta – reforma agrária, aumento de salário, luta por moradia, defesa do meio ambiente, igualdade de gênero, contra o racismo, campanha eleitoral, organização do PT… –, a causa sendo justa ele estava lá: participava da organização, da mobilização, fazia presença e se convidado discursava.

Andamos muito, organizamos e fundamos o PT em dezenas de municípios, fizemos formação política, rimos e corremos risco de vida – foram muitos os sustos – pelas estradas do Paraná.

Muitas vezes me hospedei na casa dele e de tanto lá ficar, suas filhas, ainda crianças, por acharem meu apelido estranho e engraçado, resolveram – me homenagear(?) – chamar a cachorrinha que adotaram de Rosinha.

A primeira vez que lá voltei, após está homenagem, as crianças só faziam rir, até que uma delas tomou coragem e veio me contar o nome da cachorrinha, a razão do riso.

Uma das últimas vezes em que o vi, antes da pandemia do covid, sempre cheio de entusiasmo, estava relendo os clássicos da política – Lênin, Marx, Engels, Gramsci … – e da literatura e estava cheio de energia para derrotar o fascismo.

A penúltima última vez que o vi, estava na cama, consciente, porém com pouca, ou quase nenhuma capacidade de falar. Sai da visita triste e desolado.

Infelizmente, por estar na cama e inconsciente, pela primeira vez na vida, na eleição passada, deixou de votar no PT. Pela mesma razão, tampouco conseguiu ver, rir e festejar a vitória de Lula e a derrota eleitoral do fascismo.

E agora, a derradeira vez que o vejo, encontro-o com a mesma feição de tranquilidade com que fazia as lutas.

Saio da homenagem, merecida, prestada ao Hermes e a sua família com a certeza de que ele deixou bons exemplos de vida e de lutas para todos e todas com quem ele conviveu.

Lembro aqui A Rua dos Cataventos, de Quintana e saio com a sensação de que Hermes levou qualquer coisa de mim.

A luz de um morto não se apaga nunca!


Carnaval

Pela perda, acometido de tristeza, não consegui, durante a folga de carnaval, ler livros e pouco produzi na frente do computador, tanto que escrevo esta crônica no início do final de semana seguinte.

Na internet, o máximo que fazia, era ler notícias. Que notícias?

No período de carnaval a impressão que tenho lendo os sites e blogs de notícias brasileiros é que as guerras, disputas políticas e econômicas, diminuem ou deixam de existir.

Não fosse pela catástrofe ocorrida no litoral norte do estado de São Paulo, as conduções governamentais (Lula, Tarcísio, prefeitos das cidades, porta vozes dos bombeiros, etc.), o número de mortos e desabrigados, a cobertura do carnaval não fugiria a regra dos anteriores: predominaria o fugaz e o frívolo com ênfase no corpo da mulher. Como exemplo, algumas das manchetes da UOL:

  • “Paolla Oliveira usa adesivos nos seios e mostra o bumbum no Carnaval…”.
  • “Deborah Secco usa fantasia circense e deixa o bumbum em evidência”.
  • “Bruna Marquezine, 27, desfilou pelas ruas de Salvador, na última semana, com um look avaliado em mais de R$ 17,8 mil”. Pagou caríssimo para sair com os “seios à mostra, …
  • “Sempre tive a perna cabeluda. Gente chata”. Frase da Adriana Galisteu.

Fiquei feliz por ter algo em comum com a Galisteu, também tenho as pernas cabeludas.

Este carnaval também me serviu para medir a minha ignorância, por exemplo, não sei quem é a “rainha das dancinhas”. Li que ela com o bumbum de fora, roubou a cena das globais na Sapucaí.

Tampouco sei quem é a musa da Vila Isabel, que se destacou pelas coxas supermusculosas e levava, como fantasia um coroado com mil penas de faisão na cor vermelha. Coitado dos faisões, quantos foram depilados!

Nesta extraordinária ignorância tampouco sei quanto estas modelos receberam para mostrar as calcinhas, a bunda, o tapa sexo, o seio e outras partes do corpo. Mas, na UOL, estava a informação que a Gisele Bündchen mostrou só a barriguinha e faturou dois milhões de reais.

Ah! Não há como terminar esta sem fazer referência a um homem: Alexandre Nero saiu no carnaval com um tapa-mamilo.

Como vê, as mulheres foram tratadas como mercadorias.

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