Dezembro: última crônica do ano
É comum fazer-se um balanço dos fatos que ocorreram ao longo do ano que se encerra. Também faço o meu e constato que há uma coisa recorrente: não cumpro o planejado.
Sempre leio menos do que planejara. Imaginava que, ao me aposentar, teria mais tempo para a leitura, porém, ledo engano, o ritmo do dia a dia foi mantido, somente mudei as coisas que fazia.
Socorro
Não consigo fazer um balanço de final de ano, a não ser registrar que ano após ano, aumenta o desencanto em relação à civilização em que vivemos. Me resta gritar socorro. A quem?
Quem sabe a Deus.
Senhor, clamo pelo seu nome porque estou com coração e alma cheios de dor, desencanto e desesperança. São tantas que sequer sei por onde começar.
Uma, duas, três… perdi o número de vezes em que comecei a orar e, por achar que errava ou que não era a oração certa para o que pedia, parava. Parava também por que tinha dúvidas a quem pedir, se para algum santo, santa, ou direto para o Senhor.
Na dúvida me dirijo ao Senhor. Aqui onde vivo, vejo todos os dias a doença, a dor, a tristeza, a desesperança tomando conta de gentes. Dormem pelas ruas, caminham sem rumo, sem saber por onde seguir, por onde começar e onde terminar, se é que um dia terminará.
Onde vivo há um contraste violento. Muitos vagam levando a pesada bagagem do sobreviver, enquanto os causadores destas e tantas outras desgraças passam alegres, satisfeitos, sem sequer olhar para trás.
Senhor, sem sair de casa vejo nos canais de comunicação imagens iguais ou semelhantes, quando não piores: são as vítimas de todas as guerras. Sedentos de paz, justiça, pão e liberdade, estas vítimas não sabem a quem pedir, não sabem para onde ir. São milhares de crianças, mulheres e homens feridos, dilacerados, assassinados.
Estendem as mãos para apanhar a paz e o pão, só recebem o não, bombas, balas, gases tóxicos e a morte.
Senhor, recorro a Ti porque por aqui, com esta civilização, não há salvação. Aqui abundam falsos profetas que, com vozes empostadas e roupas de pregadores, falam em Teu nome a palavra da salvação. Puro engodo, a salvação que pregam, só salva suas próprias contas bancárias.
Senhor, estes falsos profetas não são os únicos usurpadores, há também os que só ouvem o ruído do tilintar das moedas. Dominam o mundo, têm sob controle o dinheiro, a terra, o pão e as armas. Para estes não adianta pedir socorro. São insensíveis, se arvoram ao direito de matar, e o fazem com transmissão ao vivo e a cores. Por terem capital, se consideram os donos do mundo. E como donos decidem quem deve morrer ou viver.
Senhor, chamo a atenção para estes últimos dias e o genocídio que está sendo perpetrado na Faixa de Gaza. É praticado usando vários métodos: através das armas, da violência e através da negação da comida, água e atendimento à saúde.
Senhor, há aqui na terra aqueles que já duvidam de seu poder, sabedoria e até mesmo da sua existência. Estas pessoas se perguntam e perguntam: o Senhor existe e vê tudo isto? Se sim, por que não age para pôr um fim a tanta injustiça? Não se comove com o assassinato de tantas crianças e inocentes? Como é possível tolerar tantos bombardeios sobre residências, hospitais, ambulâncias, escolas? O Senhor abençoa estes atos? O Senhor sabe que esta é mais uma guerra feita em Teu nome?
Resistimos
Quando a árvore dos poemas não dá poemas, / Seus galhos se contorcem todos como mãos de enterrados vivos, / Os galhos desnudos, ressecos, sem o perdão de Deus, essa lenta procissão de almas retirantes…
(…)
Quando a árvore dos poemas não dá poemas, / Qual será o destino das almas?
(Mário Quintana)
Que em 2024 a árvore dos poemas dê um bom destino às almas e gere muitos poemas que nos ajudem a resistir e vencer a doença que acomete a civilização!