Faltaram palavras (dedicado a Romeu Bertol)

Palavras expressam dor, tristeza, alegria… enfim, sentimentos.

As palavras sempre se repetem, às vezes somente mudam de posição na construção da frase. Mas, nenhuma, repito, nenhuma, transmite a dimensão do sentimento, não importa qual seja.

Ao receber a informação do falecimento do Romeu Bertol, senti o impacto e a paralisia: não conseguia falar, tampouco pensar. O impacto devo ter expressado no rosto, mas, sozinho, não houve a pergunta o que aconteceu?

Acabado o momento da paralisia, debrucei-me sobre o celular e, incrédulo, buscava palavras para comunicar o ocorrido e expressar o que sentia. Faltaram palavras, nenhuma transmitia a dimensão do que sentia.

Conheci o Romeu Bertol no final da década de 1970, início da década de 1980. Trabalhamos juntos na construção e implantação do modelo de Atenção Primária à Saúde, no município de Curitiba. Ambos médicos. Vínhamos de experiência e história de vida diferentes, mas vivíamos o mesmo sonho: um sistema de saúde público, universal, justo e de qualidade.

Reservado, o Romeu falava pouco da sua vida pretérita. A primeira pessoa que me falou alguma coisa foi a Irmã Tereza Araújo – há uma Unidade de Saúde, no Boqueirão, com seu nome – que o conheceu no Presídio do Ahú e passou admirá-lo pela sua resistência e humanismo.

Foi através dela que conheci um pouco sobre o passado de militância do Romeu. Ele lutou contra a ditadura, foi preso e submetido a torturas: submetido a espancamentos, palmatórias, choques, enfim, tudo que os torturadores realizam como degradação física, psicológica e moral.

O silêncio do Romeu sobre seu passado era quebrado por quem o conhecia e caminhara ao seu lado, como o Mauro Daisson Otero Goulart, também médico. Juntos tinham militado no PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e Mauro foi a segunda pessoa a comentar comigo sobre a história do Romeu.

Não é o objetivo aqui escrever sobre a vida do Romeu, ele merece uma biografia ou – tomara que tenha deixado escrita – uma autobiografia. Gente como o Romeu não pode passar anônima ou despercebida pela vida.

Romeu superou com bravura, coragem e dignidade, todas as travas que foram colocadas à sua frente, fossem na vida política ou profissional, como militante de esquerda, médico ou como administrador.

Firme, tranquilo, ético e de fino humor, nunca abriu mão de seus princípios. Com outros e outras profissionais construiu um Sistema de Saúde para o município de Curitiba, bastante inovador para a época, e bem antes do SUS – Sistema Único de Saúde.

Com o SUS, que ele ajudou a conquistar e a implantar, trabalhou incansavelmente para que Curitiba tivesse o melhor sistema de saúde que poderia ter, e que não tem. Afirmo não ter porque, ainda que o município tenha capacidade orçamentária, técnica e profissional para fazê-lo melhor, mais eficiente e eficaz, seus governantes não viabilizam as condições para isso, pois, compromissos com o setor privado os impedem de implementá-lo. Mesmo sem termos tido diálogos recentes, tenho certeza de que ele concordaria comigo, que o modelo atual fica muito aquém dos sonhos que sonhamos no início da implantação deste modelo.

Romeu gostava de ser médico. Atendia a população com simplicidade e simpatia, sem preconceito e sem discriminação, características tão ausentes hoje em muitos médicos e médicas.

Romeu foi um defensor do serviço público – ora tão tripudiado por muitos governantes –, da saúde pública e um incansável construtor do SUS.

Defensor da democracia, da construção de uma sociedade justa, humana e solidária, posso afirmar que, como define Brecht, perdemos um dos imprescindíveis.

Se vivo, Romeu Bertol, poderia ser indicado para o Melhor de Curitiba.

P. S. Para quem quiser conhecer um pouco da vida de Bertol, assista este Depoimentos para a História.

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