– Oi vô.
– Oi Ludmila.
– Tudo bem com o senhor?
– Tudo sim, e com você?
– Tudo também. vô…
– Oi.
– Por que o senhor tá estragando as coisas?
– Estragando o quê?
– Acho que as paredes, né?
– Dond’é que você ouviu que eu tô estragando paredes?
– O senhor tá estragando livros?
– Eu?
– Sempre pensei que o senhor gostasse de livros.
– Eu gosto! A gente lê, juntos!
– Por isso, vô. Que feio.
– Ludmila, o que você ouviu…
– É em carro, vô? Em carro também é ruim. É no carro dos outros?
– Mas Ludi, eu não tô te entendendo.
– Vô, o senhor tem que parar! Eu mesmo só fazia isso quando eu era mais menor. Bem mais menor que hoje, vô. Eu fiz na parede e o pai brigou. É.
– Ludmila, o que te falaram?
– A mãe que falou.
– O que a mãe te falou?
– Que o senhor tá fazendo coisa feia.
– Que coisa feia?
– Ela disse. Ela disse que o senhor é do grupo do risco. Que o vô e a vó são do grupo do risco!
– Ah…
– Que feio, vô. Ficar riscando as coisas!
– …verdade, feio mesmo. Tenho que parar.
– É por isso que eu não posso te visitar?
– … isso. Isso, minha neta. É por isso. O vô vai ter que aprender esta lição. Tô de castigo.
– Tá bom… Mas a gente pode se falar?
– Pode. Assim, pelo telefone.
– Tá bom… Tá bom… Vô!
– O que é?
– Eu também risco as coisas ainda. Não conta pro pai.
– … não conto, pode deixar. Ah, olha isso.
O avó pegou uma caneta e fez um belo risco na parede atrás dele. Ludmila riu. Eles fizeram boquinha de silêncio, um pro outro, porque era um segredo deles. Até o final daquela quarentena ambos seriam do “grupo do risco” e, mesmo longe, se sentiam um pouquinho mais perto.