Na dúvida, continua

Ele olhou para a plateia, vazia.

Naquele país, depois de muito roubarem e de culpar os artistas por tudo que era de errado, os políticos conseguiram. Todos os teatros, todos os museus, tudo abandonado.

Ele olhou para a plateia, vazia.

Os ecos das risadas e palmas estavam lá, enterrados sob camadas de silêncio da solidão. Havia notas dos últimos perfumes, de suor que não dissipa de lugares tão fechados, dando ao auditório o cheiro eterno de nostalgia.

Ele olhou para a plateia, vazia. 

E, sem ter o que fazer além do que sempre fez, ele atuou ali. Deu cada fala, deu os tempos certos, aguardou palmas, risadas e segurou pontos emocionais como se estivesse novamente perante as antigas casas lotadas. Não desistiu de nenhuma pausa dramática e, ao final, agradeceu a plateia imaginária.

Ele olhou para a plateia, vazia.

Vazia?

De trás de uma pilastra, ao fundo, um servente de olhos marejados e rosto contorcido (porque queria rir, gargalhar, mas não sabia se ainda era permitido) começou a bater palmas. As palmas se duplicaram com a filha do servente, que nunca tinha visto algo igual. Ele sorriu, agradeceu os aplausos, e voltou no dia seguinte.

Graças a ele – e a todos que não desistiram – um dia tudo voltou ao normal.

Sobre o/a autor/a

Rolar para cima