Pessoas negras na ciência: “A gente ainda não consegue se ver nos espaços científicos”

Representando 53% da população no país, negros e negras eram apenas 26% dos pesquisadores em 2015

Por Rodrigo Matana
Edição: Alice Lima

Nesta quarta-feira (9), a Câmara dos Deputados aprovou a proposta que revisa a Lei de Cotas (5384/20). O texto amplia a reserva de vagas para os cursos de pós-graduação e inclui quilombolas nas cotas das universidades. O projeto de lei ainda precisa ser aprovado pelo Senado e pode dar mais equilíbrio à participação de pessoas negras (pretas e pardas) nos espaços científicos.

Os números mostram que o cenário é de pouca participação. Em 2013, a Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), adicionou o item “cor/raça” aos currículos de bolsistas, estudantes e pesquisadores de todo o Brasil. A medida permitiu mapear a presença dos grupos étnico-raciais na ciência nacional e demonstrou que pessoas negras somavam 26% do grupo – apenas um quarto do total da comunidade científica do país.

A análise mais recente da instituição foi feita entre março de 2014 e janeiro de 2015 e verificou que, embora a maior parte da população brasileira fosse negra (53%, conforme o IBGE), brancos eram 58% dos bolsistas. A modalidade “graduação no exterior”, do Programa Ciências Sem Fronteiras, tinha mais de 11 mil bolsistas – mulheres e homens pretos representavam 1% e 1,3% do total, respectivamente.

Esse tema foi abordado durante a 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em julho na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. Durante o evento, Iraneide Soares da Silva, professora na Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras (ABPN), ressaltou a importância dos esforços em prol da diversidade e enfatizou a pouca participação das populações negra e indígena na ciência brasileira.

“Ainda é pouco, considerando mais de 56% [em 2022] da população negra e um número ainda ínfimo [de pessoas negras e indígenas na ciência]. A gente ainda não consegue se ver. O espaço científico ainda é masculino, ainda é branco”, reforça.

Inclusão e diversidade na ciência brasileira

Para colocar em debate pautas negras e indígenas contemporâneas, um dos eixos do evento foi a SBPC Afro e Indígena, que reuniu conferências, mesas-redondas e atividades culturais. O coordenador da Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade (Sipad/UFPR), Paulo Vinícius Baptista da Silva, participa do encontro desde 1990 e foi uma das pessoas por trás da formulação da categoria.

“A maior parte dos cientistas tem a percepção de que nós caminhamos no ensino superior com as cotas e que precisamos caminhar, também, nos diversos outros espaços acadêmicos, com maior participação de pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência – dos grupos que têm menos acesso a esse espaço”, destaca.

O Circuito das Diversidades se voltou à relação entre ciência, racismo, branquitude, povos originários e territórios. A categoria Afro e Indígena teve cerca de dez atividades durante toda a semana de evento, com pesquisadores e pesquisadoras de todo o Brasil.

Mesa-redonda com Theo Ruprecht, do podcast Ciência Suja; Tais Oliveira, do Instituto Sumaúma; e Ana Carolina Canegal, do Observatório da Branquitude, abordou as desigualdades existentes no meio científico. Foto: Flavia Cé

“Nos últimos anos, as sociedades científicas têm sido obrigadas a acolher essa temática, porque ela está na ordem do dia. Não dá para pensar a sociedade sem pensar nos sujeitos, e os sujeitos são pretos, pardos, brancos, estrangeiros. A SBPC avança quando abre espaço para o sujeito em sua diversidade”, explica Iraneide da Silva.

Apesar dos esforços na promoção da diversidade, Paulo Vinícius, que também é integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UFPR, fala sobre os desafios que a SBPC ainda precisa superar.

“Quanto mais a gente ascende no poder, menor a presença negra – e na SBPC não é diferente. Nos conselhos mais altos, na diretoria, temos uma participação negra pequena. Esse é o grande desafio: termos, em todos os espaços, a participação de pessoas negras e indígenas”, finaliza.

Ciência antirracista

Fundado em 2022, o Observatório da Branquitude é uma iniciativa da sociedade civil voltada à pesquisa sobre estruturas de poder e privilégios que, historicamente, favorecem pessoas brancas.

Ana Carolina Canegal, doutora em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e coordenadora de pesquisa na organização, participou de uma mesa-redonda na Reunião Anual da SBPC a convite do Instituto Serrapilheira para tratar da produção e divulgação científica em diálogo com outras iniciativas.

A organização conta com uma equipe multidisciplinar e integralmente negra. Em entrevista no Bate Pop AE – Especial SBPC, Carol Canegal falou sobre o trabalho desenvolvido pelo Observatório.

“Existe uma tradição nas ciências sociais brasileiras de olhar o fenômeno das desigualdades raciais a partir do lado prejudicado da história. A nossa proposta é olhar o lado beneficiado”.

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