Um brinde à capital ecológica!

Apesar de todos os títulos e atributos sustentáveis conferidos à Curitiba, do alto de seus 331 anos recém completados, a cidade não está imune à crise climática. Saiba aqui o que podemos fazer a respeito

Curitiba sempre foi sinônimo de “capital ecológica”, e é associada à eficiência e à sustentabilidade. Seu modelo de urbanismo e programas de planejamento urbano atraem pesquisadores de vários lugares para estudar os projetos na área do transporte coletivo, paisagismo urbano, restauração e preservação de sítios históricos, praças, bosques e parques, que têm como marco o governo de Jaime Lerner (1937-2021), nos anos 1970.

Com população total de cerca de 1.773.718 habitantes (IBGE, 2022) e um índice de desenvolvimento humano considerado “muito alto”, Curitiba foi apontada como a melhor capital para se viver no Brasil (2021) e a “cidade mais inteligente do mundo” (2024), segundo o World Smart City Awards, prêmio concedido pela Fira Barcelona, na Espanha.

Mesmo com todos esses atributos, a cidade não está imune à crise climática, uma realidade incontestável. Aqui cabe pensar a nomenclatura, inclusive por conta da disputa narrativa que o tema, bastante polarizado, envolve. A ONU adota o termo “crise climática”, que parece adequado, não para causar alarde, mas pelo sentido etimológico da palavra: um momento de mudança, de ruptura, de alteração de paradigma – como viveremos daqui por diante? Que novos mundos criaremos para nos adaptarmos e mitigarmos a crise climática?

Reconhecer a existência de uma crise climática e seus impactos passa por perceber o quanto nós humanidade somos vulneráveis à natureza; uma certeza que se contrapõe ao pensamento eurocêntrico de que a natureza nos serve, concepção fundante que tem inúmeros e os mais variados impactos. Deixamos de perceber a mudança das estações do ano e os efeitos que elas causam em nosso corpo, para citar um exemplo. Agora o universo nos brinda com essa verdade inegável: somos frágeis.

O objetivo do Acordo de Paris é manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C, a um limite de 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais. Segundo a prefeitura de Curitiba, em dezembro de 2020 a cidade já estava com a temperatura, em média, 1,2°C mais alta do que há seis décadas atrás.

De formas e em intensidade distintas, percebemos no nosso cotidiano na capital ecológica temporais intensos, intercalados por períodos de estiagem severa, que implicam em enchentes e alagamentos, queda de árvores, falta de energia, escassez de água e desconforto térmico, com uma variação absurda de temperatura em um mesmo dia.

O efeito da crise climática também pode ser percebido na saúde mental das pessoas. Alguns psicólogos vêm se debruçando sobre o estudo da “ansiedade climática”, as consequências que a negação, o medo, a insegurança e as dificuldades em lidar com esses sentimentos geram na vida das pessoas, algo comparável ao surto de Covid-19.

A partir do momento em que alguns biomas são inviabilizados, espécies de vírus e bactérias que nunca tivemos contato virão à tona, tornando a humanidade mais suscetível a doenças. A ciência climática atesta que as pandemias serão mais frequentes, e esse desequilíbrio ecológico se relaciona, desde logo, com o aumento dos casos de dengue em Curitiba e região metropolitana.

Em termos globais, o aquecimento climático provoca o desaparecimento de cerca de 10.000 espécies por ano, além de ecossistemas, alimentos e de nações insulares pelo aumento do nível do mar, além de deslocamentos forçados. O Banco Mundial prevê que até o ano 2.050, 750 milhões de pessoas percam suas casas, e que isso implicará no aumento da disputa por recursos naturais, territórios habitáveis e, portanto, guerras.

Em 2009, através da Lei nº 12.187, foi instituída a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas (PNMC), e a partir dela foram criadas políticas sobre mudanças climáticas em vários níveis federativos. Através da Lei nº 17.133/2012, o Paraná instituiu a Política Estadual de Mudanças Climáticas, com propósito de orientar a elaboração do Plano Estadual sobre Mudança do Clima, focado na redução das emissões de GEE e na promoção da sustentabilidade. Para se adequar às NDCs brasileiras, a capital ecológica pactuou, em 2020, o Plano de Adaptação e Mitigação das Mudanças Climáticas de Curitiba (PlanClima).

Segundo o PNUMA, que é o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, podemos enquanto indivíduos e sociedade, contribuir para a mitigação do aquecimento global por meio de medidas que passam por: disseminar informações, fazer pressão política, alterar o meio de transporte, controlar o consumo de energia, adaptar a dieta e a forma de vestir, plantar árvores e investir em empresas sustentáveis.

É preciso compreender que os maiores responsáveis pela emissão de gases tóxicos (GEE) são as indústrias e as grandes empresas transnacionais, em outras palavras, grande parcela da responsabilidade pelo aquecimento climático não é só nossa enquanto indivíduos. Ainda assim, é possível agir individualmente e coletivamente, enquanto sociedade, presenteando a cidade com atitudes sustentáveis.

Ainda reverberando o aniversário de 331 anos de Curitiba, propomos a reflexão: em termos socioambientais, o que desejamos à nossa cidade? Para animar a festa, pensemos juntos em atitudes possíveis de serem adotadas, a curto e médio prazo.

1: Pressão política

Em um ano em que haverá eleições municipais, fazer pressão política começa por pensar na diversidade dos representantes do povo. A desigualdade social que afeta as pessoas também ocorre quanto ao clima; então é necessário que pessoas subalternizadas, que são mais afetadas pelo aquecimento climático, participem dos debates, que tenham voz, e que nos voltemos a um diálogo de saberes, aos nossos conhecimentos ancestrais, aos conhecimentos da floresta, das comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e faxinalenses, para ouvir e aprender também com eles possíveis medidas de adaptação.

Não há validade em separar questões ambientais das exigências de justiça, igualdade e dignidade. Os fenômenos climáticos e ambientais não atingem as pessoas da mesma forma. As condições materiais e históricas de determinados grupos sociais influenciam seu grau de acesso aos recursos e também de resiliência e de adaptação. Construir uma sociedade sustentável em todas as suas dimensões passa necessariamente pelo enfrentamento das desigualdades de gênero, raça e classe, tendo por base os fundamentos da justiça socioambiental.

Uma vez estabelecido um parlamento plural, para pensar o futuro, é preciso ponderar o presente. Enquanto os debates sobre as novas fontes de energia dominam a agenda ambiental global, as atividades de extração e processamento de recursos minerais brasileiros para produção de energia são íntimas de crimes socioambientais massivos, e a balança comercial brasileira depende da exportação de commodities. É preciso repensar um melhor aproveitamento também dos nossos recursos naturais locais.

2: Alterar o meio de transporte

Caminhar pela rua ou pedalar pelas ciclovias da cidade reduz a emissão de GEE e aumenta o bem estar individual das pessoas, formando uma comunidade mais feliz e mentalmente sã, reduzindo custos com saúde pública e afastamento de trabalhadores.

É preciso que as pessoas se lancem às ruas, que ocupem o espaço urbano, disputando um território que pode ser de bem estar e ambientalmente justo. Para isso, é necessário que haja o sombreamento das árvores, calçadas acessíveis, ciclovias interligadas e frotas de ônibus inteligentes, quiçá, elétricas.

3: Controlar o consumo de energia

Em virtude de seu vasto potencial hídrico, a energia hidráulica é a principal fonte do estado do Paraná, enquanto o principal insumo energético é o petróleo, com destaque para o consumo de diesel pelo setor de transportes. Logo, repensar o transporte urbano em Curitiba é pressuposto para uma cidade socioambientalmente eficiente.

Outra das formas de reduzir o consumo de energia é diminuir o impacto de edificações no meio ambiente, pensando na conservação e no uso eficiente dos recursos naturais, como água, luz e ventilação. Engenharia e arquitetura situadas, pensadas para o clima de Curitiba, são capazes de conceber edificações com eficiência energética.

Apagar as luzes dos ambientes que não estão sendo ocupados e abreviar o uso de ar condicionado são medidas que sempre ajudam na redução do consumo de energia.

4: Disseminar informações

As políticas públicas no combate às mudanças climáticas requerem um alinhamento com os dados produzidos pela ciência. Obter informações sobre a realidade é o primeiro passo para diagnosticar lacunas, medir impactos e ter dados para subsidiar planos de curto, médio e longo prazo, e a priorização dos recursos financeiros.

É importante popularizar o tema, para que as pessoas compreendam que não se trata de uma questão política, mas de um achado científico que afeta a todos nós. Há um forte componente epistemológico, de construção e transmissão do conhecimento científico.

5: Adaptar a dieta

Consumindo menos carne, optando por alimentos locais e da estação, e evitando o desperdício, é possível reduzir a pegada ecológica e contribuir em prol de uma cidade socioambientalmente sustentável.

Sempre que possível, opte por alimentos orgânicos; por serem cultivados sem componentes químicos – agrotóxicos, antibióticos e fertilizantes, eles não deixam resíduos desses compostos em nosso organismo, e nem no meio ambiente, sendo, portanto, mais seguros para a saúde individual e coletiva.

Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), o Paraná é um dos estados com o maior número de produtores orgânicos do Brasil – 3.773 deles certificados, o que coloca o estado como um dos maiores produtores deste tipo de alimento do país. Curitiba possui 14 feiras orgânicas, das quais duas são noturnas.

6: Vestir-se de acordo

A forma de vestir também importa. Primeiro, é preciso evitar o fast fashion, não só pelas frequentes violações de direitos humanos, mas também pelo grande descarte de roupas que essas empresas promovem.

Ao comprar roupas, é importante buscar tecidos respiráveis, preferencialmente tingidos organicamente, ou com tecnologia termorreguladora, que envolve secagem rápida, além de uma ação de resfriamento que mantém o corpo mais fresco no calor.

Mas chique mesmo é trocar roupas ou comprar vintage em algum dos diversos e ótimos brechós que a cidade oferece.

7: Plantar árvores

A cada ano, aproximadamente 12 milhões de hectares de floresta são destruídos e esse desmatamento, unido à agricultura e outras conversões de terras, é responsável por cerca de 25% das emissões globais de gases de efeito estufa. Nesse ponto, regularizar as áreas rurais é uma medida que não só dá segurança à região metropolitana da cidade, mas à cidade, como um todo.

A arborização urbana de Curitiba também contribuiu para sua fama de cidade ambientalmente adequada. Em 2020 a cidade contava com 58m2 de maciços florestais por habitante, um índice considerável. Há quem destaque a preservação do verde no Plano Diretor da cidade desde 1965, mas as extrações de árvores em diferentes pontos da cidade vêm chamando a atenção da população.

8: Separar o lixo

Lixo que não é lixo, se-pa-re! A casa da Família Folha – ilustrada pelo agora saudoso Ziraldo (1932-2024), tem um sistema de coleta de lixo seletivo (recicláveis) desde 1989, a primeira cidade brasileira a implantar o sistema, que abrange residências, estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços.

Separe latas de bebidas e de alimentos, vidro colorido ou incolor (garrafas, copos, potes de alimentos), sacolas plásticas, garrafas pet, copos, tampinhas, rótulos, embalagens longa vida, caixas de papelão (caixas de pizza), papel branco ou colorido, jornais e revistas, peças em isopor, entre outros. O serviço coleta também até duas unidades de lixo eletrônico e duas unidades de pneus, mas é preciso entregar resíduos perigosos, como pilhas, baterias, medicamentos vencidos, lâmpadas fluorescentes, restos de inseticidas e tintas à coleta de lixo tóxico, outro serviço ofertado pela prefeitura, para que o descarte seja correto.

E tenha paciência com os catadores de recicláveis! Por mais que o sistema de coleta de recicláveis de Curitiba seja pioneiro, os catadores informais são diretamente responsáveis pela coleta de cerca de 86% do material reciclável descartado na cidade.

9: Aplicar bem o dinheiro

Compre local, de empresas que se preocupam com sustentabilidade, afastando-se de indústrias e produtos longínquos, que promovem e acentuam a poluição por GEE.

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