2023, a transição energética e o futuro que queremos

A crise climática exige ficar de olho nos debates globais, mas também no que os governantes locais estão fazendo

Passado o carnaval, tem início o ano de 2024. Um bom momento para refletir sobre o ano que passou e traçar metas (possíveis) para o ano vindouro.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM, em inglês WMO), 2023 foi o ano mais quente da história da humanidade, com uma temperatura média de 1,4°C acima dos níveis pré-industriais. Não aleatoriamente, o final do ano foi marcado pelas conferências climáticas das Nações Unidas.

No Brasil, os debates extrapolaram o âmbito das conferências climáticas e chegaram à mesa de jantar. Conforme pesquisa da Cause com o Instituto Ideia sobre termos que impactaram os brasileiros em 2023, o termo “mudanças climáticas” foi eleita a Palavra do Ano, seguida por “resiliência” e “conflito”.

No último mês de setembro ocorreu a Cúpula de Ambição Climática, oportunidade em que o Secretário-Geral da ONU – António Guterres, ressaltou a urgência na busca por soluções climáticas ao afirmar que estamos caminhando para um aumento de temperatura de 2,8°C acima dos níveis pré-industriais, em direção a um mundo perigoso e instável.

“Ainda podemos limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau. Ainda podemos construir um mundo de ar puro, empregos verdes e energia limpa e acessível para todas as pessoas” (António Guterres).

Também durante a Cúpula da Ambição Climática de 2023, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou o compromisso do Brasil em reduzir em 48% das emissões de gases do efeito estufa (GEE) até 2025, e em 53% até 2030.

A declaração de Marina foi emblemática porque a NDC apresentada pelo governo Bolsonaro continha manobras para encobrir o retrocesso na contenção das emissões de gases GEE, entre elas a alteração da base de cálculo, que violam os termos do Acordo de Paris.

As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), são as metas e compromissos de redução de emissões de gases GEE assumidos pelos países signatários do Acordo, que periodicamente indicam seus dados e metas, fundamentadas e possíveis.

De novembro a dezembro ocorreu a COP28 (sigla em inglês para Conference of the Parties), ou 28ª Conferência do Clima, em Dubai, a maior cidade dos Emirados Árabes Unidos, com destaque para as discussões em torno da transição energética e a expressiva participação do setor privado.

A COP26 (2021, em Glasgow, Escócia) – primeiro encontro presencial após o início da pandemia – , teve dentre suas metas principais, a eliminação do carvão, a disseminação dos veículos elétricos e dos investimentos em energias renováveis, temas intrínsecos à transição energética.

Após o recuo do Green New Deal, diante da guerra provocada pela invasão da Rússia à Ucrânia, seria natural que o tema dos combustíveis fósseis dominasse a COP28, sediada no sétimo maior produtor de petróleo do mundo, mas as expectativas foram superadas.

Na COP28, cinquenta das maiores empresas petrolíferas do mundo, em conjunto com a Petrobras, responsáveis por 40% da produção mundial, aderiram a um pacto de descarbonização progressiva para a redução de emissões GEE em suas operações.

A “Carta de Descarbonização do Petróleo e do Gás”, prevê operações neutras em carbono até 2050, a eliminação da queima de gás até 2030 e a redução significativa das emissões de metano. Entidades ambientalistas entendem que faltou comprometimento.

Hoje os energéticos de origem fóssil como petróleo, carvão e gás natural, predominam na matriz energética global, e não são fontes de energia sustentável ou renovável, porque não se renovam dentro de uma mesma geração, além de serem grandes emissores de gases GEE.

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP, em inglês OPEC) – principal agência de energia do mundo, prevê que a demanda global por tais combustíveis ainda atingirá seu pico em 2030.

A transição energética representa uma mudança no padrão mundial quanto às fontes de extração e produção de energia que demanda o aumento da participação das energias renováveis, a redução do uso do carvão e outros combustíveis fósseis, propondo a utilização do gás natural como combustível de transição, e implica na busca pelos que alguns chamam de “metais do futuro”, outros se referem como “metais críticos”.

Quanto às discussões sobre transição energética, Tchenna Maso, advogada popular e doutora em direitos humanos pela Universidade Federal do Paraná, afirma ser necessário refletir sobre os metais que são a matéria prima base de muitas das inovações propostas.

“Isso porque a demanda crescente pelos chamados metais críticos, lítio, níquel, tem implicado na intensificação de construção de novas minas em regiões da América Latina, representando uma destruição de novas áreas de proteção ambiental e afetando a vida de povos e comunidades. Quando pensamos em uma transição energética, precisamos refletir sobre justiça e decisão popular, em todos os aspectos da cadeia produtiva que envolvem as soluções ‘limpas’ apresentadas” (Tchenna Maso).

Para pensar o futuro, é preciso ponderar o presente. Enquanto os debates sobre as novas fontes de energia dominam a agenda ambiental global, as atividades de extração e processamento de recursos minerais brasileiros para produção de energia são íntimas de crimes socioambientais massivos.

Semana passada, a Justiça Federal manteve, em caráter precário, a suspensão do repasse da indenização da Petrobras ao Fundo Estadual do Meio Ambiente (FEMA), no âmbito da ação civil pública que versou sobre o vazamento de petróleo da Repar, em 18/07/2000.

Os comentários foram em torno da demora no pagamento e sobre o desconhecimento de tal vazamento. Para responder essas e outras perguntas, é necessário contextualizar o caso.

A Repar, ou “Refinaria Presidente Getúlio Vargas”, foi inaugurada na cidade de Araucária em 1977 e operada desde então pela Petrobras, sendo hoje responsável por cerca de 12% da produção nacional de derivados de petróleo.

Importante notar que, por conta da demanda do mercado, seguindo a lei da oferta e da demanda, a capacidade da Repar foi bastante alargada ao longo dos anos, através da implementação de novas tecnologias. Nesse ponto, é pacífico que, quanto maior a capacidade da empresa, maior o risco e as dimensões de um possível dano socioambiental.

No dia 18/07/2000, portanto, há quase 24 anos atrás, ocorreu um vazamento na Repar de cerca de 4 milhões de litros de petróleo, que é considerado até hoje o maior vazamento de petróleo em território continental já ocorrido no Brasil.

O óleo cru percorreu 44 km e os danos extrapolaram o município de Araucária e atingiram uma área de quase 18 hectares (17,7 ha), afetando o rio Barigui, o rio Iguaçu e os lençóis freáticos da região.

As investigações apontaram que a causa do vazamento foi falha humana por inobservância de procedimentos operacionais, e que o vazamento seguiu por 2 horas até que fosse notado, entre outras conclusões que indicaram ao Ministério Público do Estado do Paraná a ocorrência de um crime ambiental.

O MPPR na qualidade de fiscal da lei, em conjunto com o Ministério Público Federal, propôs uma ação civil pública contra a Petrobrás. A ação correu e, seguindo uma tendência de mediação em crimes ambientais a que críticos se referem como “privatização da justiça”, em 2021, as partes celebraram um acordo pelo qual a Petrobras deve pagar uma indenização de quase R$ 1,4 bilhão, dos quais cerca de R$ 920 milhões ao estado do Paraná.

O cumprimento da obrigação de indenizar da Petrobrás ficou condicionado ao cumprimento de determinadas condições contidas nas cláusulas do acordo, homologado por sentença já transitada em julgado.

Juridicamente, nos termos do Código Civil, o acordo tem status de um contrato bilateral sinalagmático, uma relação obrigacional contraída em comum acordo, e cuja prestação por uma parte está condicionada a uma contraprestação da outra parte.

Em termos processuais, na ação civil pública da Repar ocorre agora a fase de cumprimento de sentença. O processo segue quanto à consumação do acordo, tanto na cobrança para que a Petrobras efetue os pagamentos, quanto para que o estado do Paraná cumpra as cláusulas condicionantes previstas no acordo.

Dentre as condicionantes, o repasse da indenização foi vinculado ao Fundo Estadual do Meio Ambiente e deve ser aplicado em ações de reparo dos danos e de educação ambiental. Agora o Ministério Público do Paraná alega que o Instituto Água e Terra (IAT), estaria em vias de receber e dar uma destinação inadequada aos recursos, e por isso pediu a suspensão do repasse da indenização para o estado do Paraná.

O juiz da 11a Vara Federal de Curitiba percebeu fortes indícios de verdade nos argumentos do MP, e que uma vez liberado o dinheiro da indenização, não haverá como voltar atrás, por isso decidiu suspender o repasse da indenização até que as partes produzam provas sobre o caso e ele forme seu entendimento final.

Para elencar as razões da questão se arrastar por quase 24 anos, seria necessário realizar uma análise aprofundada dos autos do processo. Em um exame breve, nota-se que, entre o ajuizamento da ação e a celebração do acordo transcorreram 21 anos; logo, o tempo de instrução processual foi superior ao tempo em que a decisão vem sendo cumprida.

Em casos de crimes ambientais de grande repercussão como esse, a produção de provas pode ser complexa e o número de partes e interessados no processo é bastante representativo, fatos que, somados aos recursos e procedimentos previstos em lei, tendem a provocar demora na conclusão do caso.

Mas a natureza também é complexa, então além do tempo em que o processo está tramitando, em casos envolvendo danos socioambientais, é de extrema importância acompanhar se o meio ambiente está se recuperando, e em caso positivo, qual o tempo previsto para isso ocorra a níveis satisfatórios. Assim pensamos “o futuro que queremos”.

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