Passei o feriado de Corpus Christis na capital do vizinho Uruguai, o segundo menor país da América Latina e, igualmente, o segundo com maior taxa de alfabetização (98,8%), depois da Argentina (99%). As comparações entre os dois países “hermanos” apenas começam por aí. Ambos disputam também a melhor qualidade de dois de seus produtos gastronômicos mais famosos: a parrilla e o alfajor.
Neste pequeno país com extensão territorial de 173.626 km², vivem 3,4 milhões de habitantes, cerca de metade deles na capital, Montevidéu, que fica no litoral sul do país. A pecuária é sua principal atividade econômica, com um rebanho de cerca de 12 milhões de cabeça de gado bovino e 6 milhões de ovinos. Segundo informações divulgadas pela Minerca Foods na publicação Panorama Setorial do segundo trimestre de 2022, o Uruguai totalizou neste período o abate de 667 mil cabeças de gado, um crescimento de 3% se comparado ao mesmo período de 2021, totalizando exportações de 107 mil toneladas.
Essa produção elevada de carne, favorecida pelas condições climáticas e geográficas, possibilita a alimentação dos animais apenas com pastagens, sem farinha de engorda ou hormônios, e posiciona a carne uruguaia em segunda posição no segmento de alta qualidade no mundo.
Parrilla
Com essa oferta de qualidade e quantidade, os uruguaios têm como um dos pratos principais da sua gastronomia a parrilla preparada à lenha, sua primeira diferença com a argentina, preparada com carvão. Com diferentes tipos de lenhas é possível obter um “tempero” extra através do processo de defumação, explicam os entendidos. Vale esclarecer, que o nome parrilla, como nos referimos ao churrasco dos hermanos, é o nome do tipo de grelha usada para o preparo da carne, levemente inclinada para favorecer o assado de diferentes cortes de carne.
Historiadores apontam que a origem da técnica que conhecemos hoje como parrilla começou nas margens do Rio de La Plata, que fica localizada entre a Argentina e o Uruguai.
Conta ainda a história que a parrilla foi desenvolvida quando um barão resolveu colocar uma cerca em torno de um “château”, mas o ferreiro errou no cálculo das medidas para as grades. Sendo assim, o proprietário do imóvel se recusou a pagar pelo excesso de ferro e, por vingança, o ferreiro teria usado o excesso como uma grelha de apoio para cozinhar carne na frente do castelo. O aroma teria enlouquecido o nobre a ponto de ele desembolsar duas moedas de ouro para ter a grelha.
Tecnicamente, a principal diferença está na maneira de lidar com o fogo e o calor. Numa parrilla tradicional a brasa é formada ao lado e não embaixo da grelha. A temperatura é controlada puxando-se mais ou menos brasas para próximo da grelha e não com a elevação da grelha como acontece em uma churrasqueira a carvão tradicional. E a intensidade do calor nas carnes pode ser ainda maior em uma parrilla. É que como o calor é mais indireto, as labaredas não atrapalham tanto o churrasco, permitindo que a grelha fiquei ainda mais próxima do braseiro. Isso é excelente para selar as carnes e garantir mais maciez e suculência para o churrasco.
Mercado Del Puerto
Um dos lugares mais tradicionais para se experimentar a parrilla uruguaia é no mercado Del Puerto, onde os restaurantes preparam diferentes cortes de carnes, em grelhas retangulares ou redondas, sempre inclinadas, que são servidas em balcões ou mesas espalhadas pelo espaço interno e até mesmo na calçada externa.
O mercado foi criado em outubro de 1868 com o propósito de fornecer frutas, verduras e carnes para os moradores da capital. Aos poucos foi se transformando num local de restaurantes onde se promoveram encontros de famosos como Carlos Gardel e Enrico Caruso. Atualmente, o mercado é um ponto turístico da cidade, com seus restaurantes de parrilla e a típica bebida “meio a meio”, oferecida pelo bar Roldós, aberto em 1888. A bebida é feita a partir de um corte de vinhos branco espumoso doce e vinho branco seco. Além dos restaurantes e de um ou outro bar, apenas uma loja de produtos típicos.
Os restaurantes oferecem pratos variados, frutos do mar, e outras especiarias uruguaias mas a parrilla é mesmo o carro-chefe nas vendas. Cecília, a terceira geração de proprietários do restaurante Cabana Veronica, entre um cliente e outro do movimentado horário do almoço que avança a tarde, contou-nos as particularidades da casa. Segundo ela, são vendidos diariamente 150 quilos de carne e utilizados 350 quilos de lenha para assá-las. Os cortes mais pedidos são a picanha e o baby beef, acompanhados por batatas frias. A sobremesa mais pedida é o também tradicional doce de leite. O movimento de turistas que sempre é muito grande, aumenta significativamente no verão com a chegado dos cruzeiros marítimos.
Orgulhosa da história de mais de 30 anos de seu restaurante, ela explicou ainda que o nome provavelmente se originou por escolha de Carmen Pose, sua avó, e, atualmente eles associam o seu significado a cabana, estar em casa, sentir-se acolhido.
É essa sensação de acolhimento e conforto, características da cultura local, que prevalece desta visita ao mercado Del Puerto. E se você quiser entrar na discussão sobre qual a melhor parrilla, uruguaia ou argentina, pode pegar o barco e em duas horas e meia, provar a argentina, em Buenos Aires.
Depois disso, só mesmo um cafezinho com alfajor, assunto para a Pitangas da próxima semana.
Sobre o/a autor/a
Rosa Maria Dalla Costa
Rosa Maria Dalla Costa é jornalista e advogada, professora titular aposentada do departamento de Comunicação Social da UFPR e dos programas de pós graduação em Educação e em Comunicação. Atualmente, é professora do curso de Direito da Faculdade Inspirar. Apaixonada pela arte de cozinhar, receber e organizar festas e eventos. Frequentadora de cursos de cozinha dos mais variados no Brasil e na França Chef de Cozinha formada pelo Centro Europeu.