Há certos comentários e atitudes que, embora improcedentes, lamentáveis, descabidos, não são relegados ao esquecimento. Tempos atrás, uma pessoa, depois de acompanhar o noticiário policial de uma emissora de TV, num boteco, não resistiu e comentou para quem quisesse ouvir nas mesas próximas:
– Bons tempos da ditadura militar… Você podia dormir tranquilo sem passar o trinco nas janelas e na porta de casa. Não havia ladrões soltos por aí.
E, mais recentemente, quando Lula estava preso em Curitiba, um pequeno grupo de integrantes do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – marcou presença, solidário ao ex-presidente. Mas, ao se dirigir à Polícia Federal, a pé e com uma bandeira do MST, passou pelo mesmo bar. Aí, um dos fregueses, e não aquele da ditadura, foi até a porta e passou a gritar:
– Seus vagabundos! Canalhas! Vão trabalhar! Vagabundos…
Ao que consta, ele se aposentou por tempo de serviço, embora funcionário fantasma de uma empresa estatal.
O outro lado da moeda – 1
Sobre o golpe de 64, temos o livro Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988, de Beatriz Kushnir, lançado em 2004 pela Editora Boitempo. Nele, a autora, mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense e doutora em História Social do Trabalho pela Unicamp, destaca:
– Além de apoio financeiro, logístico e militar dos Estados Unidos, alguns setores da própria sociedade brasileira, severamente bipolarizada na época, com apoio de parte da chamada grande imprensa, grandes proprietários rurais, boa parte da classe média e de grupos conservadores e anticomunistas da Igreja aos golpistas deixou claro que o golpe não foi apenas militar, mas civil-militar.
10 de dezembro 2014 – Depois de dois anos e sete meses de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou, em seu relatório final, 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura no país. Entre essas pessoas, 210 são desaparecidas.
E a Folha de S. Paulo noticiou que a lista oficial de mortos pela ditadura poderia ser ampliada: com mais 600 mortos além das vítimas já registradas. “São camponeses, sindicalistas, líderes rurais e religiosos, padres, advogados e ambientalistas mortos nos grotões do país entre 1961 e 1988”.
O outro lado da moeda – 2
Com a pandemia da Covid-19, o MST voltou às ruas, agora para socorrer os (mais) necessitados. Somente em Alagoas, doou cerca de 50 toneladas de alimentos para as comunidades periféricas de Maceió como forma de estender a solidariedade dos camponeses aos que passam fome. Além da doação de alimentos, o Movimento também vem realizando entrega de materiais de higiene pessoal e máscaras confeccionadas pelos grupos de artesanato dos acampamentos e assentamentos. Segundo José Neto, da direção nacional do MST, as atividades têm sido uma importante afirmação da posição do Movimento Sem Terra nesse período.
– Estamos na defesa da vida das pessoas e dos direitos do povo brasileiro. Com toda a crise que estamos vivendo, a solidariedade é hoje uma fundamental ação política para que possamos atravessar esse momento.