Aproveitando a reclusão por conta da pandemia, há quem tenha mergulhado no (suposto) depósito de velhos livros – velhos apenas no sentido do ano em que foram publicados e, às vezes, pela grafia da época; fora isso, eles ampliam a sua importância com o passar do tempo.
E eis que topou com Catatau, de Paulo Leminski, Editora Grafipar, 1975, e que contou, para a feitura da capa, com a participação de Miran – Oswaldo Miranda, cartunista e designer.
Até na dedicatória, coisa geralmente repetitiva, Leminski chuta o balde e inova – agradando muito mais o destinatário com um mimo.
Ao Camargo
este abraço textual
de capa a capa.
Do Leminski
Isso mesmo: um abraço textual de capa a capa.
Pra quem não leu
Cândido – o jornal da Biblioteca Pública do Paraná -, publicou um fragmento do Roteiro Literário — Paulo Leminski, escrito por Rodrigo Garcia Lopes. Nele, chegamos ao título Catatau. Breves trechos:
– O título do livro tem uma anedota da época em que o poeta e sua família moravam na pensão do Solar da Fossa, quando se mudaram para o Rio de Janeiro. Os colegas viam o poeta andar de um lado pra o outro com os livros de referência e diziam:
– Lá vem o Leminski com aquele catatau embaixo do braço…
E catatau tornou-se o título definitivo. Antes seria Zagadka, segredo em russo e polonês. No plano do Catatau, o autor anota: “Catatau quer dizer: -calhamaço/ – monstro (Bahia)/ – provinciano (Minas) / Da periferia, saem os monstros”.
Quanto ao gênero, destaca o Cândido, Leminski categorizou Catatau como um “romance-ideia”.
8 anos de elaboração
Ainda do Cândido: Leminski levou aproximadamente oito anos para completar o livro. Segundo depoimento do próprio poeta, o tema havia surgido durante uma aula de história do Brasil:
– Descartes havia servido na Holanda sob o comando de Nassau, não seria de todo impossível que ele viesse ao Brasil junto com o comandante. O filósofo francês é assunto de outros dois poemas de Leminski: explicitamente em minoração fúnebre para Descartes e implicitamente em “Só ex isto ex ist” (poema que deu o título à adaptação cinematográfica de Catatau).
Hungria, Cuba, México, Argentina, Espanha e Polônia. Desde 1994, Paulo Leminski teve nove livros publicados nestes países e, até o ano que vem, a previsão é de que também os leitores portugueses e italianos tenham acesso a obras do poeta – Toda Poesia e Distraídos Venceremos, respectivamente.
Uma obra “maldita”
E temos ainda a Biografia de Paulo Leminski, de Dilva Frazão, bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora do ensino fundamental. Breves trechos:
– Paulo Leminski (1944-1989) foi um poeta, escritor, tradutor e professor brasileiro. Fez uma poesia sem compromisso, destacou-se com Catatau, obra “maldita” marcada por exacerbado experimentalismo linguístico e narrativo. Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba, no dia 24 de agosto de 1944. Era filho de Paulo Leminski, militar de origem polonesa, e Áurea Pereira Mendes, de descendência africana.
Com 12 anos, Paulo ingressou no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, onde estudou latim, teologia, filosofia e literatura clássica. Em 1963, abandonou o Mosteiro, e nesse mesmo ano foi para Belo Horizonte onde participou da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, quando conheceu Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, criadores da Poesia Concreta.
Em 1964, publicou seu primeiro poema na revista Invenção, editada pelos concretistas. Nesse mesmo ano, assume o cargo de professor de História e Redação em cursinhos pré-vestibulares.
Publicava seus textos em revistas alternativas, antológicas do tempo marginal, como Muda, Código e Qorpo Estranho, segundo ele mesmo, publicações que consagraram grande parte da produção dos anos 70.
Alegoria tropicalista
Em 1975, Paulo Leminski iniciou sua trajetória de “escritor maldito” com a obra Catatau, um polêmico livro de prosa em que o experimentalismo atinge níveis pouco usuais, classificada pelo autor como mero romance ideia.
A obra, uma ágil alegoria tropicalista, apresenta o filósofo francês René Descartes vivendo no Brasil holandês de Maurício de Nassau, no século XVII, fumando maconha e comparando o pensamento europeu à natureza do povo tropical.
Geração mimeógrafo
Com a recepção dada a Catatau, que levou oito anos para concluir, Leminski jurou que jamais voltaria a escrever prosa e, em 1980, publicou dois instigantes livros de poesia: Polonaises e 80 Poemas. Lançados com diferença de poucos meses e, ambos, herdeiros, na forma, dos melhores momentos da “geração mimeógrafo”.
E marcou presença também, em Curitiba, como redator de publicidade, depois de ter sido jornalista e professor de Português e História.
Com seu próprio jeito de escrever poesias, fazendo trocadilhos ou brincando com ditados populares:
– sorte no jogo / azar no amor / de que me serve / sorte no amor / se o amor é um jogo / e o jogo não é meu forte, / meu amor?
Leminski também escreveu letras de músicas em parcerias com Caetano Veloso, Itamar Assumpção e o grupo A Cor do Som. Traduziu as obras de James Joyce, Alfred Jarry, Samuel Beckett e Yukio Mishima. Faleceu no dia 7 de junho de 1989.
Frases de Leminski:
– Viver é superdifícil, o mais fundo está sempre na superfície.
– Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além.
– A vida não imita a arte. Imita um programa ruim de televisão.
– Lugar onde todos têm razão, melhor não ter nenhuma.
– Salve-se quem quiser, perca-se quem puder!
Para cada bicho de sete cabeças, tem sete sem nenhum.
Poemas de Paulo Leminski
“Dor Elegante“
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
“Marginal”
Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.
Para ir além:
Obras de Paulo Leminski: Catatau (1975); 80 Poemas (1980); Caprichos e Relaxos (1983); Agora é Que São Elas (1984); Anseios Crípticos (1986); Distraídos Venceremos (1987); Guerra Dentro da Gente (1988); La Vie Em Close (1991); Metamorfose (1994); O Ex-Estranho (1996).