Por que o Brasil tem batido na trave no Oscar

No caminho para vencer o mais famoso prêmio do cinema mundial, cineastas brasileiros têm enfrentado obstáculos

Por mais um ano, o Brasil ficou de fora na corrida pelo Oscar. O filme “Marte Um”, de Gabriel Martins, foi o indicado brasileiro na tentativa de chegar ao prêmio mais cobiçado do cinema, mas não foi o escolhido. A Academia preferiu, como representante sul-americano, os vizinhos argentinos pelo filme Argentina, 1985.

Mesmo fora da lista do Oscar, a produção do cineasta mineiro teve grande repercussão em território nacional. Escolhido como melhor longa-metragem em 2022, pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), “Marte Um” conta a história de uma família negra que vive na periferia de Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte, após um presidente de extrema-direita ser eleito no país.

A não escolha do longa pela Academia, não choca quem conhece o histórico do cinema brasileiro na premiação internacional. Desde sua primeira indicação em 1963, com “O Pagador de Promessas”, escrito e dirigido por Anselmo Duarte, o Brasil fez aparições diretas e indiretas no Oscar. Nos anos 90, o cinema nacional retornou ao prêmio após o filme de Duarte, e acarretou três indicações na categoria de melhor filme internacional com “O Quatrilho”, de Fábio Barreto (1996), “O Que É Isso, Companheiro?”, de Bruno Barreto (1998), e “Central do Brasil”, de Walter Salles (1999).

Um dos filmes brasileiros mais reconhecidos internacionalmente, “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles, teve uma história conturbada envolvendo o Oscar. Mesmo após grande repercussão na América Latina, o longa não foi selecionado para nenhuma categoria em 2003, o que causou um grande rebuliço na época. No entanto, em uma situação incomum, a produção de Meirelles foi indicada no ano seguinte, 2004, quando emplacou nos Estados Unidos e na Europa. Cidade de Deus concorreu nas categorias melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor edição e fotografia, mas acabou não superando os concorrentes.

O caso de “Cidade de Deus” gera reflexão quando falamos do Brasil no cenário cinematográfico internacional. O filme que mesmo ante à polêmicas de bastidores, retrata vidas negras periféricas e explora a violência das comunidades, foi recebido com olhares diferentes antes e depois de fazer sucesso nos EUA. Como comenta o cineasta Aleques Eiterer, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrando na mesma área pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina Universidade de São Paulo (PROLAM-USP): “A questão Oscar não é tão importante quanto já foi, mas ainda acredito na bênção do colonizador.”

As escolhas de indicações do Oscar são feitas pelo comitê da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que de alguns para cá vêm passando por uma reformulação. Por muito tempo, a bancada do Oscar foi composta majoritariamente por homens brancos estadunidenses, isso claro, sempre teve influência direta nos filmes, diretores, atores e atrizes escolhidos.

O filme “Aquarius” (2016), dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Sônia Braga, chegou a ser cogitado pela imprensa e crítica especializada, como um forte concorrente sul-americano para arrebatar uma estatueta do Oscar. Bem recebido também pela crítica internacional e vencedor do César 2017 — considerado o Oscar francês — , “Aquarius” não chegou nem a ser indicado pelo governo brasileiro para ser o representante do país. Veio à tona um período depois, que o filme nunca esteve elegível ao Oscar, por descaso de sua produtora norte-americana, que deixou de preencher os documentos de inscrição.

Movido por uma pressão externa e interna sobre a falta de representatividade, a Academia decidiu reformular o seu quadro de membros em 2022, anunciando um novo quadro de membros composto por 683 pessoas. Segundo o Filme B, maior portal sobre o mercado de cinema no Brasil, dos novos membros, 41% são pessoas negras e 46%, mulheres. Além disso, foram adicionados uma lista de convidados de diferentes países. A lista conta com grandes nomes brasileiros, como o ator Selton Melo, a diretora Anna Muylaert e o diretor Alê Abreu, que já concorreu ao Oscar com a animação nacional, “O Menino e o Mundo” (2013).

Fato é que o problema de aceitação de uma produção brasileira não é uma particularidade do exterior. As barreiras estão enraizadas e começam antes mesmo de sair do país. Além do histórico de baixo incentivo da cinematografia no Brasil tanto no quesito produto e consumo, quanto nas questões orçamentais, os filmes que conseguem sair do papel, muitas vezes, esbarram nos próprios órgãos do governo em casos de censura, boicote e negligência.

O cinema brasileiro é entrelaçado com a cultura e muitas vezes usado como um cenário representativo da nossa sociedade. Mesmo em um país diversificado, assim como em Hollywood, grande parte das histórias são contadas e protagonizadas por homens brancos. No Brasil, cinema e política andam lado a lado, e isso pode causar desconforto para muita gente. A sociedade também precisa estar disposta a mergulhar em novas narrativas. “Acredito que seja hora de as pessoas contarem suas próprias histórias, em vez de homem branco cis contar suas histórias (por elas). Chegou a hora de sermos protagonistas, nós como LGBTQIA+ e pessoas negras”, destaca Eiterer.

Retomando a história de “Aquarius”, o filme de Mendonça mesmo antes de ser exibido no Brasil, sofreu boicote após o elenco do filme realizar um protesto político no Festival de Cannes, em maio de 2016, na França. Na ocasião, atores e atrizes acompanhados pelo diretor, levantaram placas contra o impeachment da então presidenta, Dilma Rousseff. O protesto acarretou uma série de reações e uma proposta de boicote com a justificativa de que os envolvidos no filme estariam se beneficiando de verbas estatais.

Outro caso notório é o de “Marighella” (2021). Dirigido por Wagner Moura, o longa estreou apenas quatro anos depois de sua filmagem. Um dos principais motivos foi um embate travado com a Agência Nacional do Cinema (Ancine) que recusou dois pedidos de comercialização da obra. Sucesso no Festival de Berlim, o filme que conta a história de Carlos Marighella, escritor, político e guerrilheiro, sofreu uma onda de avaliações negativas na Internet Movie Database, um dos sites mais famosos de cinema no mundo todo.

O cinema não se trata apenas de méritos e deméritos. O Oscar não deixa de ser uma representação em grande escala do que se passa na indústria brasileira. Assim como no Brasil, em Hollywood, os critérios ideológicos também são um impasse, e isso impede nosso país de protagonizar no lugar mais alto e prestigiado do cinema. De “Aquarius” à “Marighella”, enquanto o Brasil não resolver suas próprias questões dentro da cinematografia, as barreiras para o parâmetro internacional que já são grandes, se tornam ainda maiores.

Vencedores latinos

Os sul-americanos já provaram que podem ser sucesso fora do continente. Em 1986, o filme argentino “A História Oficial” (1985) foi o primeiro longa-metragem latino a levar um Oscar. Vencedor na categoria melhor filme estrangeiro, a obra do diretor Luis Puenzo se passa em um cenário pós-guerra Suja, e começou a ser gravada durante o último ano da ditadura militar na Argentina. Por esse motivo, parte de sua produção aconteceu de forma sigilosa. Além do Oscar, também saiu vencedor em outros grandes prêmios como o Globo do Ouro, o Festival de Cannes e o Festival de Berlim.

No ano de 2010, a Argentina voltou a figurar na maior premiação do cinema com “O Segredo dos seus Olhos” (2009). Assim como o primeiro argentino a vencer uma estatueta, o filme dirigido por José Juan Campanella também venceu como melhor produção estrangeira e possui como tema a ditadura e política do país.

Exemplo mais recente, o filme “Uma Mulher Fantástica” (2017), fala sobre Marina, uma mulher transexual que trabalha como garçonete e luta contra o preconceito dos familiares de seu ex-parceiro enquanto busca o seu sonho de ser cantora e performer. Escrito e dirigido por Sebastián Lelio, o filme levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018 e foi um sucesso de crítica. Essa foi a primeira produção na história protagonizada por uma pessoa transgênero a levar um prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Diferente dos países da América do Sul, o México está mais acostumado a figurar no alto escalão do cinema. Casa de diretores renomados como Guillermo Del Toro, Alfonso Cuarón e Alejandro Iñárritu, os mexicanos praticamente dominaram a categoria de melhor direção nas premiações entre 2013 e 2018. Em 2019, o filme “Roma” (2018) de Cuarón, estrelado pela atriz mexicana Yalitza Aparicio, garantiu 10 indicações ao Oscar e levou 3 estatuetas: melhor diretor, melhor fotografia e melhor filme estrangeiro. Muito elogiado pela crítica, “Roma” se passa no México e retrata a vida de Cleo, uma empregada doméstica de uma família classe média dos anos 70.

Orientadora: Larissa Drabeski (jornalista e professora)

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

À minha mãe

Aos 50 anos, a vida teve a ousadia de colocar um tumor no lugar onde minha mãe gerou seus dois filhos. Mas ela vai vencer

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima