Para Marilene Gondim, todos os caminhos levam à música

Marilene Gondim prova a importância das mulheres no mercado da música. (Foto: Acervo pessoal)
A produtora cultural participou da elaboração da Lei Rouanet e tem mais de 3 mil shows no portfólio

A serenata é um estilo musical brasileiro que embalou a história de muitas pessoas. O gênero consiste em cantar músicas românticas e tocar instrumentos pelas ruas, com cancioneiros que demonstram suas modinhas cheias de emoção em frente à casa de suas amadas. Minas Gerais é considerada o berço dos seresteiros, e foi ali que Marilene Gondim, por meio de seu avô seresteiro, teve seu primeiro contato com a música, sem imaginar que anos depois se tornaria um grande nome da indústria da música no Brasil.

Marilene Ribeiro Gondim nasceu em Belo Horizonte (MG) e sentiu logo cedo a afinidade com a música. Quando pequena já acompanhava a mãe em shows de ídolos nacionais, como Roberto Carlos. Como centenas de crianças que nasceram nos anos 1960, foi influenciada por artistas da Jovem Guarda. Porém, a paixão pela música a pegou em cheio quando conheceu os Beatles.

“Eu ouvi os Beatles pela primeira vez aos seis anos de idade. Foi em um momento em que eles explodiram, e aí eu perturbei a minha mãe para comprar alguns discos deles. Eu fiquei louca com eles, escrevia no meu ‘tenizinho’ Ringo, Paul, George, John. Esse encantamento durou pouco mais de um ano. E aí eles se separaram, e, quando eu vi, fiquei viúva com sete anos de idade, porque o baque que eu sofri foi nesse nível”, explica.

Mas como muitos acreditam que dor de amor só se cura com outro amor, logo Marilene se viu livre da viuvez precoce ao conhecer outro som. Para amenizar a dor, sua avó deu de presente um compacto da banda Os Mutantes. Para ela, o som soava com o gosto musical da neta. “Minha avó acertou na dezena, na centena e no milhar, porque eu fiquei louca e passei a consumir toda aquela música”, conta. Outros artistas responsáveis por moldar seu gosto logo na infância foram Elis Regina e Milton Nascimento, o qual, por surpresa da vida, foi o responsável por colocá-la a trabalhar como produtora e iniciar sua trajetória.

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Quando o Direito levou à música

Em uma época em que não existiam muitas opções de cursos de graduação, Marilene se encontrou na adolescência diante do dilema de qual profissão seguir. Filha de engenheiro, não se via trabalhando na mesma área que o pai e nem em outras mais tradicionais como medicina. A opção foi fazer faculdade de Direito.

Sem saber por qual caminho seguir, enxergou a luz no fim do túnel ao conhecer o advogado Hildebrando Pontes Neto, um dos pioneiros na luta pela proteção à criação intelectual. “Ele [Hildebrando] disse: ‘Vem trabalhar comigo porque acho que você vai gostar do que eu faço’. E aí eu me achei, vi que realmente era onde eu tinha que estar, dentro do direito do autor”, diz.

Marilene ressalta que este é um mercado recente no Brasil. A primeira lei, a nº 5.988, surgiu apenas em 1973. “Eram pouquíssimos profissionais, e o Hildebrando era um cara muito importante dentro desse universo, e foi através dele que eu abracei o direito autoral e onde estou até hoje”, afirma.

Atuando na área na década de 1980, ela conheceu Márcio Ferreira, empresário de Milton Nascimento. Anos mais tarde, ficou sabendo que Márcio estava organizando a primeira grande turnê internacional de Milton, que coincidiu com a época em que ela foi aos Estados Unidos para um curso de extensão sobre propriedade intelectual. Marilene, que possuía fluência em língua inglesa, começou a prestar o serviço de tradução das correspondências que chegavam dos Estados Unidos. Era o primeiro passou com o trabalho de produção de turnê.

“Eu não me aguentava e acabava por dar palpites sobre as partes do show, até que, vendo o meu desempenho e fugacidade, Márcio perguntou em tom sarcástico se eu não gostaria de produzir o show. Eu disse que topava”, lembra a produtora.

Logo após passar meses fora com a turnê de Milton, Marilene retornou ao Brasil e decidiu se mudar para a cidade do Rio de Janeiro. Meses depois, começou a trabalhar como produtora de mais um grande nome da música brasileira, Ivan Lins, em shows com casa lotada e viagens no mundo todo. Outra estrela da música que Marilene pode mostrar com orgulho em seu currículo é Tom Jobim, produzindo ao mesmo tempo das viagens com Ivan Lins.

Em 1991, Marilene retomou seus trabalhos temporariamente em Belo Horizonte, exercendo funções dentro da Secretaria de Cultura. Entre as atividades realizadas, fez parte do grupo que redigiu a primeira versão da Lei Rouanet, dispositivo que visa captar recursos financeiros para atividades culturais.

Trilhando outros caminhos

No início de 1993, o destino deu a ela a oportunidade de uma nova experiência em produções musicais. A convite do cenógrafo e carnavalesco Mário Monteiro, Marilene produziu sua primeira obra fora dos shows musicais, em um projeto que propunha montar uma ópera com mão de obra do carnaval. Idealizado pelo barítono brasileiro Nelson Portela, o espetáculo gigantesco contava com mais de 300 pessoas no palco. O projeto foi tão bem-sucedido que Marilene também produziu outras óperas, como “O Barbeiro de Sevilha” e “Carmen”.

Ao final da montagem do espetáculo “Carmen”, Marilene se viu diante de outra grande surpresa: a primeira gravidez, que a afastou dos palcos para cuidar da gestação. Mas continuar longe do trabalho não era uma opção, o que culminou na criação de uma das primeiras agências de atores do Brasil, a Link Produções. Fundada com amigos, a Link agenciou nomes como Fábio Assunção, Cláudia Abreu, Camila Pitanga, Letícia Spiller e Susana Vieira. A agência durou até 1995.

Marilene ganhou da vida mais um papel que nunca havia desempenhado, o de empresária. Foi convidada a trabalhar neste cargo ao lado do antigo amigo e primeiro “cliente” Milton Nascimento, fato que foi o pontapé para a criação da nova empresa dela e do falecido marido, Remo Brandalise. Entre 1995 e 2018, a Tribo Produções foi responsável pela carreira de artistas como Ana Carolina, Maria Rita e, claro, Milton Nascimento. Pela Tribo, Marilene soma mais de 3 mil shows realizados.

Em paralelo com a música, fundou a MRG Projetos Culturais, também com o apoio de Brandalise. A empresa é responsável por montar projetos especiais que não tinham a natureza de agenciamento de artistas da música. O primeiro trabalho da MRG foi “Elis, A Musical”, trabalho realizado em conjunto com Aventura Entretenimento e a Buenos Dias Projetos e Produções Culturais. Em 2022, a MRG voltou aos palcos dos teatros com a produção do musical “Clube da Esquina – Os sonhos não envelhecem”. Com a MRG, Marilene também atua na gestão dos direitos de personalidade e conexos de Elis Regina e Nara Leão.

A mulher nos bastidores

Atuando em um mercado dominado por homens na sua grande maioria, Marilene pode trilhar seu caminho sem dificuldades, mas com muita inteligência e dedicação. Apesar do posicionamento direto, ela assume que era uma das poucas mulheres a atuar no segmento, tanto como advogada quanto produtora e empresária. “Era eu e, sei lá, mais três, quatro, até o início dos anos 2000. Não tinha uma pluralidade de mulheres”, diz.

No entanto, ela acredita que o cenário vem mudando nos últimos anos. “A indústria da música tomou um caminho feminino sobre diversos aspectos. Não só aquela presença maior de mulheres como também de um direcionamento, um conceito mais feminino, que não é aquela coisa de uma Indústria machista ou até um pouco misógina […]. Mas acho que ainda a indústria não pagou a dívida que tem com as mulheres nos cargos de comando. Isso é fato”, esclarece.

Além dos desafios, o caminho tem suas recompensas. Marilene recorda quando acompanhou a cantora Ana Carolina a uma gravação em Nova York com Tony Bennett, astro do jazz. A gravação fazia parte de um projeto de duetos, do qual participaram cantoras como Lady Gaga e Amy Winehouse. Ana Carolina interpreta a música “The very thought of you”, do “Viva Duets” (2012). Marilene relembra com emoção o momento dentro do estúdio.

“Eu me sentei ali, quietinha ao lado do piano, e na hora que a orquestra começou, senti uma coisa quando veio aquela massa sonora deslumbrante. Eu falei ‘meu Deus, é por isso que eu trabalho com música!’. Tive uma reação em que comecei a chorar, escorreram as lágrimas, porque foi muito emocionante aquele momento”, conta.

Para o futuro, o trabalho de organizar, produzir e levar a música ao público já tem suas formas garantidas, pois o talento e a sensibilidade para a arte são intergeracionais. Sua filha mais velha, Fernanda Brandalise, é roteirista de diversos trabalhos no audiovisual. Pelas gratas surpresas da vida, Fernanda foi a responsável pelo roteiro do musical “Clube da Esquina”, a convite do diretor Dennis Carvalho. “Eu fui a última a saber”, relembra a atuação da filha no espetáculo produzido pela MRG.

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